Martinho Júnior, Luanda
1- A detenção de Julian Assange é
o culminar dum episódio duma saga maior que, duma forma ou de outra, não terá
fim, seja qual for o método, ou a forma da luta que for encetada, expondo não
só o carácter do poder de estado da aristocracia financeira mundial em tempo de
globalização neoliberal, um estado marcado por uma hegemonia unipolar que se
tornou num império de domínio de 1% sobre o resto da humanidade!
Mas não é só, neste episódio, o
poder de estado imperialista que fica dramaticamente exposto: a radiografia
abrange numa imagem em negativo o estado do mundo e o grau de barbárie que
existe em pleno século XXI, no preciso momento em que a humanidade e o planeta
tanto necessitam de civilização, só possível alguma vez construir-se em paz, em
busca de consenso, de diálogo, de equilíbrio e de justiça social, numa altura
em que a humanidade conta com mais de 7 mil milhões de seres vivos e em
respeito para com a Mãe Terra, numa altura em que vão desaparecendo
abruptamente tantos milhares de espécies animais e vegetais.
A exposição radiográfica do
império por via do episódio Wikileaks, da expressiva imagem em negativo da
hegemonia unipolar a partir de suas próprias entranhas, tem sido um acto de
civilização enquanto denúncia da barbárie e uma pedrada num apodrecido charco
que a todo o custo vende de forma disseminada e constante uma imagem de
civilização, quando é a chave-mestra da continuada guerra que se vai
prolongando em geometria variável de há mais de 200 anos a esta parte,
assumindo agora novo alento com o recurso à revolução das novas tecnologias.
Aqueles que conseguiram chegar a
essas entranhas e expor essa podridão nauseabunda, qualquer que seja a acusação
que lhes façam, qualquer que seja o seu destino, são heróis de toda a
humanidade, num momento tão crítico como o que se atravessa, por que
contribuíram para colocar a nu as entranhas dum poder que sabe mascarar como
poucos as práticas de conspiração lesa-humanidade!
2- Muitos heróis de vanguarda nos
ensinaram o elevado preço da liberdade, da dignidade, do respeito para com os
outros e para com o planeta, da necessidade de transparência na ambiência
sociopolítica e sociocultural!
Enquanto homens e mulheres de
vanguarda eles não foram assimiláveis, por que sustentaram sua consciência
crítica face a evidências que para a maioria tem andado escondida, mas
invariável e dolorosamente sentida, século após século.
Eu próprio tenho feito desfilar
alguns dos mais conhecidos, sabendo da torrente de milhões e milhões de ignotos
que preencheram e preenchem o quadro de luta por um mundo melhor e mais feliz,
por um mundo ávido de sabedoria e amor!
Este episódio só o está a ser
possível numa era de novas tecnologias, mas a aspiração legítima à liberdade, à
dignidade, ao respeito para com a humanidade e para com o planeta, à paz, advém
desde que o homem não pode deixar de viver senão em sociedade, quaisquer que
sejam seus horizontes, qualquer que seja a mentalidade, ainda que longe de
alcançar consciência crítica.
Esta episódica radiografia,
prolonga a radiografia maior dessa saga dialética entre a luz e a sombra, que
foi tão cruamente exposta em África com o movimento de libertação cujas raízes
mergulham na revolução dos escravos no Haiti, no outro lado do Atlântico Sul,
que começou por culminar com a independência do Haiti em 1804 e se multiplicou
nas independências pondo fim ao colonialismo e ao “apartheid”!
A aspiração à liberdade, à
dignidade, à justiça social e ao equilíbrio entre os povos, nações e estados,
está submersa pela barbárie do império e desde que se iniciou a hegemonia
unipolar em época de globalização neoliberal, têm sido raros os que chegam à
superfície e lançam o brado dos justos, erguendo suas cabeças acima do pântano
que engrossou com a implosão do socialismo no século passado, que tanto tem a
ver com traição, ilusão e alienação, que tanto tem a ver com a subversiva
imposição da barbárie!
O exercício de liberdade que
Julian Assange fez, foi em nome da humanidade e um acto de civilização que
contrasta com a barbárie, expondo-a desde suas próprias entranhas, um sensível
acto de liberdade, de coragem e de dignidade, que todos os que têm vivido a
saga da libertação de África devem respeitar, estudar e reter como exemplo
cívico e prático, incomparável aos artifícios rasteiros dos que escondidamente
em nome do império advogam a justiça e os direitos humanos da feição dos
processos dominantes.
