Lava Jato fingiu investigar FHC
apenas para criar percepção pública de ‘imparcialidade’, mas Moro repreendeu:
‘Melindra alguém cujo apoio é importante’
The Intercept Brasil (sob forma
de newsletter) - Terça-feira, 18 de junho de 2019
Um trecho do chat privado entre
Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol revela que o ex-juiz discordou de
investigações sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na Lava Jato
porque, nas palavras dele, não queria “melindrar alguém cujo apoio é importante”.
O diálogo ocorreu em 13 de abril de 2017, um dia depois do Jornal Nacional ter veiculado uma reportagem a respeito de
suspeitas contra o tucano.
Naquele dia, Moro chamou Deltan
Dallagnol em um chat privado no Telegram para falar sobre o assunto. O juiz dos
processos da Lava Jato em Curitiba queria saber se as suspeitas contra o
ex-presidente eram “sérias”. O procurador respondeu acreditar que a
força-tarefa – por meio de seu braço em Brasília – propositalmente não
considerou a prescrição do caso de FHC e o enviou ao Ministério Público Federal
de São Paulo, segundo ele, “talvez para [o MPF] passar recado de imparcialidade”.
À época, a Lava Jato vinha
sofrendo uma série de ataques, sobretudo de petistas e outros grupos de
esquerda, que a acusavam de ser seletiva e de poupar políticos do PSDB. As
discussões haviam sido inflamadas meses antes, quando o então juiz Moro aparecera
sorrindo em um evento público ao lado de Aécio Neves e Michel Temer, apesar das
acusações pendentes de corrupção contra ambos.
Moro – 09:07:39 – Tem alguma
coisa mesmo seria do FHC? O que vi na TV pareceu muito fraco?
Moro – 09:08:18 – Caixa 2 de 96?
Dallagnol – 10:50:42 – Em pp sim, o que tem é mto fraco
Moro – 11:35:19 – Não estaria mais do que prescrito?
Dallagnol – 13:26:42 – Foi enviado pra SP sem se analisar prescrição
Dallagnol – 13:27:27 – Suponho que de propósito. Talvez para passar recado de imparcialidade
Moro – 13:52:51 – Ah, não sei. Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante
FHC foi citado na Lava Jato pelo
menos nove vezes (1, 2, 3, 4 e 5, 6, 7, 8 e 9). Caso fossem investigados e comprovados, nem todos os
possíveis crimes cometidos pelo ex-presidente estariam prescritos.
Naquele dia, antes de responder a Moro, Dallagnol encaminhou a dúvida do juiz para um chat em grupo chamado Conexão Bsb-CWB, no qual estavam procuradores das duas cidades. Foi de Brasília, onde o caso tramitava, que ele recebeu a resposta de que a documentação foi encaminhada a São Paulo sem a análise sobre a prescrição.
Naquele dia, antes de responder a Moro, Dallagnol encaminhou a dúvida do juiz para um chat em grupo chamado Conexão Bsb-CWB, no qual estavam procuradores das duas cidades. Foi de Brasília, onde o caso tramitava, que ele recebeu a resposta de que a documentação foi encaminhada a São Paulo sem a análise sobre a prescrição.
Dallagnol – 11:42:54 – Caros o
fato do FHC é só caixa 2 de 96? Não tá prescrito? Teve inquérito? Sérgio Bruno
Cabral Fernandes – 11:51:25 – Mandado pra SP
Sérgio Bruno Cabral Fernandes –11:51:44 – Não analisamos prescrição
Dallagnol – 13:26:11 – (emojis)
A acusação que Dallagnol
classificou como "recado de imparcialidade" já era de conhecimento
interno do Ministério Público desde o final de 2016, graças à delação de Emílio Odebrecht, que afirmou que deu "ajuda de campanha" a FHC
para as eleições vitoriosas de 1994 e 1998. “Ajuda de campanha eu sempre dei a
todos eles. E a ele também dei. E com certeza teve a ajuda de caixa oficial e
não oficial", afirmou o empresário, falando sobre caixa dois. "[E]u dava
e dizia que era para atender mesmo. Então vai fulano de tal lhe procurar, como
eu dizia também para Marcelo, e eles então operacionalizavam. Ele me pediu.
Todos eles.” O valor dos pagamentos não foi divulgado.
