Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
O "império dos
algarismos", hoje tão atraente e poderoso, assenta na ideia de que todas
as decisões se devem basear num mero cálculo de custos e benefícios baseado em
estimativas quantificadas de ganhos e perdas, e manifesta-se de formas muito diversas.
O Governo do Partido Socialista
(PS), quando teve de enfrentar as metas europeias do défice e da dívida para
fazer vingar os acordos à esquerda e o que neles havia de reposição do
rendimento e de direitos laborais e sociais, demonstrou que essa recuperação
favorecia o crescimento e tornava menos difícil equilibrar o Orçamento do
Estado. A partir do momento em que Portugal passou de "mau aluno" a
"bom aluno" e o ministro das Finanças português foi cooptado para
presidente do Eurogrupo, instalou-se de novo o império dos algarismos. Uma
decisão passou a ser boa ou má conforme os algarismos (os critérios do pacto de
estabilidade) o permitiam. Toda a discussão sobre a contagem do tempo de
trabalho dos professores decorreu sob o domínio do império orçamental dos algarismos
e foi inquinada por isso.
Entretanto, o rompante
demissionário de António Costa no fim da semana passada - aproveitando
oportunismos e descontrolo da direita - parece revelar que a prioridade é de
novo "PS, só, só PS" desimpedido de parceiros que exijam governação à
esquerda. O ato de António Costa e pronunciamentos de destacadas figuras do PS
vão nesse sentido; e adotam uma estratégia orçamental e eleitoral assentes no
cálculo do custo-benefício que tudo explica e justifica, acompanhada pela colocação
de uns cidadãos contra outros.
Os algarismos são "O"
argumento ou a arma que se aponta ao dissidente, nesta ocasião os professores.
Acontece que os algarismos tendem a ser muito traiçoeiros: quando massajados,
aconchegam-se aos desejos do massagista; quando torturados, confessam. Mário
Centeno chega ao ridículo de afirmar "eu não pago aos professores com os
impostos que os professores pagam", como se com o valor desses impostos,
que seguramente entram nos cofres do Estado, não pudesse cobrir tanto essas
como outras despesas.
Ao contrário do que afirmam o
Governo e muitos fazedores de opinião, os professores não estão à espera de ser
ressarcidos pelo que perderam durante o período da crise: como todos os outros
trabalhadores dos setores público e privado perderam parte dos seus salários,
vários subsídios de férias e de Natal, e cerca de 20 mil ficaram sem emprego.
Que preço vai o país pagar quando
não tiver professores qualificados para garantir a qualidade da formação das
futuras gerações? Em 2019, apenas 0,2% dos docentes têm menos de 30 anos de
idade. Doze dos 21 cursos de formação de professores tiveram este ano menos de
dez candidatos e os melhores alunos não querem seguir a via do ensino. Nos mais
velhos há exaustão e vontade de abandono.
Desde que Cavaco Silva jogou com
vários grupos profissionais, nomeadamente os professores, para obter uma
maioria absoluta, que se acumulam problemas com este importantíssimo setor
profissional e é evidente a necessidade de harmonizar e valorizar a sua
carreira. Durante quatro anos o Governo nada fez para encontrar soluções e
termina, desgraçadamente, a tratar os professores como grupo privilegiado e
gastador.
*Sociólogo
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