Julian Assange e o Wikileaks
demonstram que nas suas razões causais, a prática de conspiração do império, da
guerra permanente, da injustiça, da barbárie, estão longe de chegar ao fim!
3- O episódio Wikileaks
inscreve-se numa luta maior entre contrários, cuja expressão corrente é a
dialética entre a hegemonia unipolar que ainda é dominante e uma emergência
multipolar e multilateral que se abre aos processos socialistas de tão difícil
construção, apesar dos seus horizontes de paz e de civilização.
Nas Américas a luta pela
liberdade está debaixo de compressão sob o efeito do torniquete que ainda é
possível ao império usar, apesar do fenómeno do México entrosado com as
resistências de Cuba, da Venezuela Bolivariana e da Nicarágua Sandinista e é
neste momento, em que um saudável Equador acaba de reverter para o campo da
barbárie, que Julian Assange é detido por um vassalo anglo-saxónico da
hegemonia unipolar, a fim de afogar a cabeça que veio à superfície e lançou
durante anos um brado que se identifica com a sonoridade do brado dos escravos
revolucionários do Haiti, no início do século XIX…
Em África os que sentem esse
brado ganham a noção, ainda que incipiente, do quanto é produzido a partir dos
sistemas dominantes dos“media” no sentido de colocar na cabeça dos tão
vulneráveis africanos, no sentido de sua assimilação neocolonial, formatando
sua mentalidade, confundindo, dividindo, lançando caos e terrorismo, procurando
impedir um renascimento que tanto é preciso para haver respeito e felicidade
nos seus povos, nos relacionamentos entre si e nos relacionamentos com a
humanidade.
O que os africanos produzem
utilizando as novas tecnologias, o que produzem sobre si próprios e sobre o
resto do mundo, é infinitamente menos que o arsenal de mensagens produzidas
pelos “media” da hegemonia na direcção de África e com vista á sua
assimilação e neocolonização!
Essa guerra psicológica de
devastadores efeitos sociopolíticos e socioculturais, uma guerra não declarada
que recorre profusamente às novas tecnologias e usa todo o tipo de persuasão
para se mascarar e mascarar os seus propósitos, vai continuar especialmente
África adentro, América adentro, fervilhando em seus propósitos neocoloniais e
de assimilação.
O império continua sedento de
mão-de-obra dócil e barata, como sedento de sociedades amorfas, formatadas em
sua mentalidade padrão em estreita correspondência com seus interesses e
conveniências, como sedento de controlar a seu bel-prazer o preço das
matérias-primas a partir do seu exercício no campo da energia e do armamento.
Ao produzir a imagem sobre si,
esse império esconde em suas entranhas as suas dilacerantes práticas de
conspiração que Assange e a Wikileaks conseguiram divulgar!
A longa batalha pela liberdade
com as novas tecnologias entrou numa fase mais sensível, por que além do mais a
barbárie tem suas subtilezas, que em parte ficaram expostas com o exercício de
Julian Assange, da Wikileaks e de uns tantos outros, quão expostas já estão no
papel do petrodólar em fase de radiografia em negativo e decifragem.
Em África, até pelas amplas
razões de sobrevivência, os que têm consciência crítica e por isso traduzem a
lógica com sentido de vida nos seus múltiplos episódios, há todos os motivos
para a continuação da longa luta pela liberdade, pela paz, pela dignidade e em
busca do equilíbrio que tanto faz falta à humanidade e ao próprio planeta!
Os Índices de Desenvolvimento
Humano anualmente divulgados confirmam a necessidade dessa luta que passa pela
vocação de liberdade de toda a huanidade, pois a esmagadora maioria dos países
africanos ocupam a cauda, um atestado ao estado de subdesenvolvimento dos seus
povos em pleno século XXI…
Podem deter ou prender todos os
Assange do mundo, nem por isso conseguirão deter ou prender a ânsia de
liberdade!
Martinho Júnior. - Luanda, 13 de Abril de 2019
Imagem: Mensagem da pintura do haitiano
Albert Desmangles – Além do mais, a liberdade floresce arrancando a nua
transparência das entranhas duma concha, por mais hermética e petrificada que
ela esteja!
Sem comentários:
Enviar um comentário