No país vizinho, escondido pela
mídia, outro sinal de como fracassam as políticas de “corte de gastos”. Pobreza
explodiu, inflação passa de 60% e, apesar de empréstimo gigante do FMI, país
pode afundar em nova crise cambial
Mark Weisbrot, entrevistado
por Greg Wilpert, no Real News | Outras Palavras | Tradução: Antonio
Martins
A economia argentina declinou
6,2% no quarto trimestre de 2018. O retrocesso ocorreu no período em que o país
recebeu 56 bilhões de dólares do Fundo Monetrário Internacional – o maior
empréstimo deste tipo na história do FMI. Estima-se que a inflação supere os
40% este ano, mas os salários crescerão apenas a metade. Mauricio Macri, o
presidente conservador-neoliberal da Argentina, tenta concorrer à reeleição em outubro. Mas à medida
em que economia continua a naufragar, é improvável que obtenha um segundo mandato.
Mark Weisbrot, nosso entrevistado
é co-diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, o CEPR, localizado em
Washington. É autor de “Failed: What the ‘Experts’ Got Wrong About the Global
Economy [“Erraram: o que os “especialistas” não entenderam sobre a Economia
Global”].
Conversamos pela última vez sobre a Argentina
Como você disse, espera-se que a
inflação seja de 40%. Quando o FMI firmou acordo com o país, previa-se que ela
fosse de 20% em 2019. Também se supunha que a economia estivesse crescendo
agora, mas ela continua a encolher. Os números que você mencionou comparam o
último trimestre daquele ano com o mesmo período do ano anterior. Tudo está
piorando.
O problema foi a receita errada
para a doença. Voltemos ao ponto em que a última crise começou, em maio do ano
passado. Deste então, diversos bancos, instituições financeiras e investidores deixaram
o país e venderam os papéis de sua dívida. Isso resultou na queda do peso e
elevou a inflação. A combinação destes dois fatos criou uma crise financeira. A
solução do FMI, no acordo de 56 billhões de dólares – o maior já feito pelas
instituição – foi restaurar a confiança dos investidores. O método
foi e continua sendo um aperto do orçamento, a chamada “austeridade”.
Neste caso, também monetária.
Significa congelar o atual volume de dinheiro disponível na economia e definir
que ele não poderá crescer.
É claro que não funcionou. O FMI
fez a primeira revisão do acordo no final do ano passado, e simplesmente dobrou
a aposta: ampliou o aperto fiscal. O governo cumpriu a meta e obteve um déficit
primário zero, ou “equilíbrio fiscal” no ano – sem contar o pagamento de juros,
é claro. Agora, acabam de dobrar de novo. Apertaram a política monetária mais
uma vez. As taxas de juros são as mais altas do mundo, 60%. Esperava-se que
caíssem a “apenas” 30% este ano. A perspectiva é péssima.
“Analistas” dizem que Macri
poderia ser reeleito em outubro, se a economia se recuperasse. Se isso não
ocorrer, a ex-presidente Cristina Fernandez pode voltar. Você está dizendo que
o cenário não parece bom para Macri. O que você espera que ocorra entre agora e
outubro, quando ocorrerão as eleições presidenciais?
Não parece provável que haja uma
recuperação. A combinação é mortal. Você tem taxas de juros muito altas, não
acalmou os mercados, o peso caiu. Há uma semana, já tinha perdido 8% do valor,
desde o início do ano. Mas se o governo tomou tantas medidas, e obteve um
empréstimo gigante do FMI, que ocorreu para fracassar? Eles estão aplicando as
políticas erradas. A “austeridade” e seus impactos na economia, e mesmo nos
mercados financeiros, estão realmente minando a confiança e tragando a
economia.
Para Macri ser bem-sucedido, é
preciso que algo realmente importante mude. Mas veja que ele já foi beneficiado
por uma mudança positiva, e não tirou proveito dela. O banco central dos EUA [o
Federal Reserve, ou Fed] decidiu não elevar as taxas de juros, ao contrário do
que havia antecipado. As taxas devem permanecer estáveis ao longo de todo o
ano. A política anterior, de elevação dos juros, foi vista, em maio passado,
como um dos fatores da crise. Porque quando o Fed eleva os juros – e isso foi
feito nove vezes, desde 2015 – isso atrai, para os EUA, capital que estava na
Argentina. Em resposta, os mercados entram em pânico, antecipando novas altas.
Agora, há uma política muito mais amistosa por parte do Fed nos EUA, e a
economia argentina segue em situação terrível.
É claro que, com o empréstimo do
FMI, Macri terá algum fôlego. Se Cristina Fernandez fosse a presidente, ela
certamente não teria obtido tal crédito. Qual é o papel das forças externas no
esforço para que Macri seja reeleito?
Há um paradoxo óbvio aqui. Penso
que o FMI está, na verdade, agindo contra seus próprios interesses. Eles querem
que Macri vença. È por isso que lhe ofereceram este enorme empréstimo. Também
os EUA desejam a vitória de Macri e, principalmente sob Trump, agem
explicitamente para favorecer o presidente argentino – que é parte da
coalização comprometida em derrubar o governo venezuelano. O FMI, diga-se, não
é independente do Departamento do Tesouro dos EUA, quando atua nas Américas.
Eles cortaram os créditos do
Banco Interamericano de Desenvolvimento para Cristina Kirchner, e os
restauraram imediatamente após a vitória de Macri. O juiz Thomas Griesa, de
Nova York, que julgava 90% das ações dos fundos-abutre contra o governo
argentino, aceitou reabrir os créditos assim que saiu o resultado das urnas.
Além disso, tornou explícita a motivação política de seu ato.
Portanto, há um leque de forças
nos EUA que deseja a reeleição de Macri.
No entanto, eles todos criaram
uma dinâmica que os está ferindo, ao deprimir a economia argentina. Agora,
precisam convencer os mercados de que há riscos, de que Macri pode perder.
Significa que sempre que algo dá errado em seus planos, e cresce a
possibilidade de vitória de Cristina, isso desarranja os mercados financeiros e
desencadeia novas notícias ruins: controle sobre a emissão de pesos, alta da
inflação antecipando novas quedas da moeda etc. Este é um problema real para
Washington. O FMI está tornando tudo pior, devido a sua visão dogmática sobre o
problema e sua solução. Por isso, a Argentina tende a se manter em crise, ainda
que isso não sirva aos interesses do governo norte-americano, de ajudar Macri
de todas as maneiras possíveis.
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