Rei de Marrocos/Repressão |
Milhares de crianças e jovens
saarauís sofrem diariamente violência física e verbal, ficando com traumas de
guerra, apesar do cessar-fogo nos territórios ocupados de Marrocos, segundo um
estudo hoje divulgado.
A ativista Isabel Lourenço
apresentou em 6 de Março, no Porto, um relatório sobre "o abuso dos
direitos das crianças e estudantes saarauís nos territórios ocupados do Saara
Ocidental", em que reporta a violência a que milhares de jovens são
diariamente sujeitos, com atos de tortura, humilhação e discriminação.
O relatório baseia-se no trabalho
de campo realizado ao longo de cinco anos (desde 2013) por Isabel Lourenço,
membro da Fundação Sahara Occidental, de Espanha, com entrevistas e inquéritos
realizados no Saara Ocidental, Marrocos, Espanha e França e é hoje apresentado
numa iniciativa do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto.
Os jovens e crianças pertencem à
população saarauí que vive nos territórios ocupados do Saara Ocidental, um
território disputado entre Marrocos e a Frente Polisário, entre 1975 e 1991,
antes de um cessar-fogo mediado pela ONU, na antiga colónia espanhola.
Marrocos considera o Saara
Ocidental uma parte integrante do reino e aceita um plano de autonomia para o
território, mas a Frente Polisário insiste num referendo sobre a independência,
que já foi negociado entre as partes, mas nunca foi realizado.
"Falei com jovens e crianças
com episódios chocantes, de situações que esperava ouvir no território de Gaza,
mas não nestes territórios ocupados", afirmou à Lusa a ativista e
investigadora Isabel Lourenço.
O relatório apresenta casos de
crianças agredidas, humilhadas, violentadas, deixando-as com pesados traumas
próprios de quem contacta com situações extremas de conflitos.
"Com isto, estão a ser
educados para o ódio. Cada vez que estas crianças são torturadas, humilhadas,
insultadas, os marroquinos estão a educá-los para o ódio", afirma a
investigadora.
"Eles contaram-me episódios
que imagino que nem os pais conhecem", admite Isabel Lourenço, falando do
resultado das muitas entrevistas e 150 inquéritos realizados ao longo de cinco
anos e em contacto próximo com as vítimas destas situações.
A ativista, que esteve vários
meses nos territórios ocupados e falou com centenas de jovens que lá vivem ou
viveram, relata casos nas escolas, em que as crianças são obrigadas a cantar o
hino de Marrocos e, quando não o fazem, são agredidas e insultadas.
"Uma criança foi levada
pelos cabelos até ao gabinete do diretor da escola, onde este disse aos pais do
jovem que teria de abandonar o sistema educativo", contou Isabel Lourenço.
"Mas nada do que se passa
nas escolas lhes é estranho. Estas crianças estão habituadas a ver as casas dos
pais serem alvos de 'raids' das autoridades marroquinas, que sequestram os
familiares, para os torturar", explica a ativista.
Isabel Lourenço diz que tudo isto
se passa perante a passividade e conivência da comunidade internacional.
"A solução para o problema
está no Conselho de Segurança da ONU", explica a investigadora, dizendo
que mesmo aí não há consenso sobre a matéria, criticando ainda a posição da
União Europeia, que tem sido complacente com Marrocos.
"Os EUA fazem alguma pressão
para resolver o problema, mas começam a ficar fartos do impasse", diz
Isabel Lourenço, apontando ainda o dedo às organizações internacionais.
"Aliás, o meu estudo revela
que os jovens saarauís olham com muita desconfiança para as missões
internacionais no território, com a maioria a dizer que os seus membros são
turistas, ineficazes ou amigos dos marroquinos", explica.
No momento em que decorrem mais
negociações entre a Frente Polisário e o governo de Marrocos, em Berlim, a
investigadora reconhece que o tema da situação da população saarauí ganha mais
visibilidade, mas que continuam a decorrer as sistemáticas violações dos
direitos das crianças.
"Essas crianças mostram
sinais de trauma: ansiedade, insónias, pesadelos", conclui Isabel
Lourenço, para quem há uma responsabilidade política, dos países democráticos,
que não tem sido assumida, nem mesmo pelo governo português.
"Portugal tem alinhado pela
posição da França e da União Europeia, de conivência com o governo marroquino.
E isso é de uma enorme hipocrisia, se nos lembrarmos do que aconteceu em
Timor-Leste, que tem muitas semelhanças com o que está a acontecer no Saara
Ocidental", diz a ativista.
Diário de Notícias
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