segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Portugal | A arte de partir o bolo


Paula Ferreira | Jornal de Notícias | opinião

Incluo-me no rol de portugueses que olham para o pagamento de impostos como algo que faz parte das nossas obrigações enquanto cidadãos integrados no Estado.

Cresci enquanto cidadã a considerar essa obrigação como contributo para a construção do país onde vivo e os meus filhos crescem. Quando os deixo na escola ou recorro a um médico, no centro de saúde ou numa urgência hospitalar, sinto o retorno dessa prestação cívica. Tenho consciência de que muitos, até pessoas próximas de mim, me olham como se eu fosse uma inepta a fintar o Fisco.

Não disfarço, é verdade, a censura aos que fogem despudoradamente à entrega da sua parte para o bolo comum. No entanto, começo a sentir desconforto. Todos os dias deparo com problemas nos hospitais, nas escolas, a rede ferroviária cai aos pedaços - os comboios, os poucos a circular, são de meados do século passado, tão velhos que perdem motores em andamento, e a ferrovia mingua.

Nas escolas, faltam auxiliares de apoio a professores e alunos, a investigação científica vive de favores. Devo ser mesmo inábil: então não é para financiar tudo isto que pago, sem queixumes, impostos há pelo menos 30 anos? Eu e grande parte dos cidadãos de Portugal: a receita fiscal, no ano de 2017, rondou os 42 mil milhões de euros.

A prioridade, afinal, passa ao lado da escola dos nossos filhos, e dos hospitais. Estamos integrados num espaço político que diz basear-se no bem-estar social, mas não tolera a falência de um banco. Para evitar o "risco sistémico", argumentam. Em tal desígnio, desde 2008, 17,8 mil milhões de euros dos nossos impostos foram usados a salvar bancos, honradas casas onde os ricos se financiam e os pobres perdem as poucas economias aplicadas na entrada de uma habitação. Como ouvi da voz de uma personagem, de série televisiva portuguesa, "se deves 100 mil euros, o problema é teu; se deves cinco milhões, o problema é do banco". Ou seja, de todos nós.

*Editora-executiva-adjunta

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