Durante as primeiras horas do fim
de semana passado, a maior parte dos analistas políticos e os próprios atores
da cena política pareciam bastante preocupados em decifrar o “modus operandi”
do governo Bolsonaro.
Paulo Kliass*, Berlim | Correio do Brasil | opinião
Afinal, não era prá menos! Ao
longo de poucos dias, o capitão havia exonerado 3 generais que ele mesmo tinha
nomeado para cargos estratégicos no primeiro escalão da Esplanada.
Foram afastados o Ministro da
Secretaria de Governo General Carlos Alberto dos Santos Cruz, o Presidente da
FUNAI General Franklimberg Freitas e o Presidente da Empresa de Correios
General Juarez de Paula Cunha. Para cada ato de demissão foram apresentados
argumentos relativos a algum tipo de incompatibilidade com a orientação geral
emanada do Palácio do Planalto.
Santos Cruz não estaria disposto
a atender às demandas do círculo mais próximo aos filhos de Bolsonaro e do
autoproclamado guru Olavo de Carvalho. No caso da FUNAI, o problema estaria na
pressão dos ruralistas, que não confiavam na disposição do general em atender
às suas demandas nas disputas com as nações indígenas. O general Juarez teria
sido demitido da ECT por suas declarações públicas contrárias à privatização da
empresa pertencente à União.
No entanto, o que pouca gente
imaginava é que o chefe do governo iria ampliar ainda mais o grau de
descontentamento com relação ao seu modo de organizar a tropa e operar
mudanças. Pois no sábado pela manhã, em um conversa rápida com jornalistas, ele
praticamente demitiu o Presidente do BNDES, por meio de um recado ríspido
direcionado a Joaquim Levy. A surpresa vem daqueles que avaliam as dificuldades
enfrentadas pelo governo e da necessidade de ampliar o seu suporte político no
seio dos representantes do sistema financeiro.
Tirar Levy para extinguir o BNDES
Mas não foi assim, não. Não teve
muita conversa. Bolsonaro foi duro e direto, passando por cima da hierarquia,
uma vez que Levy havia sido sugerido para o cargo por Paulo Guedes, seu
superior na própria estrutura do Ministério da Economia. A desculpa esfarrapada
para tal ato foi a nomeação por Levy de um ex-assessor da presidência do banco
ainda na gestão do PT. Outros lembram ainda as dificuldades encontradas para
abrir a tal da “caixa preta” dos empréstimos do banco, com a intenção explícita
de promover uma devassa persecutória nas gestões anteriores.
Ora, essas razões não se
sustentam de pé. O próprio Joaquim Levy, apesar de seu perfil conservador, é um
oriundo das administrações petistas. Foi aproveitado lá trás ainda por Palocci,
em 2003, que nomeou o antigo colaborador das gestões tucanas para o estratégico
cargo da Secretaria do Tesouro Nacional. Antes de Levy ser nomeado por Dilma
para o Ministério da Fazenda no estelionato eleitoral de 2015, o economista
havia também ocupado cargos no FMI e no Banco Mundial representando o governo
brasileiro. Nessas condições, fica difícil atribuir à nomeação de um assessor a
razão para sua demissão.
Lembremos que Levy tem uma
passagem muito fácil no interior do financismo, em razão da extensa ficha de
bons serviços prestados à nata da elite. Essa identidade de interesses deu-se
nos momentos em que o ocupante de cargos públicos formulava políticas
governamentais que agradavam plenamente aos desejos da banca. Ou então em
períodos que o próprio Levy atuava como dirigente do capital privado. Aliás,
foi na condição de indicado pelo Bradesco que ele chegou ao Ministério no
segundo mandato de Dilma.
Assim, imagina-se que demitir
Levy é comprar dificuldades, ao menos momentâneas, com o povo da finança. Por
que haveria Bolsonaro avançado esse sinal, em momento tão crucial para o avanço
da proposta da Reforma da Previdência no interior da Câmara dos Deputados? É
bem provável que o enredo teatral todo tenha sido articulado com o próprio
Paulo Guedes, que também passou a apresentar nos últimos tempos algum
desconforto com Levy no comando do BNDES.
BNDES atuante incomoda a banca
privada
Uma das dificuldades refere-se à
exigência de que ele promovesse a devolução para os cofres do Tesouro Nacional
de valores próximos a R$ 130 bilhões. Essa é a soma que o governo federal havia
transferido ao banco, para que o mesmo pudesse desenvolver suas atividades de
financiamento do desenvolvimento e de empréstimos de longo prazo a juros
subsidiados. Assim, não faz sentido essa devolução que impacta de forma perigosa
e negativa o patrimônio do BNDES.
