Autoproclamado presidente foi
incapaz de concretizar golpe planejado pelos EUA. Sua credibilidade
internacional desmorona. Desgastada, oposição aposta em recall de
imagem e negocia via pacífica com o governo — por ahora
Álvaro Verzi Rangel | Outras Palavras
| Tradução: Simone Paz Hernández
Seis meses depois que os Estados
Unidos reconheceram o autoproclamado Juan Guaidó como presidente interino da
Venezuela, Washington ameaçou o Presidente constitucional, Nicolás Maduro,
dizendo-lhe que possui um “curto prazo” para abandonar o poder com “garantias”,
caso não queira ter de enfrentar a justiça internacional e novas sanções.
O responsável da Casa Branca
pelos assuntos da América Latina, Maurício Claver-Carone, afirmou, mesmo assim,
que os maiores frutos da estratégia estadunidense ainda estão por vir. Enquanto
isso, na frente de um punhado de simpatizantes em Caracas, Guaidó reiterou sua
disposição em fazer o que for preciso para tirar Maduro do poder. Há seis meses
ele repete o discurso, mas ainda não conseguiu nem sequer uma intervenção militar
dos EUA.
A série de ameaças continuou na
quarta-feira (24/7), quando o representante especial dos EUA para a crise
venezuelana, Elliott Abrams, disse que seu governo avalia sancionar a Rússia
pelo apoio ao presidente venezuelano. “Estamos tentando cortar o fluxo de
recursos que vão para o regime, e acho que estamos conseguindo um impacto
considerável. A pressão continuará, na quinta-feira [dia 25] teremos mais
sanções. Continuaremos impondo as sanções para manter a pressão”, disse Abrams.
“As pressões sobre Cuba
aumentaram muito desde janeiro e continuarão aumentando — e fizemos questão de
deixar claro que foi por culpa de suas ações na Venezuela. Sobre a Rússia,
ainda estamos decidindo quais sanções aplicar, se individuais ou setoriais”,
acrescentou Abrams.
Ele admitiu que o governo russo
não tem “ajudado” Caracas “do ponto de vista financeiro”, mas que tem
contribuído para que a Venezuela possa vender seu petróleo, sujeito às sanções
estadunidenses. “[Os russos] vêm retirando seu dinheiro da Venezuela. Porém,
ajudam a comercializar o petróleo, e é nisso que estamos pensando”, afirmou.
Crise humanitária, ditadura
“Crise humanitária”, “regime
ditatorial”, são frases prontas que se repetem dezenas de vezes diariamente na
grande imprensa, na busca de um isolamento internacional e de desqualificar o
sistema venezuelano como um sistema democrático, criando um clima propício para
que seja aplicada a Carta Democrática da OEA (ou seja, uma intervenção) e
permitir a construção de alianças entre países da área de influência do Comando
Sul estadunidense para fechar o cerco contra a Venezuela.
Estão tentando conjugar essas
iniciativas com a figura da “crise humanitária” para, assim, permitir colocar
na agenda internacional e no imaginário coletivo, a premissa de que a crise
humanitária autoriza uma intervenção com o apoio das organizações multilaterais.
Após seis meses nos quais a
grande e velha mídia internacional, seguindo o roteiro de Washington, fizeram
com que Guaidó parecesse o único líder a ser apoiado, as rachaduras voltam a se
abrir dentro da oposição.
A paralisia política, a nova
fragmentação de uma oposição ao governo — que perdeu tanto a unidade como o
otimismo — entra em contraste com o diálogo que seus representantes recomeçaram
com os enviados do governo em Barbados (com mediação da diplomacia norueguesa),
depois de que no dia 30 de abril entrasse em cena um golpe fake e se anunciasse
o início da fase definitiva de “suspensão da usurpação” da parte do governo
constitucional.
“Sem querer diminuir o que está
acontecendo em Barbados (…) mas, se Maduro continuar no país, é impensável
existirem eleições que realmente representem o povo venezuelano”, comentou
Pompeo, tentando influenciar as negociações.
O Ministério de Relações
Exteriores da Noruega informou que as negociações avançam, mas não disse sobre
quais pontos. Parece bem difícil que o setor governamental aceite uma saída de
Nicolás Maduro da presidência antes de convocar eleições e a oposição já
declarou que não aceitará um acordo se não for fixada uma data para eleições
presidenciais.
Talvez, pela Noruega estar
promovendo os diálogos, é que surgiu um certo tom otimista quanto aos seus
objetivos. Vale lembrar que o diálogo na República Dominicana fracassou no
exato momento de assinar o acordo, por causa de ordens de Washington enviadas
aos negociadores da oposição.
