Ou se explicam ou reagem
Parece tranquilo supor que um
parecer da PGR ao STF possa ser submetido aos membros da força-tarefa da Lava
Jato para “revisão”, haja vista serem todos membros do Ministério Público? Não,
não é! É uma ilegalidade!
Tânia Maria de Oliveira* | GGN |
opinião
Enquanto o país aguardava mais um
capítulo da série “The Intercept Brasil – As Mensagens Secretas da Lava Jato”,
o Diário Oficial da União informou que o ex-juiz implicado nas denúncias estava
indo para os Estados Unidos, como Ministro da Justiça e Segurança Pública,
“fazer visitas técnicas a instituições”. E, claro, nós acreditamos no motivo.
Parece muito lógico e inquestionável que viaje para fora do Brasil, diante da
crise em que está envolvido, sobremaneira para os EUA, já que existem, desde
sempre, acusações e suspeitas do comprometimento de autoridades americanas na
Lava Jato, incluindo a NSA e a CIA, denunciadas por Edward Snowden de
espionagem internacional, por meio do mesmo jornalista responsável pelo The
Intercept, Glenn Greenwald. Sim, somos crédulos das “visitas técnicas a
instituições”, assim como acreditamos na versão do “não lembro se disse, mas se
disse não tem problema”.
Ironias à parte, a verdade é que,
a considerar a repercussão fora do Brasil, se a Polícia Federal tentar bancar a
tese de Sérgio Moro, seremos uma piada internacional.
Vejamos bem como é peculiar a
narrativa desenvolvida.
A segurança de um aplicativo
usado no mundo inteiro foi quebrada pela primeira vez na história. E um hacker o
fez para alterar conversas de um juiz com procuradores de uma operação de
investigação no Brasil, e criar diálogos “que não tem nada de mais”. Para
roubar descaradamente a metáfora do Gregório Duvivier, no seu programa
“GregNews”, seria como um ladrão roubar seu cartão de crédito e adulterar sua
senha, apenas para pagar suas contas. Parece piada? E é. Mas é sério.
Todo o conteúdo é muito grave.
Porém, duas coisas, no meu entender, se apresentam mais impactantes. Em
primeiro lugar a afirmação de que o parecer da PGR ao STF no caso da Reclamação
sobre os grampos ilegais envolvendo a Presidenta da República seria enviado à
Lava Jato, para “revisão”. Em segundo, a evidência que Moro e os coordenadores
da força-tarefa jogavam com o STF, escondiam ou revelavam informações, de
acordo com suas intenções.
“Deltan (15:37:55)
– Manifestação protocolada. Antes de protocolar, passou pelo ok da PGR.
Deltan (16:04:57) – Os
autos da reclamação do grampo estão indo para a PGR. Falei com pessoas de lá
para trazer a bola pro chão e pra razão. A decisão do Teori ontem foi absurda.
Na parte em que ele fala de responsabilização, foi teratológica. Qq decisão
judicial pode ser revista para o sentido oposto em recurso. Trata-se de questão
de entendimento jurídico no caso concreto. Acho provável que eles coloquem
algo nesse sentido no parecer, que passará pela nossa revisão.” (grifei)
“Moro (13:06:32) – Coloquei
sigilo 4 no processo, embora já tenha sido publicizado. Tremenda bola nas
costas da PF. Não vejo alternativa senão remeter o processo do Santana ao STF”.
Parece tranquilo supor que um
parecer da PGR ao STF possa ser submetido aos membros da força-tarefa da Lava
Jato para “revisão”, haja vista serem todos membros do Ministério Público? Não,
não é! É uma ilegalidade! É preciso entender que o Ministério Público Federal
representado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba é PARTE no processo,
enquanto a PGR, quando oferece parecer ao STF em qualquer ação, atua como
“custos legis” (fiscal da lei), não podendo, por isso, ter qualquer
interferência das partes envolvidas.
De outro lado, a revelação de que
Moro escondia informações do STF é dramática. Ele afirma que só enviou alguns
processos ao STF quando – por uma “bola nas costas da PF” – vieram a público.
O que nos dizem as duas
instituições – STF e PGR – a respeito? Permanecerão “aguardando averiguações”?
Que, a propósito, seriam quais, já que nenhuma teve a iniciativa de ambos os
órgãos? As que Moro pediu para a PF abrir para investigar “ataque hacker”?
A Procuradoria-Geral da República
recebeu, desde o primeiro momento das divulgações, representações solicitando a
investigação sobre o conteúdo dos diálogos. Até o momento a única manifestação
da Procuradora-Geral Raquel Dodge, no entanto, ocorreu nos autos do HC
apresentado pela defesa do ex-presidente Lula no STF, afirmando que “não é
possível atestar a veracidade de conversas que teriam sido realizadas entre
Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol”. O que, a propósito, foi muito
estranho, já que o HC foi ajuizado em dezembro de 2018, não tendo, portanto,
como objeto as revelações do The Intercept Brasil. Nenhuma resposta ou posição
sobre as representações.
O STF não pode se calar diante da
obviedade, corroborada com os fatos que se sucedem aos diálogos, de que Sérgio
Moro ocultava criminosamente informações ao relator naquela Corte, ministro
Teori Zavascki.
Não se pode descuidar de que as
violações cometidas redundaram na prisão de pessoas. A liberdade é um bem maior
que qualquer outro levado em consideração para relativizar os conteúdos que ora
vêm a público. É preciso que se esclareça se as leis do nosso país ainda
governam os homens ou há, de fato, homens do Estado acima das leis, que as
manipulam e as governam. Nesse ponto, o silêncio dos dois órgãos pode ser
ensurdecedor.
*Tânia Maria de Oliveira – da
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
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