quarta-feira, 27 de março de 2019

Jovens saarauis sofrem diariamente violência física e verbal – estudo

Rei de Marrocos/Repressão
Milhares de crianças e jovens saarauís sofrem diariamente violência física e verbal, ficando com traumas de guerra, apesar do cessar-fogo nos territórios ocupados de Marrocos, segundo um estudo hoje divulgado.

A ativista Isabel Lourenço apresentou em 6 de Março, no Porto, um relatório sobre "o abuso dos direitos das crianças e estudantes saarauís nos territórios ocupados do Saara Ocidental", em que reporta a violência a que milhares de jovens são diariamente sujeitos, com atos de tortura, humilhação e discriminação.

O relatório baseia-se no trabalho de campo realizado ao longo de cinco anos (desde 2013) por Isabel Lourenço, membro da Fundação Sahara Occidental, de Espanha, com entrevistas e inquéritos realizados no Saara Ocidental, Marrocos, Espanha e França e é hoje apresentado numa iniciativa do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto.

Os jovens e crianças pertencem à população saarauí que vive nos territórios ocupados do Saara Ocidental, um território disputado entre Marrocos e a Frente Polisário, entre 1975 e 1991, antes de um cessar-fogo mediado pela ONU, na antiga colónia espanhola.


Marrocos considera o Saara Ocidental uma parte integrante do reino e aceita um plano de autonomia para o território, mas a Frente Polisário insiste num referendo sobre a independência, que já foi negociado entre as partes, mas nunca foi realizado.

"Falei com jovens e crianças com episódios chocantes, de situações que esperava ouvir no território de Gaza, mas não nestes territórios ocupados", afirmou à Lusa a ativista e investigadora Isabel Lourenço.

O relatório apresenta casos de crianças agredidas, humilhadas, violentadas, deixando-as com pesados traumas próprios de quem contacta com situações extremas de conflitos.

"Com isto, estão a ser educados para o ódio. Cada vez que estas crianças são torturadas, humilhadas, insultadas, os marroquinos estão a educá-los para o ódio", afirma a investigadora.

"Eles contaram-me episódios que imagino que nem os pais conhecem", admite Isabel Lourenço, falando do resultado das muitas entrevistas e 150 inquéritos realizados ao longo de cinco anos e em contacto próximo com as vítimas destas situações.

A ativista, que esteve vários meses nos territórios ocupados e falou com centenas de jovens que lá vivem ou viveram, relata casos nas escolas, em que as crianças são obrigadas a cantar o hino de Marrocos e, quando não o fazem, são agredidas e insultadas.

"Uma criança foi levada pelos cabelos até ao gabinete do diretor da escola, onde este disse aos pais do jovem que teria de abandonar o sistema educativo", contou Isabel Lourenço.

"Mas nada do que se passa nas escolas lhes é estranho. Estas crianças estão habituadas a ver as casas dos pais serem alvos de 'raids' das autoridades marroquinas, que sequestram os familiares, para os torturar", explica a ativista.

Isabel Lourenço diz que tudo isto se passa perante a passividade e conivência da comunidade internacional.

"A solução para o problema está no Conselho de Segurança da ONU", explica a investigadora, dizendo que mesmo aí não há consenso sobre a matéria, criticando ainda a posição da União Europeia, que tem sido complacente com Marrocos.

"Os EUA fazem alguma pressão para resolver o problema, mas começam a ficar fartos do impasse", diz Isabel Lourenço, apontando ainda o dedo às organizações internacionais.

"Aliás, o meu estudo revela que os jovens saarauís olham com muita desconfiança para as missões internacionais no território, com a maioria a dizer que os seus membros são turistas, ineficazes ou amigos dos marroquinos", explica.

No momento em que decorrem mais negociações entre a Frente Polisário e o governo de Marrocos, em Berlim, a investigadora reconhece que o tema da situação da população saarauí ganha mais visibilidade, mas que continuam a decorrer as sistemáticas violações dos direitos das crianças.

"Essas crianças mostram sinais de trauma: ansiedade, insónias, pesadelos", conclui Isabel Lourenço, para quem há uma responsabilidade política, dos países democráticos, que não tem sido assumida, nem mesmo pelo governo português.

"Portugal tem alinhado pela posição da França e da União Europeia, de conivência com o governo marroquino. E isso é de uma enorme hipocrisia, se nos lembrarmos do que aconteceu em Timor-Leste, que tem muitas semelhanças com o que está a acontecer no Saara Ocidental", diz a ativista.

Diário de Notícias

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