Martinho Júnior, Luanda
1- Em Janeiro de cada ano que
passa há bastos motivos para se dar a conhecer as raízes e a trilha dum tão
telúrico quão silenciosamente devotado movimento de libertação que se distende
desde princípios do século XIX até nossos dias e se alimenta aparentemente em
segredo, ou em clandestinidade, de acumulação de resistências que repetem,
geração após geração, a “eterna” ânsia de futuro que espreita em cada
quadro insolúvel das contradições humanas existenciais.
A contradição essencial entre
opressores e oprimidos a humanidade não conseguiu resolver, apesar das
aquisições produtivas da revolução industrial e da revolução das novas
tecnologias, por que com o rótulo da civilização se permitiu o abismo entre as
classes sociais, o abismo no crescimento das desigualdades, o abismo nas
múltiplas assimetrias culturais, o abismo nos desequilíbrios que acarretam o
fim de tantas espécies, o abismo nos relacionamentos internacionais apesar de
tantas bandeiras emancipadoras patentes nos mastros da tão pouco convincente Organização
das Nações Unidas.
É do fundo desse abismo que
espreitam continentes inteiros em sua ânsia de liberdade, de independência e de
seu quinhão de soberania, com toda a legitimidade que isso implica, devassa
fora nos relacionamentos internacionais.
Ao colocar-se a questão dum poder
global adquirido nos termos da revolução industrial e das novas tecnologias em
tão poucas mãos, refinando nesse sentido todos os processos produtivos e
implicando-os até à exaustão na fome do lucro, chegou-se finalmente a um
opressivo apagar da história, um opressivo apagar do respeito devido à
humanidade em termos da sua tão diversificada antropologia cultural, uma lesão
crescente do planeta que gerou repercussões incalculáveis no meio ambiente, no
clima e nas condições de vida tal qual ela tem sido conhecida, ou ainda no que
um contexto dessa natureza provoca em relação à mentira continuada dos que
contam narrativas em função dos interesses dos poderosos e se autoconvencem que
com isso impedem a dialética de pensamento e de acção que anima o resto da
humanidade.
Tudo isso é feito apesar (ou a
propósito) do concurso de democracias que tantas vezes têm servido para todo o
tipo de representativas e ilusórias cosméticas de conjuntura e ocasião, ao
invés de buscarem consensos com integração de todo o tipo de articulações
participativas dando espaço ao protagonismo possível mas tão poucas vezes
tentado dos exercícios democráticos mais amplos e abrangentes.
Muitos esquecem-se que com a
legalidade dos poderosos não se apaga o campo enorme da legitimidade dos fracos
e dos oprimidos, nem a advocacia de sua ânsia de solidariedade, de liberdade e
de futuro e por isso os que servem os poderosos, ficam tentados à (exclusiva)
representatividade a todo o custo, com todo o seu arsenal de instrumentos
burilados por processos inquinados de civilização, que não conseguem chegar à
necessária e constante crítica de barbárie para alguma vez se poder avançar
justamente na lógica com sentido de vida que ilumina desde suas origens o
moderno movimento de libertação e sua sequência, também ela legítima por que
conduz à luta contra o subdesenvolvimento.
O movimento de libertação, a sua
ética e a sua moral por via da lógica com sentido de vida, anima-se a partir de
dolorosos contraditórios históricos e antropológicos, agora ainda mais quando
se tornou obrigatória a acção em prol da sobrevivência da espécie e do próprio
planeta.
Martinho Júnior - Luanda, 5 de Fevereiro de 2019
Ilustração: quadro de Malangatana
e sua visão humanamente integral de África, berço da humanidade.
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