Para entender o “novo” projeto
para a Amazônia. Vista, após 1964 como território a incorporar ao Centro-Sul,
ela é, sob Bolsonaro, mero menu de opções aos mega-investidores estrangeiros.
Que escolham: minérios, soja, madeira, bois…
Luís Fernando Novoa Garzón | Outras Palavras
Assim como o desmatamento da
Amazónia mantém relação direta com o stress hídrico nas metrópoles do sudeste,
a conversão compulsória da região amazónica em um portefólio de commodities tem
relação direta com a desindustrialização do país, ou seja, com o aprofundamento
de seu perfil produtivo regressivo. Quanto maior simplificação produtiva e
territorial, tanto maior o desmanche de direitos sociais e de normativas
ambientais. Os setores considerados catalizadores desse modelo – a indústria
extrativa mineral, o agronegócio e a infraestrutura especializada –estão
fortemente ancorados na região não por acaso.
Reterritorializações instauradas
com base na interpenetração entre grupos privados e aparelhos governamentais e
intergovernamentais tendem a obter abrangência regional e continental,
acompanhando redefinições locacionais dos capitais de distintas origens e
destinos. O que retoricamente se temia, a chamada “internacionalização da
Amazónia”, tornou-se agora uma premissa regulatória: prerrogativas máximas para
os investimentos para atraí-los. Entre essas prerrogativas, além da
incondicionada aquisição de blocos de recursos naturais, consta a possibilidade
de empresariar o controle de extensas faixas territoriais.
Foi sob “linhas nacionais” que se
deu a incorporação da Amazónia à medida lhe incumbiram “funções” agropecuárias
e minerais na sequência da marcha para o (centro) oeste a partir dos anos 1960.
Com o entrecruzamento das fronteiras agrícola, mineral e energética na
Amazónia, nos anos 2000, estabeleceu-se um novo patamar de homogeneização do
espaço económico do país, sempre por meio da garantia de dilatação das taxas de
lucro nas margens, nos espaços periféricos subalternizados.
Evoluímos de um colonialismo interno em que a Ditadura empresarial-militar de 1964 procurava incorporar a Amazónia à estrutura produtiva do centro-sul do país por meio de obras viárias e de incentivos fiscais para a condição de franja auxiliar do processo expansivo das cadeias transnacionais. As mediações políticas derivadas da anterior divisão interregional do trabalho foram sendo substituídas por fórmulas territoriais flexíveis condizentes com novas estratégias de deslocalização dos investimentos e ajustes espaciais consecutivos.
Nessa periferia da periferia é
que se forja a forma-padrão de apropriação de recursos territorializados em
larga escala. O modelo energo-minero-metalúrgico condena o país a ser uma
eterna sucessão de enclaves em rotação ― um enorme menu territorial à
disposição de investidores privados e suas encomendas. Novas parcerias entre
capitais passam a ser fundadas na garantia de dinamismos adicionais e outros
termos, de barateamento da população e de elasticidade regulatória, para a
realização de valor nesses setores matriciais.
Este quadro se agrava na
conjuntura recente com o estabelecimento de processos de ruptura institucional
e mafialização da representação política a partir de 2016. Medidas
congressuais-governamentais têm franqueado a exploração desimpedida de recursos
naturais na região, suspendendo-se a vigência de direitos territoriais
reconhecidos nacional e internacionalmente.
Conferindo-se absoluta
discricionaridade privada às concessões minerarias, energéticas e dos setores
de infraestrutura, não há mais eco de soberania possível. Com a permissão de
multiplicação da dívida pública e o uso ilimitado de derivativos financeiros,
com destaque para os mercados futuros de commodities, o país perde
qualquer pretensão de definir contornos sociais, implodidos os regimes de
convivência e de multiterritoritorialidade decorrentes.
O sentido e a direção das
políticas económicas hegemónicas no Brasil e de seus arranjos espaciais é o da
liquidação dos bens públicos e das riquezas ainda não privatizadas e
monopolizadas. Isso explica, mormente, por que os territórios não completamente
mercantilizados, especialmente na Amazónia, têm sido frente prioritária de
expansão capitalista. O fim da Amazónia como “barreira espacial”, como região
singular, diversa e por isso protegida, é manifestação de uma crise de
sobreacumulação em fase aguda que se expressa por meio de expropriações
materialmente fulminantes definidas em esferas fictícias ou financeirizadas de
valorização do capital.
A decorrência disso são
investimentos blindados contra quaisquer limites ambientais e sociais. Enquanto
florestas e seus povos são devastados em novos arcos de desmatamento e de
limpeza social, o Governo brasileiro fecha os olhos e diz apenas cumprir
“ordens superiores” que remetem a várias ordens de depredação. Da ordem da
cadeia transnacional de carne e soja, da ordem das fornecedoras globais de
minério de ferro. Da ordem das redes financeiras e de infraestrutura que
arrematam e antecipam a expansão da commoditização do território. Da ordem dos
capitais estrangeiros e em particular da superpotência norte-americana.
Não resta dúvida que a Amazónia
foi posta no tabuleiro da contenda sino-americana. E de forma vil e rebaixada,
como ficou patente no gesto de Cessão da Base de Alcântara. Por ora, o cenário
económico da região tem sido marcado pelo reposicionamento dos capitais
chineses confluindo para retornos não apenas financeiros mas para alinhamentos
geopolíticos que envolvem algum grau de acoplamento territorial com o cinturão
do Pacífico, através de financiamentos centralizados.
Enquanto não se acertam os
investidores internacionais, o que se centraliza aqui é o crime ambiental e o
extermínio de camponeses e comunidades tradicionais. Justamente o que se
centraliza no caso do INPE: a forma de apresentar ou dissimular uma oficiosa
liberação de queimadas, desflorestamento e invasão de territórios indígenas e
unidades de conservação. A narrativa oficial censurará qualquer dado que
constranja o arranjo econômico-geopolítico entre os grandes players na
região amazónica.
Desordem encomendada, missão
cumprida?
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