O depoimento permaneceu em
segredo de justiça até abril de 2017, quando foi enviado para ser investigado pela Procuradoria da República de São
Paulo e virou notícia. Mas já nasceu morto: os fatos estavam prescritos, e a
investigação não poderia terminar em uma denúncia formal. Foi arquivada pela Justiça três meses depois.
Essas revelações sugerem mais uma
vez a parcialidade na Lava Jato, que tanto Moro quanto a força-tarefa negam
veementemente. Na nota oficial divulgada pela força-tarefa em resposta à
primeira série de reportagens do Intercept no último domingo, por
exemplo, eles insistiram que seu trabalho sempre foi movido pela
“imparcialidade da atuação da Justiça”. Em entrevista ao Estadão na semana
passada, o ministro Moro disse que não via "[n]enhum viés político nas
mensagens que me foram atribuídas."
Mas, aqui, Moro estava
explicitamente preocupado com investigações da Lava Jato contra um apoiador
político de seu trabalho. E Dallagnol admitiu acreditar que outros procuradores
da força-tarefa passaram adiante uma investigação que sabidamente não
resultaria em processo, a fim de fabricar uma falsa percepção pública de
"imparcialidade", sem, no entanto, colocar FHC em risco.
As conversas agora reveladas
fazem parte de um lote de arquivos secretosenviados ao Intercept por uma
fonte anônima (leia nosso editorial e entenda). Os arquivos publicados até
agora mostram, entre outras coisas, que a Lava Jato sempre teve muita
preocupação com sua imagem pública, e seguia conselhos informais do então juiz
Moro, o que é ilegal.
'Porra bomba isso'
Para os procuradores, era importante incluir o PSDB no rol de investigados para acalmar o ânimo dos críticos. Eles já falavam sobre isso muito antes de Moro alertar Dallagnol sobre evitar “melindrar” FHC.
Em uma conversa no dia 17 de
novembro de 2015, o procurador Roberson Pozzobon mandou uma sugestão em um
grupo do Telegram chamado FT MPF Curitiba 2: investigar, num mesmo
procedimento, pagamentos da Odebrecht aos institutos de Lula e FHC. “Assim
ninguém poderia indevidamente criticar nossa atuação como se tivesse vies
partidário”, justificou Pozzobon. “A da LILS [empresa que agencia as palestras
de Lula] vocês já sabem os indícios para a investigação, mas vejam essa fratura
expostas da Fundação iFHC”, disse ao grupo. Nesse caso – diferentemente daquele
que virou notícia na imprensa sobre caixa 2 nos anos 1990 –, os pagamentos ao
iFHC aos quais Pozzobon se referia não estariam prescritos, caso fossem
propina.
Depois de comentar sobre o
instituto de FHC, Pozzobon postou duas imagens no grupo.
A primeira é uma troca de e-mails
de 2014 entre a secretária de FHC e dois interlocutores: um representante da
Associação Petroquímica e Química da Argentina, a Apla, identificado como Manuel Diaz, e um empresário do
ramo cultural, Pedro Longhi. A secretária fala para verificarem com a Braskem –
empresa do ramo petroquímico controlada pela Odebrecht – qual a "melhor
maneira para [a empresa] fazer a doação [para o iFHC]".
A secretária dá duas opções para
o que ela chama de "doação". Uma delas seria fazer uma doação direta,
ou seja, depositar dinheiro na conta bancária do instituto. A outra seria a
contratação de um serviço não especificado. “Não podemos citar que a prestação
de serviço será uma palestra do presidente”, afirmou. Manuel respondeu que
poderia fazer ser doação direta. Poucos dias depois, Helena Gasparian, então
assessora de FHC, enviou outro e-mail à Braskem dizendo que o ex-presidente não
iria comparecer ao evento.
A segunda imagem encaminhada por
Pozzobon era de um laudo da Polícia Federal daquele mesmo ano, que mostrava
que a Odebrecht havia feito pagamentos mensais que somaram R$ 975 mil ao iFHC
entre dezembro de 2011 e de 2012.
Os policiais federais que fizeram
o relatório explicaram que não foram atrás desses pagamentos ao iFHC porque os
dados da Braskem não foram colocados à disposição deles. Mas ressaltaram:
"É possível que outros pagamentos tenham sido feitos e não tenham sido
encontrados" por causa das limitações dos dados ou caso tenham sido feitos
por "meio de triangulação entre Grupo Odebrecht, o contratante do serviço
(exemplo do evento APLA) e o Instituto Fernando Henrique Cardoso".
