A manutenção e gestão do palácio
presidencial e dos edifícios que fazem parte do seu complexo protocolar,
incluindo o Conselho de Ministros, estava a cargo de uma empresa privada de
gestores públicos, sendo que o contrato que valida este acordo foi assinado
pela secretária do departamento jurídico dessa empresa.
Por parte da Presidência da
República, assina o director-geral do Gabinete de Obras Especiais (GOE). A
questão aqui é: porque é que a Presidência da República aceitaria assinar um
contrato com uma empresa representada por uma simples secretária de departamento?
No palácio presidencial
encontra-se o coração do poder em Angola. Na época de José Eduardo dos Santos,
aí estava também o epicentro da corrupção no país.
A 1 de Julho de 2016, Sulema
Azaida Malua, secretária do departamento jurídico da empresa Riverstone Oaks
Corporation (ROC), assinou, em nome da SG Services – Lda., dois contratos
relativos à “Gestão Operacional e Manutenção Preventiva do Palácio Presidencial
e Áreas Protocolares”. Apesar de ambos os documentos terem a mesma designação,
o segundo contrato diz respeito aos reembolsos pelos gastos da empresa na
execução do primeiro contrato.
Para o primeiro contrato, a SG
Services recebia, anualmente, um valor que ascendia a 2,61 mil milhões de
kwanzas. O segundo contrato, referente aos reembolsos, tinha o valor anual de
3,3 mil milhões kwanzas.
No total, pela limpeza e
manutenção do palácio presidencial, a SG Services embolsava anualmente 5,6 mil
milhões de kwanzas. Ao câmbio oficial, em 2016, esse montante equivalia a 35
milhões de dólares anuais!
A presidência de João Lourenço
pôs termo a estes contratos a 16 de Maio de 2018, segundo fonte oficiosa.
Como já exposto pelo Maka Angola,
a ROC é uma empresa cujos beneficiários últimos são Manuel Vicente, Francisco
Maria de Lemos e Orlando Veloso. Ao tempo da criação da empresa, estes eram,
respectivamente, presidente do Conselho de Administração, administrador
financeiro, e director da Direcção de Engenharia (DENG).
Por sua vez, a SG Services é uma
subsidiária da Riverstone Oaks Corporation (ROC).
Insatisfeito com a pilhagem da
Sonangol, o triunvirato da ROC também fez do palácio presidencial seu local de
pasto, com o aval do então ocupante José Eduardo dos Santos.
Rui Verde, analista jurídico do
Maka Angola, salienta que o segundo contrato, referente aos reembolsos, “é
estranho”: “É igual ao anterior, tendo sido assinado no mesmo dia. O objecto é
semelhante. O texto é precisamente o mesmo, excepto em dois detalhes: a subida
de preço e a inclusão de uma cláusula epigrafada ‘Plano de Manutenção
Preventiva’.”
O objecto semelhante dos
contratos especifica a “Operação e Manutenção do Palácio Presidencial e Áreas Protocolares”,
designadamente limpeza, manutenção de cozinhas e lavandarias, desinfestação e
controlo de pragas, manutenção de espaços verdes, tratamento de águas e
manutenção das piscinas, manutenção de elevadores, AVAC, energia, sistemas de
detecção e extinção de incêndios, redes hidráulicas e sistemas de construção
civil.
As cláusulas subsequentes dos
documentos descrevem exaustivamente os locais, o âmbito e a natureza dos
trabalhos.
Sobre o plano de manutenção
preventiva, no contrato respeitante aos reembolsáveis, apenas se estabelece o
seguinte: “Após a assinatura do presente contrato, bem como liquidação da
primeira prestação, a contratada deverá proceder à elaboração do Plano de
Manutenção Preventiva em estreita colaboração com o contratante.”
Como explica Rui Verde, “esta
norma é inócua, não adianta absolutamente nada”.
