Enfraquecidos diplomaticamente,
EUA apelam a sua supremacia financeira e naval para submeter países
“desobedientes”. Lista, pouco conhecida, inclui Irão, Venezuela e mais 18.
Ilegal, ação mata dezenas de milhares — mas é ineficaz
Medea Benjamin e Nicolas
J. S. Davies | Outras Palavras | Tradução: Simone Paz Hernández | Imagem: Butcher
Billy
Enquanto segue sem resposta o
mistério sobre quem foi responsável pela derrubada dos dois petroleiros no
Golfo de Oman, está claro que o governo Trump vem sabotando os carregamentos de
petróleo iraniano desde o dia 2 de maio, quando foi anunciada a sua intenção de “reduzir
a zero as exportações de petróleo do Irã, privando o regime de sua principal
fonte de renda”. O movimento teve como alvo a China, a Índia, o Japão, a
Coréia do Sul e a Turquia, todas nações compradoras de combustível iraniano,
que agora enfrentam as ameaças dos Estados Unidos, caso continuem a comprar. Os
militares estadunidenses podem não ter explodido fisicamente os navios que
carregavam petróleo iraniano, mas suas ações têm os mesmos efeitos e deveriam
ser consideradas atos de terrorismo económico.
O governo Trump está também
cometendo um assalto massivo ao petróleo, com a apreensão de $7 biliões de dólares de ativos de petróleo da Venezuela — impedindo que
o governo de Maduro tenha acesso ao seu próprio dinheiro. De acordo com John
Bolton, as sanções à Venezuela afetarão o equivalente a US$11
bilhões em exportações de petróleo em 2019. O governo Trump também
ameaça as companhias de navegação que transportem petróleo venezuelano. Duas
companhias, uma com base na Libéria e outra, na Grécia, já foram atacadas com
penalidades por transportarem combustível da Venezuela para Cuba. Sem furos em
seus navios, mas com sabotagem económica, no entanto.
Seja no Irão, na Venezuela, Cuba,
Coreia do Norte ou qualquer um dos 20
países sob o castigo das sanções norte americanas, o governo Trump
está utilizando seu peso económico para tentar pressionar mudanças de regime ou
mudanças políticas importantes em países do mundo todo.
Mortíferas
As sanções dos EUA contra o Irão são particularmente brutais. Assim como têm falhado completamente em avançar
nas metas de mudança de regime estadunidense, elas têm provocado tensões
crescentes com os parceiros comerciais dos EUA pelo mundo e submetem os
cidadãos comuns do Irão a uma dor terrível. Embora comida e medicamentos sejam
teoricamente isentos de sanções, as
sanções dos EUA contra os bancos iranianos, como o Parsian Bank, maior
banco privado do Irão, tornam quase impossível processar pagamentos de bens
importados, que incluem comida e medicamentos. A consequente escassez de
remédios no Irão, certamente, vai causar milhares de mortes que poderiam ser
evitadas — e as vítimas serão pessoas comuns, trabalhadores, não aiatolas ou
ministros do governo.
A mídia tradicional norte
americana tem sido cúmplice dos EUA apoiando o pretexto de que as sanções são
uma ferramenta não-violenta para gerar pressões em governos específicos, com o
intuito de forçá-los a uma espécie de mudança
democrática de regime. As reportagens americanas raramente mencionam
o impacto mortal que atinge pessoas comuns. Em vez disso, culpam os governos
alvo, exclusivamente, pelas consequentes crises económicas.
O impacto fatal das sanções é
claríssimo na Venezuela, onde as punições económicas já dizimaram uma economia
que vinha se recuperando das quedas no preço do petróleo, da sabotagem da
oposição, da corrupção e das más políticas governamentais. Um relatório anual
conjunto sobre a mortalidade na Venezuela em 2018, feito por três
universidades venezuelanas, concluiu que as sanções dos EUA foram as
grandes responsáveis por pelo menos 40 mil mortes adicionais naquele ano. A
Associação Farmacêutica da Venezuela reportou a falta de 85% dos medicamentos
substanciais e básicos em 2018.
Se não fosse pelas sanções
americanas, a recuperação global dos preços do petróleo em 2018 teria conduzido,
pelo menos, a uma pequena melhora da economia venezuelana e das importações de
comida e remédios. Em vez disso, as sanções financeiras estadunidenses
impediram a Venezuela de rolar suas dívidas e privou a indústria petroleira de
dinheiro para peças, reparações e novos investimentos, levando a uma queda
ainda mais dramática na produção de combustível do que nos anos anteriores — em
que o petróleo estava com preços baixos e havia depressão económica. A
indústria petroleira gera 95% dos ganhos da Venezuela no exterior, portanto, ao
estrangular essa indústria e ao proibir a Venezuela de pegar empréstimos
internacionais, as sanções aprisionaram o povo venezuelano numa espiral económica que não deixa de afundar — como era previsto e como era sua intenção.