Após enviar as imagens, Pozzobon
sugeriu ao grupo aprofundar a investigação sobre as doações. Ao contrário da
investigação referente aos recursos recebidos nos anos 90, esses fatos, se
investigados, não estariam prescritos e poderiam apontar caixa 2 em campanhas
do PSDB. Os procuradores reagiram com empolgação:
Paulo Galvão – 20:35:08
– porra bomba isso
Roberson – 20:35:20 – MPF Pois é!!!
Roberson – 20:35:39 – O que acha da ideia do PIC?
Roberson – 20:35:47 – Vai ser massa!
Paulo Galvão – 20:35:51 – Acho excelente sim Robinho.
Roberson – 20:36:47 – Legal! Se os demais tb estiverem de acordo, faço a portaria amanha cedo
Roberson – 20:38:08 – Acho que vale até uma BA na Secretaria da iFHC que mandou o email. Ela é secretária da Presidencia!
Laura Tessler – 20:38:36 – Sensacional esse email!!!!
Roberson – 20:38:48 – Mais, talvez pudessemos cumprir BA nos três concomitantemente: LILS, Instituto Lula e iFHC
A euforia durou pouco, e os
procuradores começaram a ponderar que o caso teria chance de ser enquadrado
apenas como crime tributário – e que os argumentos de defesa de FHC poderiam
também ser usados por Lula. O argumento: Lula também poderia alegar que os
pagamentos feitos ao Instituto Lula e à LILS, sua empresa de palestras, não
escondiam propinas ou caixa dois.
Diogo – 21:44:28 – Mas será
q não será argumento pra defesa da lils dizendo q eh a prova q não era
corrupção?
Welter – 21:51:24 – 149967.ogg
Roberson – 22:07:24 – Pensei nisso tb. Temos que ter um bom indício de corrupção do fhc/psdb antes
Dallagnol – 22:14:24 – Claro
Dallagnol – 22:18:00 – Será pior fazer PIC, BA e depois denunciar só PT por não haver prova. Doação sem vinculação a contrato, para influência futura, é aquilo em Que consiste TODA doação eleitoral
Quase um ano e meio depois dessa
conversa, o fim do sigilo da delação de Marcelo Odebrecht, filho de Emílio, mostraria que o esquema de remessa de dinheiro aos
institutos de FHC e de Lula tinha um modus operandi semelhante. A Fundação FHC
– ex iFHC – disse ao Intercept que os valores recebidos foram regularmente
contabilizados e que "não tem conhecimento de qualquer investigação ou
denúncia do MPF tendo por base as doações feitas pela Odebrecht".
'Dará mais argumentos pela
imparcialidade'
No ano seguinte às conversas do procuradores, em 2016, FHC ainda apareceria em outras três delações (1, 2, 3). Em uma delas, ele apareceu na boca do operador ligado ao MDB Fernando Baiano, por causa do suposto beneficiamento da empresa de um filho do ex-presidente, Paulo Henrique Cardoso, em contratos com a petroleira. Em junho, o caso do filho de FHC foi mencionado no chat FT MPF Curitiba
Dallagnol – 09:54:59
– Viram do filho do FHC?
Dallagnol – 09:56:20 – Creio que vale apurar com o argumento de que pode ter
recebido benefícios mais recentemente, inclusive com outros contratos ... Dará
mais argumentos pela imparcialidade... Esses termos já chegaram, Paulo? Esse já
tem grupo?
Paulo Galvão – 10:00:38 – Chegaram vários do Cervero, mas não sei se esse especificamente desceu
Paulo Galvão – 10:00:59 – Nos temos de qq forma todos os depoimentos na pasta
Dallagnol – 10:24:20 – Algum grupo se voluntaria? Eu acho o caso bacanissimo, pelo valor histórico. E recebendo naquela época pode ter lavagem mais recente pela conversão de ativos ou outro método como compra subfaturada de imóvel o que é mto comum.... Seria algo para analisar
Paulo Galvão – 10:26:33 – Deixa ver antes se desceu. Pode ter sido mandado p outro lugar, como os que foram p o rio (e isso é um dos temas q eu quero tratar na reunião)
Três dias depois, no mesmo grupo,
o assunto voltou a ser discutido.