A bem da verdade, essa estratégia
não faz “sentido” para aqueles que consideramos essencial que o Estado
brasileiro conte com uma agência robusta para dar conta das tarefas de fomento
do desenvolvimento. O problema é que Paulo Guedes tem uma visão totalmente
oposta. Para o monetarista conservador, que nunca havia ocupado um cargo
público até então, a principal tarefa é aquela associada à demolição. Ele não
se cansa de deixar isso clara quando fala em privatizar todas as empresas
estatais ou quando remete ao projeto de eliminação do modelo de previdência
social pública.
Ocorre que pouca gente atentou
para uma declaração sua a respeito do próprio BNDES. Não nos esqueçamos jamais
de que Guedes é oriundo do sistema financeiro, onde passou boa parte de sua
vida profissional. Assim, além do viés “natural” do rentismo parasitário, ele
vê nos bancos públicos um enorme obstáculo à ampliação dos negócios e das
margens de lucro do capital financeiro privado. A presença de instituições como
Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia ou Banco do
Nordeste dificultam a ação dos bancos privados. Para essa gente, não basta
colocar na administração dessas empresas gestores que raciocinam com a cabeça
do banco privado. Não! É precisa transformá-las de forma mais efetiva, por meio
da privatização.
No entanto, há uma instituição
meio “diferentona” nesse meio. O BNDES não pode ser privatizado. Não há
interesse para tanto. O sonho de consumo da banca privada é ficar com a gestão
dos enormes fundos públicos operados pelo banco. E Paulo Guedes não esconde sua
verdadeira intenção. Em março a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou um
evento chamado “A nova economia liberal”. Foi o espaço para que os principais
responsáveis pela área econômica transmitissem a opinião do superministro a
respeito de temas essenciais.
Coube a Roberto Castello Branco,
nomeado para a Petrobrás, oferecer as pistas para o futuro de algumas dessas
instituições públicas:
(…) “Como liberais, somos
contrários a empresas estatais. Com exceção do Banco Central, bancos públicos
deveriam ser privatizados e o BNDES extinto. A Petrobras também deveria ser
privatizada”. (…) (gn)
O executivo financeiro no comando
da maior empresa pública brasileira não poderia ser mais claro. A proposta é
eliminar o BNDES. E para tanto é necessário ter em seu comando alguém que seja
mais do que um financista respeitado como Levy. É preciso ter ali um comparsa
para o crime de lesa pátria que se pretende levar a cabo. Afinal, um BNDES
atuante incomoda o sistema bancário privado. E isso ocorreu em passado recente,
com um maior protagonismo do banco na concessão de crédito.
O quadro abaixo exibe os
desembolsos anuais efetuados pelo banco em seus empréstimos e financiamentos.
BNDES: Desembolsos anuais em R$
bilhões
A escalada do volume de recursos
alocados tem início no governo Lula, saindo de R$ 34 bilhões em 2003 para
atingir R$ 168 bi em 2010. A
partir de 2015, justamente com o austericídio iniciado por Levy, os montantes
anuais começam a baixar de forma abrupta. Afinal, a intenção última e declarada
é mesmo que o BNDES seja extinto.
Essa estratégia de liquidação do
banco ganha um novo impulso na forma do Substitutivo do Relator da PEC 06 na
Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Pois ali, o deputado tucano de São
Paulo, Samuel Moreira, introduz um perigoso jabuti completamente estranho à
matéria previdenciária. Ele retira do art. 239 da Constituição federal a
destinação ao BNDES de 40% do montante arrecadado pelo PIS e PASEP. Em nome de
uma suposta ajuda demagógica ao Regime Geral da Previdência Social, o dispositivo
elimina a fonte dos recursos a serem financiados pelo banco público. Em outras
palavras, está li assinada sentença de morte da instituição criada por Getúlio
Vargas em 1952.
A sociedade brasileira precisa se
mobilizar de forma ampla e urgente para evitar mais essa intenção demolidora.
Afinal, não existe caminho possível para o desenvolvimento social e econômico
de nosso País sem que o setor público ofereça recursos para o financiamento de
projetos delongo prazo. Essa é a missão precípua do BNDES.
*Paulo Kliass é doutor em
economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão
Governamental do governo federal.
As opiniões aqui expostas não
representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil
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