Um estudo feito por Jeffrey Sachs
e Mark Weisbrot para o Centro de Pesquisa Económica e Política (Center
for Economic and Policy Research), intitulado “Sanções
como punição coletiva: o caso da Venezuela”, denunciou que o efeito
combinado das sanções americanas de 2017 e de 2019, levam a projetar uma
espantosa queda de 37,4% do PIB real da Venezuela em 2019, após uma queda de
16,7% em 2018 e de uma redução dos preços do petróleo em mais
de 60% entre 2012 e 2016.
Na Coreia do Norte, tantas décadas
de sanções, juntamente com extensos períodos de seca, deixaram milhões de
pessoas (dos 25 milhões de habitantes da nação) desnutridas
e miseráveis. As áreas rurais, especificamente, sofrem com escassez de
medicamentos e de água limpa. Penas ainda mais severas, impostas em 2018,
bloquearam a maior parte das exportações do país, reduzindo
a capacidade do governo de comprar comida importada e, assim, mitigar
a escassez.
Ilegais
Um dos elementos mais notáveis
das sanções norte americanas é seu alcance extraterritorial. Os EUA atacam os
negócios dos países do terceiro mundo com penalidades por “violarem” as suas
sanções. Quando os EUA abandonaram o acordo nuclear de forma unilateral e
impuseram as sanções, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos se
gabou de ter punido mais de 700 indivíduos, entidades, aeronaves e
embarcações fazendo negócios com o Irão, tudo isso num só dia: 5 de novembro de
2018. Referente à Venezuela, a agência Reuters relatou que,
em março de 2019, o Departamento de Estado “instruiu companhias de comércio de
petróleo e refinarias do mundo inteiro a cortar as negociações com a Venezuela
caso não quisessem ter que enfrentar as sanções por si sós, mesmo que essas
transações não fossem proibidas nas sanções publicadas pelos EUA”.
Uma fonte da indústria do
petróleo se queixou à Reuters: “É assim que os EUA operam hoje em dia.
Eles criaram as regras e ainda querem te chamar para explicar que também
existem regras não escritas que eles querem que você siga”.
Oficiais norte americanos dizem
que as sanções irão beneficiar as populações da Venezuela e do Irão,
pressionando-os a se rebelarem e derrubarem seus governos. Como o uso da força
militar, os golpes e as operações secretas para derrubar governos estrangeiros
têm se comprovado
catastróficos no Afeganistão, Iraque, Haiti, Somália, Honduras, Líbia,
Síria, Ucrânia e Iémene, a ideia de utilizar a posição política dominante dos
EUA e o dólar nos mercados financeiros internacionais como uma forma “delicada”
de poder para conseguir “mudanças de regime”, pode convencer os formuladores de
políticas de ser uma forma mais fácil de coerção para conquistar aliados
públicos dos EUA, apreensivos e cansados da guerra.
Mas passar do estilo de “choque e
pavor” dos bombardeios aéreos e das invasões militares para os assassinos
silenciosos das doenças preveníveis, subnutrição e pobreza extrema está longe
de ser uma opção humanitária, e não mais legítima do que o uso da força militar
sob o direito internacional humanitário.
Denis Halliday era um assistente
da Secretaria Geral da ONU, que serviu como Coordenador Humanitário no Iraque e
que renunciou à ONU em forma de protesto pelas sanções brutais que foram
impostas ao Iraque em 1998.
“Sanções abrangentes, quando
impostas pelo Conselho de Segurança da ONU ou por um Estado a um país soberano,
são uma forma de guerra, uma arma branca que pune cidadãos inocentes,
inevitavelmente”, afirma Denis Halliday. “Se elas são estendidas
deliberadamente, mesmo quando suas consequências fatais são conhecidas, sanções
podem ser consideradas genocídio. Quando a embaixadora estadunidense Madeleine
Albright declarou no programa “60 minutes”, da CBS, que matar 500 mil
crianças iraquianas para tentar derrubar Saddam Hussein “valia a pena”, a
continuidade das sanções da ONU contra o Iraque chegaram à definição de
genocídio”.
Atualmente, dois
relatores especiais da ONU, indicados pelo Conselho de Direitos Humanos,
são autoridades sérias e independentes que denunciam o impacto e a ilegalidade
das sanções norte americanas sobre a Venezuela, e suas conclusões gerais se
aplicam igualmente sobre o caso do Irão. Alfred de Zayas visitou a Venezuela em
2017, logo após a imposição das sanções financeiras por parte dos EUA, e
redigiu um extenso relatório sobre o que encontrou por lá. Ele notou impactos
significativos, dada a dependência de longo-prazo da Venezuela no petróleo, a
má governança e a corrupção, mas ele também condenou fortemente as sanções dos
EUA e a “guerra económica”.
