Candidatos democratas em sessão
de tiro ao Biden
O antigo vice-presidente
americano Joe Biden continua sem se ver livre das acusações de racismo,
nomeadamente de ter contribuído para o “encarceramento em massa” dos negros
americanos. No debate desta quarta-feira (madrugada de quinta em Lisboa), o
segundo em dois dias, todos o quiseram fragilizar
O segundo debate entre candidatos
democratas à presidência dos Estados Unidos teve um alvo no centro do palco do
Fox Theatre, em Detroit - o antigo vice-presidente Joe Biden. Apesar de
favorito até hoje, ele tornou-se nas últimas semanas, em particular após o
primeiro confronto televisivo em Miami, numa espécie de saco de pancada devido
à suposta proximidade com os chamados “dixiecrats”, democratas sulistas que,
nas décadas de 60 e 70 do século passado, se opuseram ao fim do segregacionismo
na América.
“O que querem, tenho 76 anos!”,
defendeu-se Biden ainda há dias, enquanto explicava que o facto de ter
negociado com os opositores ao movimento dos direitos civis não o torna
racista. “Simplesmente tínhamos de trabalhar com eles passo a passo para
alcançar um bem maior.”
A polémica em redor da sua
suposta oposição à norma conhecida como “busing”, que terminou com a separação
de crianças brancas e negras nos autocarros escolares, não o larga. Biden
insiste que, na altura, quis apenas que a implementação estivesse a cargo dos
estados.
Recorde-se que, em Miami, a
senadora Kamala Harris insistiu porque é que ele não lutou para que tal fosse
uma determinação federal, pois no sul muitos se recusariam a respeitar a regra.
Biden enredou-se no próprio palavreado e terminou com a seguinte frase: “My
time is up” (“não tenho mais tempo”).
“A declaração foi absolutamente
metafórica”, afirma ao Expresso Ana Navarro, consultora do Partido Republicano,
e, ao mesmo tempo, uma das grandes opositoras do presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump. “A candidatura de Biden ultrapassou o prazo de validade”, diz,
confessando que a prestação do antigo vice-presidente ontem à noite não a fez
mudar de ideias.
Mesmo assim, a verdade é que
Biden ainda é visto, de acordo com os estudos de opinião, como a hipótese menos
arriscada para desalojar Trump da Casa Branca. O problema é que ao mesmo tempo
que ele possui a alcunha de “avô da América”, dada a imagem de homem simpático,
também é conhecido como um “durão anticrime”. Perante a evolução do pensamento
político no Partido Democrata, e a relevância dada a causas como a justiça
racial, aquele último epíteto transformou-se numa espécie de bigorna atada ao
tornozelo de um político em apuros.
O seu papel na aprovação da lei
de combate à criminalidade em 1994, que na prática resultou no encarceramento
desproporcionado de negros, dado o alegado racismo endémico no interior das
forças da autoridade, é visto nos círculos progressistas como uma espécie de
maldição.
Cercado por dois desses políticos
ultra-liberais, os senadores Kamala Harris e Cory Booker, além de mais sete
rivais com menos projecção nas sondagens, Biden repeliu os ataques como pôde,
nomeadamente focando as atenções em Trump, a quem acusa de “destruir o tecido
social da América”.
TRÊS BILIÕES DE DÓLARES E 300
MILHÕES DE EXTORQUIDOS
A tensão disparou logo no início
do debate sobre as propostas para a área da Saúde de Harris, classificadas como
“uma mão cheia de nada” horas antes por um porta-voz da equipa de Biden, que
falou de um suposto custo de “três biliões de dólares”.
Kamala contra-argumentou,
considerando que ninguém leu o documento e que a alternativa apresentada por
Biden, a Obamacare, “deixará dez milhões de americanos sem cobertura” e
permitirá às seguradoras continuarem a “extorquir os mais de 300 milhões de
americanos”.
Booker entrou na luta. “Dentro de
dez anos, 20% da nossa riqueza será gasta em cuidados de saúde e mesmo assim
não conseguiremos cobrir toda a gente. Porque é que outros países gastam menos
e tratam a totalidade da população?”.
E nem quando a congressista Tulsi
Gabbard denunciou que o projecto de Harris também serviria as seguradoras, a
senadora perdeu muito tempo, voltando-se de novo para Biden e para o facto de a
Obamacare ser “simplesmente insuficiente”.
