Martinho Júnior, Luanda
Como se colectivamente se
propiciasse rever, reavaliar e reinterpretar a “matéria dada”, a
substantiva densidade do pensamento e da obra intemporal de António Agostinho
Neto ganha na presente conjuntura a potencialidade criativa que parece até
renascer das cinzas da afirmação patriótica angolana…
01- No dia 21 de Junho de 2019,
na sala de entrada do Mausoléu António Agostinho Neto, a Fundação que ostenta o
honroso nome do Presidente Fundador do estado angolano, fez o lançamento da
memória fotográfica em livro (“da guerrilha aos primeiros anos da
independência”), da autoria da insigne progressista Augusta Conchiglia,
daqueles anos decisivos e heroicos do MPLA que abriram caminho à independência,
realizando o Programa Mínimo e aos primeiros anos de afirmação dessa
independência com a Presidência de António Agostinho Neto!
A memória regista em mais de 100
fotos inéditas os imprescindíveis que foram alguns desses heroicos
guerrilheiros e alguns dos fundadores da República Popular de Angola, numa
torrente humana que alimentou uma utopia consumada e está na base de ter-se
tornado possível no sentido dos angolanos assumirem por suas mãos seu próprio
destino, procurando encontrar um lugar justo e legítimo entre os povos de toda
a humanidade.
Alguns desses heróis da luta de
libertação ainda vivos estiveram presentes e, apesar de sua modéstia, transmitiram
outro vigor à memória, catalisando o ambiente.
Para além do álbum fotográfico
memória de Agostinho Neto e dos seus guerrilheiros, uma pequena parte
representativa e participativa da obra humana de Neto, da vanguarda do povo
angolano, esteve vitalmente presente, com muitos de seus telúricos “incómodos”…
02- O sentido histórico e humano,
mais que exaltado, deve-se tornar profunda cultura vivencial, geração após
geração, num ambiente que se abre à “batalha das ideias”…
O pensamento de Agostinho Neto,
redescobrimo-lo perante os imensos desafios e socorre-nos por que as opções
mais legítimas de futuro estão sobre a mesa, contrariando os impactos da
terapia neoliberal em curso.
Sabemos que para muitos dos
presentes, quantos deles antigos guerrilheiros do movimento de libertação em
África, não bastou a consumação do Programa Mínimo…
Quantas vezes terão eles
reflectido noutras projecções garantes de independência, de soberania, de
vitalidade participativa e democrática, por que de há muito as gerações
presentes estiveram no seu horizonte nutrido de justas utopias, sonhos e
aspirações?!
Seus olhares transparentes e
húmidos, transmitiram na sala essa capacidade eléctrica e electrizante de
encarar presente e futuro, como se seus rostos dessem humana expressão à
qualidade da memória fotográfica de Ausgusta Conchiglia, connosco por dentro…
Agostinho Neto foi um chefe
vanguardista, Comandante do Exército Popular de Libertação de Angola e mais
tarde Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Populares de Angola…
Ele fez tudo para conhecer o
quadro humano do MPLA e do estado angolano, por identificar-se com ele para
cultivar relacionamentos que dessem corpo ao portentoso rio da libertação do
continente do colonialismo, do “apartheid”, do neocolonialismo e de suas
múltiplas sequelas, uma lição de dignidade humana que, se outros
Comandantes-em-Chefe que se lhe sucederam não interpretarem e reinterpretarem a
contento, se arriscam a deixar perder o essencial de coerência patriótica de
que urge dar sequência!...
O pensamento “incómodo” de
Agostinho Neto e sua obra, ajudam-nos a definir o espaço humano que tanto tem a
ver com o patriotismo, quando o “mercenarismo de mercado” aplicado a
Angola nos tornaram seu dilecto pasto no dia-a-dia duma época indelevelmente
marcada pelo capitalismo financeiro transnacional angariador de “novas
elites” suas agenciadas, por si iludidas, por si alienadas, por si
formatadas e por si irremediavelmente instrumentalizadas!...
03- Eu próprio senti-o enquanto
prosseguia o programa da cerimónia, inaugurado com o cântico feminino de vozes
originárias da 2ª Região Política Militar interpretando motivos revolucionários
da época, vozes de antigas guerrilheiras do MPLA, que hoje são avós!...
Fui levado para as florestas do
Maiombe em noites de fogueiras dos guerrilheiros e isso ocorreu no ambiente
recriado da sala, prendendo-nos à cerimónia com aberta solenidade, com
transparência, com solidariedade, com uma afirmação digna de humanidade, como
se o pensamento de Agostinho Neto, com toda a sua leveza, se distendesse por
esse comunicativo rio…
A cada solavanco da memória
trespassada de emoções, fui-me questionando, balanceando recordações, a
vontade, a persistência e a minha própria coerência vital!
Afinal, se Angola de hoje tem
tanto a ver com o que nunca a seu tempo foi combinado, como estou eu a
responder não deixando de dar sequência lúcida aos “incómodos” ensinamentos
e à obra do movimento de libertação e de seu líder, imprescindível entre os
imprescindíveis?
O pensamento de Agostinho Neto
nessa tarde de 21 de Junho de 2019, incomodou-me entranhável, carregando as
baterias que dão energia à minha própria consciência crítica: o que há por
fazer é muito mais do que alguma vez se fez em prol do povo angolano,
particularmente ao longo do século XX e na primeira década do século XXI…
…Então, para todos os justos e
dignos “incomodados da terra”, uma coisa é certa, ainda que a vitória não
se vislumbra no curto tempo de nossa vida singular: a luta continua!
Martinho Júnior - Luanda, 28 de Junho de 2019
Fotografias do acontecimento:
01- O Mausoléu António Agostinho
Neto a 21de Junho de 2019;
02- Augusta Conchiglia e Maria
Eugénia Neto, no acto do lançamento do livro de memória fotográfica, de que é
autora a primeira;
03- Certificados de Mérito da
FAAN, entregues pela sua Presidente Maria Eugénia Neto, viúva do Presidente
António Agostinho Neto, a todos os prelectores e a uma guerrilheira, a Jovita,
pequena-grande guerrilheira, que na foto está ao lado do médico Mário de
Almeida, “Kassessa”).
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