“Os bloqueios e sanções económicas dos tempos modernos são comparáveis aos cercos nas cidades
medievais”, escreveu De Zayas. “As punições do século XXI pretendem não só
deixar de joelhos uma cidade, mas países soberanos”. O relatório de De Zayas
recomenda que a Corte Internacional de Crimes investigue as sanções dos EUA
contra a Venezuela como um crime contra a humanidade.
Um segundo relator especial da
ONU, Idriss Jazairy, publicou uma declaração contundente em
resposta à falida tentativa de golpe na Venezuela, apoiado pelos EUA em
janeiro. Ele condena a “coerção” por poderes externos como uma “violação de
todas as normas do direito internacional”. “Sanções que desencadeiam fome
extrema e falta de medicamentos não são a resposta para a crise da Venezuela”,
afirmou Jazairy, “…precipitar uma crise económica e humanitária… não é o
fundamento para a solução pacífica de disputas”.
As sanções também descumprem o
Artigo 19 da Carta
de Organização dos Estados Americanos(OAS Charter), o qual proíbe
explicitamente intervenções “por qualquer motivo, nos assuntos internos ou
externos que qualquer outro Estado”. Ele acrescenta que “proíbe não só as
forças armadas, mas também qualquer outra forma de interferência ou tentativa
de ameaça contra a personalidade do Estado ou contra seus elementos políticos, económicos e culturais”.
O Artigo 20 da Carta é igualmente
pertinente: “Nenhum Estado deve usar ou encorajar o uso de medidas coercivas de caráter económico ou político para pressionar a vontade soberana de outro
Estado e, disso, obter vantagens de qualquer tipo”.
Nos termos do direito norte
americano, tanto as sanções de 2017 como as de 2019 na Venezuela se basearam em
declarações presidenciais sem fundamento de que a situação lá havia criado uma
suposta “emergência nacional” nos EUA. Se as cortes federais norte americanas
não tivessem tanto medo de segurar o poder executivo em questões de política
externa, tudo isto poderia ser desafiado e muito provavelmente descartado por
uma corte federal inclusive mais rápida e facilmente do que o caso de uma “emergência
nacional” na fronteira mexicana, que, pelo menos geograficamente, está
conectada aos EUA.
Ineficazes
Tem mais uma razão crítica para
poupar a população do Irão, da Venezuela e de outros países-alvo dos impactos
mortíferos e ilegais das sanções económicas dos EUA: elas não funcionam.
Vinte anos atrás, enquanto as
sanções económicas cortavam em 48% o PIB do Iraque num período de 5 anos, e
estudos relevantes documentavam seu custo humano genocida, elas já falhavam em
tirar do poder o governo de Saddam Hussein. Dois assistentes da Secretaria
Geral da ONU, Denis Halliday e Hans Von Sponeck, renunciaram a cargos sénior em
protesto contra a ONU, em vez de fazer com que se cumprissem essas sanções
assassinas.
Em 1997, Robert Pape, então
professor no Dartmouth College, tentou resolver as questões mais básicas sobre
o uso de sanções económicas para conseguir mudanças políticas em outros países,
por meio da recompilação e análise de dados históricos em 115 casos em que
havia se tentado fazer isso, entre 1914 e 1990. Em seu estudo, intitulado “Por
quê as sanções económicas não funcionam”, ele conclui que sanções só
tiveram êxito em 5 casos — de um total de 115
Pape também trouxe à tona uma
questão provocadora e importante: “se sanções económicas raramente são
eficazes, por quê os Estados continuam aplicando-as?”
Ele sugeriu três respostas
possíveis:
“Tomadores de decisões que impõem
sanções sistematicamente, superestimam as perspectivas de sucesso coercitivo
das sanções”;
“Líderes que contemplam até o
último recurso para forçar um país, normalmente acreditam que a imposição de
sanções antes, irá melhorar a credibilidade de ameaças militares futuras”;
“Impor sanções costuma render aos
líderes maiores benefícios políticos domésticos do que se se recusassem a impor
sanções ou do que se recorressem à força”.
Acreditamos que a resposta seja
provavelmente uma combinação de “todas as alternativas”. Mas acreditamos
firmemente que nenhuma combinação dessas ou de quaisquer outras explicações
racionais possam jamais justificar o genocídio humano como consequência das
sanções económicas no Iraque, na Coreia do Norte, no Irão, na Venezuela ou em
qualquer outro lugar.
Enquanto o mundo condena os
recentes ataques aos navios petroleiros e tenta identificar o culpado, a
reprovação global deveria também ir para o país responsável por esta guerra
mortal, ilegal e ineficiente no coração da crise: os Estados Unidos.
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