Seguiu-se o tema da imigração e,
tal como na noite anterior, a questão fundamental foi saber quem apoia a
descriminalização das entradas ilegais no país. Harris disse que sim e recordou
os centros de detenção espalhados pelo território americano que retêm menores
em condições desumanas.
Obrigado a responder pelo facto
de Barack Obama ter deportado mais clandestinos do que qualquer outro chefe de
Estado americano, Biden garantiu que quem passa a fronteira de forma ilícita
“está a cometer um crime”.
Julián Castro, seu antigo colega
de Executivo, reagiu de imediato: “Caro vice-presidente, parece que um de nós
aprendeu as lições do passado e o outro não”, claramente dando a ideia de que
Biden teria explicações para dar.
Naquele momento, até o mayor de
Nova Iorque, Bill de Blasio, pareceu querer um pedaço do político veterano, insistindo
se ele concordou com as deportações em massa durante a Administração Obama.
“Foi ideia dele”, justificou Biden.
“Desculpe!”, interrompeu Booker.
“O senhor Biden não pode usar o nome de Obama quando lhe convém e depois
evitá-lo quando lhe dá jeito”. O grosso da audiência no Fox Theatre aplaudiu de
pé.
SEM DESCANSO
Nem um intervalo de cinco minutos
alterou a dinâmica do debate. Mal a conversa foi reatada, Booker voltou a
atacar a proposta de reforma do Sistema de Justiça Criminal de Biden. “Tratamos
de certos assuntos, como os de índole racial, simplesmente colocando gente
atrás das grades. O senhor Biden apoia desde a década de 60 leis que fazem isso
mesmo. A casa está a arder e você não pode ser o autor da reforma de um sistema
que criou e que de forma desproporcionada encarcerou os negros”.
Biden apontou para o currículo de
Booker quando foi mayor de Newark, uma das cidades mais violentas dos EUA, mas
o senador riu, literalmente, na cara do antigo vice-presidente, afirmando que
estava “chocado” com a comparação, visto que o autor da lei de combate à
criminalidade em 1994 (Biden entenda-se) criou o conceito de “encarceração em
massa”.
Mais uma vez, a audiência
aplaudiu e Biden ficou cabisbaixo durante alguns minutos. Às paginas tantas,
parecia que até os moderadores não lhe queriam dar descanso, pois logo de
seguida introduziram a discussão sobre racismo e o fato de Biden ter dito que Harris
tinha a mesma posição do que ele em matéria de “busing”.
“Isso é simplesmente falso”,
garantiu a senadora. “Foi Biden que enquanto congressista trabalhou com
segregacionistas para impedir o 'busing', fundamental para acabar com o
segregacionismo nas escolas. Nem eu, nem Booker, nem Obama teríamos negociado
com aquela gente. Biden continua a não reconhecer que tal foi um erro.”
O golpe de misericórdia foi dado
pela congressista Kirsten Gillibrand que recordou a opinião do antigo
vice-presidente sobre mulheres com carreira profissional, culpando-as, por isso
mesmo, pela “degradação da vida familiar”. Biden respondeu que tal fora “há
muito tempo”, mas que a acusação era um exercício de “oportunismo político”.
Ouviram-se suspiros na plateia e um desabafo em voz alta: “Eu não acredito…”.
Numa primeira análise ao
confronto televisivo, Desmond Meade, ex-assessor de Biden e atual líder da
organização Florida Rights Restoration Coalition, disse ao Expresso que tudo se
resumiu a uma palavra: “Arrependimento”. “O Joe (Biden) precisa de mostrar
contrição e reconhecer os erros do passado antes que seja tarde demais. Caso
contrário, continuaremos a assistir a um exercício de tiro ao Biden.”
A terceira ronda de debates
democratas está agendada para 12 e 13 de setembro, na cidade de Houston, estado
do Texas.
Ricardo Lourenço, correspondente
nos EUA | Expresso | Foto: Lucas Jackson
Sanders e Warren dominam primeira
noite de nova ronda de debates democratas para eleições de 2020
Os senadores tentam ganhar
terreno ao ex-vice-Presidente Joe Biden, que lidera as sondagens no campo
democrata para defrontar Trump, que se candidata à reeleição pelos
republicanos. “A saúde é um direito humano, não um privilégio”, defendeu
Sanders. Warren bateu-se pela expansão da imigração legal e pela criação de um
“caminho para a cidadania”
O senador do Vermont Bernie
Sanders e a senadora do Massachusetts Elizabeth Warren dominaram esta
terça-feira mais um debate com dez dos candidatos à nomeação democrata para
defrontar Donald Trump. O Presidente dos EUA candidata-se à reeleição pelo
Partido Republicano nas presidenciais do próximo ano.
