Em 1994, o massacre no Ruanda não
poupou vizinhos, nem mesmo famílias. Muitos hutus mataram os seus cônjuges e
até os seus filhos. Mas, 25 anos depois, há famílias que abriram as portas à
reconciliação.
Em abril de 1994, o genocídio do
Ruanda chocou o mundo. Extremistas hutus atacaram a minoria tutsi no país,
fazendo milhares de mortos. O massacre em grande escala não poupou vizinhos ou
mesmo famílias. Muitos hutus mataram os seus próprios cônjuges por não
partilharem a mesma etnia. Houve mesmo hutus que, sendo casados com mulheres
tutsis, mataram os seus próprios filhos por entenderem que estes tinham
características ou aparência de tutsis.
De 1994 para cá, a reconciliação
do país é um tema que marca a agenda do governo. Nas montanhas de Cyangugu, no
oeste do Ruanda, perto da fronteira com a República Democrática do Congo, a DW
foi ao encontro de algumas famílias que decidiram colocar o passado atrás das
costas e perdoar as atrocidades que ali se viveram há vinte e cinco anos atrás.
Thomas Ntanshutimwe é tutsi,
Laurence Niyonsaba é hutu.
Os dois decidiram passar por cima
das fronteiras étnicas e religiosas que os separavam e casaram em 2012, abrindo
portas a uma história de amor, da qual nasceram já cinco filhos.
À DW, Laurence recorda que a
cerimónia do seu casamento juntou hutus e tutsis. "Nós, como Cristãos,
temos uma forte ligação uns com os outros, ao ponto de podermos gostar ou amar
alguém mais do que os nossos irmãos verdadeiros, de sangue. Então, nós éramos
amigos e só depois concordámos em começar uma família", conta.
"Um novo Ruanda"
O marido de Laurence, Thomas,
sobreviveu ao genocídio. Foi poupado porque, como era catequista, ensinou
religião a muitos dos filhos dos assassinos. Talvez isso explique o porquê dele
acreditar que os ruandeses devem seguir em frente. "O que quer que tenha
acontecido já passou", diz Thomas Ntanshutimwe, que acrescenta: "As
pessoas que foram mortas não vão ressuscitar. Eu acredito que todos temos de
nos focar na nossa força interior. Uns, para pedir perdão, e os outros para que
aprendam a perdoar, para assim ser possível construir um novo Ruanda".
Não muito longe da casa da
família Ntanshutimwe, vivem duas outras famílias, uma hutu e outra tutsi, que
decidiram também abraçar a reconciliação, deixando para trás o passado, como
exigido pelo governo.
Pedir perdão
Nicholas Habiyaremye participou
no genocídio e matou o pai de Mariana Umuliisa. Continuam hoje a viver lado a
lado. "O Nicholas que veem aqui é o mesmo que matou o meu pai. Antes do
genocídio vivíamos juntos em harmonia. O meu pai fornecia até o leite para a
casa dele. Não tínhamos qualquer problema - mas durante o genocídio foi ele
quem foi buscar o meu pai a casa e o matou", conta Mariana à DW.
Mais tarde, Nicholas Habiyaremye
pagou pelos crimes que cometeu. Cumpriu 12 dos 15 anos de prisão a que foi condenado
pelos tribunais
de Gacaca, instituições criadas pela comunidade e que tinham como objetivo
julgar casos referentes ao genocídio. Nicholas pôde sair três anos mais cedo.
Mas, para isso teve, não só, de fazer serviço comunitário, mas também pedir
perdão a Mariana e à sua família. "Antes do genocídio eu era um cristão
dedicado. Mas quando começaram as mortes, eu e o meu cunhado juntámo-nos a um
gang de assassinos. Matámos o pai da Marianna e, mais tarde, fui preso. No
tempo em que estivemos na prisão, explicaram-nos que, se nos assumíssemos como
culpados, seríamos libertados. Eu escrevi à família da Marianna e ao governo a
pedir perdão", contou.
Isaac Mugabi, rl | Deutsche Welle
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