Paulo Galvão – 11:42:39 –
Mas vejo que, sobre o filho do FHC, é um termo que ficou no STF por conta do
Delcídio e teria vindo para cá por cópia. É o mesmo termo que trata da GE,
lembrando que a GE protocolou petição querendo colaborar e está fazendo
investigação interna
Dallagnol – 12:04:38 – se veio pra cá, é nosso
Dallagnol – 12:04:40 – se veio pra cá com cópia, é nosso
Dallagnol – 12:04:46 – se pensaram em mandar pra cá, é nosso tb
Nós perguntamos ao Ministério
Público Federal do Paraná, sede da força-tarefa da Lava Jato, quais são os
ex-presidentes investigados e em que fase está cada um dos procedimentos.
Também questionamos quais fatos envolvendo os ex-presidentes foram mandados
para outros órgãos. Eles não responderam aos questionamentos e se limitaram a
enviar as notas já divulgadas pela instituição, que dizem que não há
ilegalidade nas trocas de mensagens reveladas pelo Intercept.
Em uma conversa com os
procuradores Paulo Galvão e Carlos Fernando Santos Lima, em 20 de maio do ano
passado, no entanto, Deltan Dallagnol relembrou quais foram os ex-presidentes
investigados pela operação. Dilma Rousseff e FHC são os únicos que ficam de
fora:
Dallagnol – 01:46:42
– CF, só tem 2 (ex) presidentes presos: Lula e Humala no peru
Dallagnol – 01:48:12 – Opa o Jorge Glas no equador tb
Dallagnol – 01:48:38 – No BR, vou considerar como investigados Temer, Collor, Sarey e Lula
Dallagnol – 01:49:07 – (excluindo Dilma e FHC - não lembro de investigações sobre eles fora o que tá bem sigiloso da dilma, sem conclusão)
Antes da publicação desta
reportagem, o Intercept procurou as assessorias do ministro Sergio Moro, do MPF
no Paraná e em São Paulo, da Procuradoria Geral da República e da Fundação
Fernando Henrique Cardoso, antigo iFHC.
A PGR disse que não vai se
manifestar.
A assessoria de Moro respondeu
que ele "não comenta supostas mensagens de autoridades públicas colhidas
por meio de invasão criminosa, que podem ter sido adulteradas e editadas e que
sequer foram encaminhadas previamente para análise. Cabe esclarecer que o caso
supostamente envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nunca passou
pelas mãos do Ministro, então juiz da 13 Vara Federal de Curitiba, sendo
encaminhado diretamente pelo Supremo Tribunal Federal a outros fóruns de
justiça. Então, nenhuma interferência do então juiz seria sequer possível e
nenhuma foi de fato feita".
Já o MPF do Paraná, em um segundo
contato, afirmou que "a divulgação de supostos diálogos obtidos por meio
absolutamente ilícito, agravada por um contexto de sequestro de contas
virtuais, torna impossível aferir se houve edições, alterações, acréscimos ou
supressões no material alegadamente obtido.” Para o MPF, os diálogos inteiros
podem ter sido “forjados pelo hacker”. Eles disseram também que “um hackeamento
ilegal traz consigo dúvidas inafastáveis quanto à sua autenticidade, o que
inevitavelmente também dará azo à divulgação de fake news”, dizendo que há uma
“uma agenda político-partidária” nas reportagens.
O Intercept reafirma
que as reportagens da série são publicadas assim que produzidas, editadas e
checadas dentro de princípios editoriais rigorosos, e que o material é autêntico.
Na época em que foi citado na
delação de Emílio Odebrecht, Fernando Henrique Cardoso disse que não tinha "nada a temer" e
defendeu a operação Lava Jato. "O Brasil precisa de transparência. A Lava
Jato está colaborando no sentido de colocar as cartas na mesa", afirmou.
Ao Intercept, o ex-presidente disse, por meio de sua assessoria, que não teve
conhecimento de nenhum inquérito ou denúncia relacionados à delação de Cerveró. Também afirmou desconhecer as menções sobre seu filho e a compra de votos nas
eleições – por isso, "não sabe se teriam resultado em investigação ou
denúncia". A única confirmada pelo ex-presidente foi a investigação que
terminou arquivada.
Após a divulgação da primeira
leva de reportagens sobre as mensagens secretas da Lava Jato, FHC fez uma defesa pública de Moro: “O vazamento de
mensagens entre juiz e promotor da Lava-Jato mais parece tempestade em copo
d’água. A menos que haja novos vazamentos mais comprometedores...”, disse.
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