Que efeitos tem o empréstimo do Fundo Monetário Internacional na vida dos angolanos? Analista alerta para
"cocktail" de dificuldades, com austeridade e diminuição do poder de
compra, e aumento da insatisfação.
Há uma imagem a circular nas
redes sociais que retrata provavelmente o sentimento de vários angolanos em
relação a uma medida aprovada este ano pela Assembleia Nacional, a introdução
do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Em primeiro plano na imagem,
alguém mostra o dedo do meio a um cartaz, com fundo azul e letras brancas, onde
está escrito "O IVA veio para ficar".
A implementação do IVA é uma
medida solicitada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que acaba de
aprovar o pagamento da segunda
"tranche" do empréstimo
a Angola de 3,7 mil milhões de dólares.
Um dos objetivos com a introdução
do IVA (com uma taxa única de 14%) é aumentar as receitas públicas para
equilibrar as contas deficitárias do Estado. Mas a vida dos angolanos deverá
encarecer ainda mais. O Governo antecipa para este ano uma descida da taxa de
inflação. No entanto, o valor previsto no Orçamento Geral do Estado (15%)
continua a ser bastante alto. E o aumento dos preços não tem sido acompanhado
de uma subida dos salários, lembra o jornalista angolano Carlos Rosado de
Carvalho.
Em entrevista à DW África, Rosado
de Carvalho revela que, de 2014 até hoje, os angolanos perderam cerca de 43% do
poder de compra. Agora, o "cocktail" de dificuldades deverá aumentar
com a austeridade associada ao programa do FMI.
DW África: O financiamento do
Fundo Monetário Internacional (FMI) é razão para os angolanos ficarem
preocupados?
Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Acho
que os angolanos não deviam ficar preocupados, porque Angola teria que adotar
este tipo de medidas com ou sem o Fundo Monetário Internacional. Agora, há aqui
um problema: normalmente, este tipo de programas trazem alguma austeridade. São
programas que passam pela estabilização macroeconómica, um eufemismo para dizer
que é preciso cortar nas despesas e consolidar as finanças públicas. E,
normalmente, isto não são boas notícias para os angolanos. O Governo vai ter
que aumentar o preço dos combustíveis, já anunciou aumentos dos preços da
energia, já aumentou o preço da água. Portanto, esse tipo de medidas não é
propriamente agradável.
DW África: Há também a questão da
implementação do IVA, que foi adiada para outubro. O FMI está a pedir muito,
depressa demais?
CRC: De facto, não há
consenso sobre o "timing" da introdução. Acho que toda a gente está
mais ou menos de acordo sobre a necessidade de se introduzir o IVA para
substituir o Imposto de Consumo, que é um imposto um tanto ou quanto
desatualizado. Mas há, de facto, problemas quanto ao "timing".
Porque, se o IVA é um imposto mais moderno, também é muito exigente do ponto de
vista da organização da administração fiscal e da organização dos contribuintes
e das empresas.
Portanto, há aqui um entendimento
da parte das empresas, que não estão preparadas para a introdução do IVA. E a
sua posição encontrou eco junto do Presidente da República, que decidiu adiar a
introdução do IVA. A minha preferência é que seja introduzido em janeiro,
porque não faz muito sentido introduzir impostos a meio do ano ou no terceiro
trimestre.
DW África: Outras das medidas
previstas no âmbito desde acordo com o FMI tem a ver com a descida nos
subsídios dos combustíveis. Já referiu isso atrás. É de prever que as pessoas
se manifestem contra estas medidas?
CRC: Os angolanos têm sido
muito castigados nos últimos anos. O país teve três recessões consecutivas - em
2016, 2017 e 2018 - e eventualmente também para lá caminhamos em 2019. Houve um
aumento do desemprego… Eu acho que a maioria da população até nem está muito
preocupada com o aumento dos combustíveis propriamente dito - quer dizer, o
impacto direto não é muito grande. A população tem [sobretudo] receio que, com
a inflação já alta, os preços aumentem ainda mais. E a verdade é que os
salários não aumentaram.
Eu fiz umas contas com o salário
mínimo e concluí que, de 2014 até agora, os angolanos perderam à volta de 43%
do poder de compra. Portanto, é um instrumento muito violento, e esse tipo de
medidas impopulares pode eventualmente trazer manifestações. Não aconteceu no
passado, mas não sabemos… Depende… Agora, há também uma intenção, e essa é
também uma imposição do Fundo Monetário Internacional, de criar uma
"almofada" para as famílias mais vulneráveis, e está a ser criado um
programa de transferências diretas. Em princípio, 800 mil famílias vão receber
5.000 kwanzas [cerca de 13 euros] mensalmente, durante um ano. Portanto, há uma
preocupação de mitigar o efeito dos aumentos dos combustíveis, da energia e da
água. Mas [em geral] não são medidas agradáveis.
DW África: O Governo tem margem
de manobra nesta relação com o FMI?
CRC: O Governo não pode
fazer apenas o que o Fundo Monetário Internacional pede e esses programas
são revistos em termos de metas, porque têm de acompanhar a evolução da
economia. Mas não tenhamos ilusões: em última análise, prevalece a opinião do
Fundo Monetário Internacional. Se Angola não quiser, paga o que deve e abandona
o programa. Espero que não se chegue a este ponto, mas é mesmo assim. Agora,
acho que Angola devia fazer o que está a fazer, mais coisa ou menos coisa - com
ou sem o Fundo Monetário Internacional.
Guilherme Correia da Silva |
Deutsche Welle
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