O discurso da oposição declarou
pouco tempo depois que, com aquele fato, o governo ganhou tempo. É por isso que
setores como o do “Vente Venezuela” e do ex-prefeito de Caracas, Antonio Ledesma,
se manifestaram contra diálogos — que somente serviriam para que o “regime de
Maduro ganhasse tempo”.
Guaidó foi classificado como uma
pessoa “não muito séria” pelos mediadores europeus, já que, enquanto envia
emissários para as conversas em Barbados, ele afirma que só faz isso com o
objetivo único de determinar uma data para a saída de Maduro e para novas
eleições, coincidindo com o repetitivo discurso dos “falcões” estadunidenses,
entre ameaças e sanções.
A resposta de Maduro é de que
haverá eleições em 2020, porém, não serão presidenciais e, sim, da Assembleia
Nacional (que é presidida por Guaidó e que está em desobediência). O fato da
solução não estar nem um pouco perto complica as coisas para Guaidó, dado que
os partidos da oposição concordaram em fazer um rodízio a cada ano na
presidência da Assembleia Nacional. Assim, escolheram Guaidó pelo período de um
ano, até o final de 2019. O que vai acontecer quando o prazo vencer e for
preciso escolher um sucessor? Também ele vai se autoproclamar presidente?
Luis Vicente León, presidente da
empresa de enquetes Datanálisis — e, às vezes, roteirista da oposição
— insiste que a oposição deve ser mais realista. “Seria plausível, sem uma
saída negociada, que a oposição conseguisse pressionar a saída do governo pela
força e pela pressão internacional? Não me parece o cenário mais provável.”,
afirma León.
“Nem o governo sente que seja
indispensável negociar uma saída, porque não está em perigo extremo, nem a
oposição está preparada para convencer as elites e bases de que a mudança deva
integrar seu adversário e garantir poder aos militares”, acrescentou.
Desde 1998, quando foi eleito o
presidente Hugo Chávez, a oposição tem denunciado fraude nas 23 eleições que se
seguiram. Muitas vezes, inclusive, antes dos resultados serem divulgados.
Alguns porta-vozes da oposição alertaram os EUA do risco do governo se ater a
uma “farsa eleitoral” para se legitimar; isto esconde, realmente, o temor de
uma possível divisão ante um hipotético cenário eleitoral antecipado.
As pressões dos EUA
O Secretário de Estado dos
Estados Unidos, Mike Pompeo, que num breve tour pela América Latina conseguiu
alinhar vários países a suas políticas de segurança e de suposto
antiterrorismo, ressaltou, numa conversa reservada à imprensa, os problemas que
tiveram para conseguir conciliar as diferentes frentes contrárias a Maduro.
A prova disso foi a reunião de
chanceleres do Grupo de Lima, realizada na terça-feira 23/7, em Buenos Aires, e
a decisão da Assembleia Nacional de reincorporação ao Tratado, sem nenhuma
validez jurídica, mas que no plano político e simbólico oferece outro cenário,
no qual setores opostos voltam a se conectar com a ideia de uma intervenção
militar na Venezuela.
Essa decisão vai causar entre 48
e 72 horas de manchetes na mídia hegemônica, antes de se perder e desaparecer
da agenda midiática; mas servirá para que tentem impulsionar ações políticas, e
até militares, contra a Venezuela, a partir da Organização de Estados
Americanos (OEA).
Os ministros do Grupo de Lima repetiram
o argumento dos EUA e enfatizaram que o Relatório do Escritório do Alto
Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos não dá brecha para que
país algum continue a apoiar o “regime ilegítimo” de Maduro e que, portanto,
foram encorajados a contribuir com a volta do Estado de Direito e com a
democracia na Venezuela, reiterando aos países que não se submeteram à pressão
estadunidense que o apoio deles à “ditadura” ameaça a estabilidade de toda a
região.
O bloco anti-venezuelano decidiu
encaminhar o relatório de Bachelet à fiscal da Corte Penal Internacional, para
apoiar o procedimento adiantado por Argentina, Canadá, Chile, Colômbia,
Paraguai e Peru, em setembro de 2018 e, posteriormente, referendado por Costa
Rica e França, além de ter tido a recepção da Alemanha, em maio de 2019.
Cada lacaio cumpre sua tarefa,
mas não é suficiente para derrocar o governo da Venezuela. A realidade real
(não aquela virtual espalhada pela grande mídia) demonstra que Guaidó perdeu o
impulso e, acima de tudo, sua credibilidade. Seus comícios estão esvaziados:
poucos creem em suas promessas. Hoje em dia (por enquanto) conta com o apoio
irrestrito de Washington e com o reconhecimento de menos de 50 das 193 nações a
nível mundial.
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