“Face aos elementos disponíveis,
o que se pode deduzir é que estamos perante uma duplicação contratual para o
mesmo serviço, ou seja, a empresa está a ser paga duas vezes, pois tem dois
contratos em vigor sem quaisquer diferenças, excepto no preço e numa cláusula
irrelevante”, continua.
Portanto, e concluindo: “Ou os
anexos contratuais especificam serviços diferentes, o que é duvidoso, ou
estamos perante uma fraude.”
Por sua vez, um especialista em
finanças, sob anonimato, faz notar que “é nos reembolsáveis que está o gato”.
Porquê? Porque, “para além de ganhar um valor fixo mensal, a empresa tinha de
ser reembolsada pelas despesas que fazia. E aqui perde-se completamente o
controlo das despesas. É uma espécie de cheque em branco, através do qual se
processam as sobrefacturações.”
Segundo fontes do Maka Angola, a
empresa tinha “uma “margem líquida de 86 por cento, às compras por si
efectuadas para a execução dos serviços que lhe competiam no palácio”.
Conforme fontes deste portal, os
contratos ora mencionados resultaram de uma renegociação porque, “com a crise
[económica], o palácio solicitou uma redução do seu valor. A SG Services já
prestava serviços ao palácio com contratos muito mais elevados. Era pior”,
refere a fonte.
Outra vez o Hotel Talatona
A SG Services apresenta, de
resto, um antecedente nos esquemas de corrupção: quando foi criada, em 2012,
esta empresa foi logo prestar serviços à Dream’s Leisure (DL) para a limpeza e
manutenção do Hotel de Convenções de Talatona (HCTA).
Já anteriormente reportámos,
neste portal, a vigarice em que consiste o contrato entre o HCTA, unidade
hoteleira pertencente à Sonangol, e a DL, uma empresa pertencente a então
gestores da Sonangol. Trata-se de um contrato de gestão do hotel por um período
de 20 anos, com início em 2009.
Ora, a Dream’s Leisure foi criada
pela Riverstone Oaks Corporation, cujos sócios reais, como já vimos, são Manuel
Vicente, Francisco Maria de Lemos e Orlando Veloso. E também já vimos acima
quais eram os cargos públicos de todos eles na época.
No acto de constituição da DL, a
ROC foi representada por Norberto Couto Marcolino, sobrinho de Manuel Vicente e
seu testa-de-ferro como sócio da empresa, e também por Sandra Quengue Dias dos
Santos Joaquim, mulher de Orlando Veloso.
A 1 de Março de 2012, Norberto
Couto Marcolino e Sandra Quengue Dias dos Santos Joaquim, em representação da
DL, assinaram o contrato para a limpeza e manutenção do HCTA, celebrado com a
SG Services Lda., representada por Bruno Miguel Santos da Costa e Gabriel
Júlio. Quem são estes dois cavalheiros?
Bruno Costa é genro de Orlando
Veloso, um dos membros do triunvirato da ROC, casado com a sua filha Nayr
Costa, que, por sua vez, é também directora jurídica da ROC. Já Gabriel Júlio é
motorista particular da sogra de Orlando Veloso, tendo antes exercido as mesmas
funções na SG Services.
De acordo com este contrato, a SG
Services recebe mensalmente o equivalente a 195 mil dólares, com variáveis que
implicam um acréscimo de 20 por cento do total do valor deste contrato mensal.
Esse valor cobre a Gestão de
Operação e Manutenção do hotel, incluindo, no objecto do contrato, entre
outros, canalizações, AVAC, equipamentos eléctricos, redes de infra-estruturas,
limpeza e jardinagem. O contrato é renovável a cada cinco anos.
Do Hotel do Talatona ao palácio
presidencial, parece que nada escapa à sede de dinheiro dos mesmos corruptos de
sempre. Vale lembrar aqui o refrão do trovador português Zeca Afonso: “Eles
comem tudo e não deixam nada.”
Parece que até nas limpezas
algumas das figuras cimeiras da corrupção em Angola encontram terreno fértil
para a pilhagem. E não se contentam com pouco.
Rafael Marques de Morais / Maka
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