As ideias progressistas daqueles
senadores aproximaram-nos um do outro, enquanto os seus rivais sublinhavam o
caráter irrealista e politicamente insustentável das suas propostas. As
políticas de saúde e imigração acentuaram as diferenças entre os dois campos na
primeira de duas noites em Detroit. Durante quase três horas de debate, os
candidatos só pareceram concordar num ponto: a necessidade de derrotar Trump.
SANDERS CONFESSA-SE “UM POUCO
CANSADO DOS DEMOCRATAS COM MEDO DE GRANDES IDEIAS”
O governador do Montana, Steve
Bullock, criticou os candidatos que, segundo ele, foram demasiado liberais na
primeira ronda de debates no mês passado em Miami. Em resposta, Warren afirmou
não entender “por que motivo alguém se dá ao trabalho de concorrer à
presidência dos Estados Unidos para falar do que não se pode fazer e [as
causas] por que não se deve lutar”. Também Sanders se confessou “um pouco
cansado dos democratas com medo de grandes ideias”, alertando que “os
republicanos não têm medo de grandes ideias”.
Sanders e Warren estão a tentar
ganhar terreno ao ex-vice-Presidente Joe Biden, que lidera as sondagens no
campo democrata.
“PORQUE TEMOS DE SER O PARTIDO
QUE TIRA ALGO ÀS PESSOAS?”
O debate começou por ser uma
disputa sobre o futuro do sistema de saúde americano e se os democratas devem
adotar as propostas do “Medicare for All”, que, na prática, significa que o
Governo assume o controlo do setor dos seguros de saúde. Alguns candidatos
argumentam que o programa retiraria o seguro privado de quem prefere esse tipo
de cobertura e forçaria um aumento dos impostos junto da classe média.
“Porque temos de ser o partido
que tira algo às pessoas?”, questionou-se o antigo congressista John Delaney
que, apontando para Warren e Sanders, acusou: “Eles estão a concorrer dizendo a
metade do país que o seu seguro de saúde é ilegal”. A senadora interveio para
defender a proposta. “Não estamos a tentar tirar os cuidados de saúde a
ninguém. Isso é o que os republicanos estão a tentar fazer”, corrigiu. Sanders,
que apresentou um projeto de lei daquele programa no Senado, sublinhou: “A
saúde é um direito humano, não um privilégio. Eu acredito nisso e vou lutar por
isso”.
WARREN QUER “EXPANDIR
IMIGRAÇÃO LEGAL” E REFORÇAR “CAMINHO PARA CIDADANIA”
Sobre as políticas de imigração,
os candidatos divergiram quanto à descriminalização das passagens ilegais das
fronteiras. “Não é preciso descriminalizar tudo”, defendeu o governador do
Montana. “O que é preciso é um Presidente com a capacidade de julgamento e a
decência de tratar alguém que chega à fronteira como um dos nossos”, precisou
Steve Bullock.
Warren discordou, defendendo a
necessidade de “expandir a imigração legal” e de “criar um caminho para a
cidadania não apenas dos ‘dreamers’ mas também das avós, das pessoas que têm
trabalhado nas quintas e dos estudantes que permanecem além do prazo dos seus
vistos”. Os ‘dreamers’ estão protegidos da deportação ao abrigo do programa de
imigração DACA, que permite que alguns indivíduos levados para os Estados
Unidos enquanto crianças sejam elegíveis para um visto de trabalho. O programa
foi implementado pelo ex-Presidente Barack Obama mas, em setembro de 2017, a Administração Trump
anunciou que iria acabar com o DACA – contudo, ele ainda continua em vigor por ordem
judicial.
Esta quarta-feira, dez outros
candidatos defrontam-se, incluindo Biden e a senadora da Califórnia Kamala
Harris. As duas noites em Detroit poderão representar a última oportunidade
para muitos dos candidatos debaterem num palco nacional, uma vez que o Comité
Nacional Democrata irá duplicar as exigências de financiamento e posição nas
sondagens como critérios de participação. Os próximos debates realizam-se em
setembro e outubro.
Pode recordar aqui o balanço que o Expresso fez da primeira ronda de
debates democratas no mês passado.
Hélder Gomes | Expresso | Foto: Justine
Sullivan/ Getty Images
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