Camberra, 22 ago 2019 (Lusa) - Um
ex-alto funcionário da procuradoria-geral australiana criticou hoje a inação
das associações de advogados do país em relação ao processo judicial contra um
ex-advogado de Timor-Leste, acusado de conspiração por revelar escutas ilegais
ao Governo timorense.
Ernst Willheim, atualmente ligado
à Universidade Nacional Australiana (ANU) Willheim considera
"extraordinário" que, depois das escutas serem conhecidas, e quando
os dois países estavam envolvidos em litigação, Camberra tenha "usado os
seus serviços de segurança para fazer uma rusga aos escritórios do advogado da
outra parte, confiscando os documentos jurídicos" de Timor-Leste.
"É chocante que tenha havido
tão pouca condenação pública sobre isto na Austrália. Não entendo porque é que
as associações de advogados, o Conselho de Direito da Austrália, não fizeram
protestos fortes sobre uma violação de privilégio profissional legal, pela
confiscação de documentos da outra parte", afirmou em entrevista à Lusa.
Um homem conhecido apenas como
"testemunha K" e o seu antigo advogado Bernard Collaery são acusados
de conspiração pelas autoridades em Camberra, crime que tem uma pena máxima de
dois anos de prisão e estão a ser julgados num tribunal australiano.
Os dois foram acusados no ano
passado de conspirar para revelar informações protegidas pela lei dos serviços
secretos, que abrange o sigilo e a comunicação não autorizada de informação,
num processo envolto em segredo.
Willheim, hoje ligado ao Colégio
de Direito da Universidade Nacional da Austrália, em Camberra, trabalhou no
gabinete do Procurador-Geral australiano entre 1967 e 1998, tendo liderado
vários departamentos e representado o Estado em vários casos, incluindo no
Supremo.
Referindo-se aos antecedentes do caso,
agora nos tribunais em Camberra, Willheim disse que as escutas que o Governo
australiano fez ao Conselho de Ministros timorense durante as negociações do
anterior tratado do Mar de Timor "é algo sem precedentes".
"Na minha carreira na
procuradoria-geral estive em muitas negociações bilaterais e multilaterais,
liderei muitas delegações, participei em negociações com a Indonésia sobre
Timor Gap e outras sobre questões muito sensíveis, sobre temas nucleares, e
nunca a nossa posição jurídica incluiu informação secreta obtida por espionagem
à outra parte", afirmou.
"Não entendo porque ocorreu
neste caso. Acho que foi errado e acho que a maioria dos australianos acham que
foi errado", disse.
O agora académico e investigador
disse que se tornou público que alguns dos responsáveis envolvidos na decisão
de espionagem, como o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Alexander Downer,
"obtiveram cargos na Woodside", uma das petrolíferas com interesses
no Mar de Timor, "depois de saírem de funções públicas".
"Não é prática normal da
Austrália espiar o outro lado durante uma negociação bilateral como esta",
sustentou.
Para este especialista, a ação
australiana é tão grave que implica que o tratado que acabou por ser assinado
-- e que, entretanto, já não está em vigor -- deveria ter sido posto de parte
porque foi alcançado "com base numa fraude".
Igualmente "absurdo",
diz, foi a decisão australiana de se retirar da jurisdição do Tribunal
Internacional sobre a questão das fronteiras, quando Camberra tinha sido -- e
mesmo depois disso responsáveis governamentais o afirmaram -- defensora de
resolução obrigatória de disputas para tratados.
"Escrevi muitos pareceres
jurídicos para delegações australianas e sempre defendemos isso, o papel do
Tribunal Internacional de Justiça. Mas quando parecia que Timor iria levar a
Austrália ao tribunal, a Austrália retirou-se da jurisdição", afirmou.
"Dizem que apoiam ordem
baseada em regras e direito, mas não quando essas regras e direito deixa de nos
ser favorável", disse ainda.
O especialista considera ainda
uma "violação do princípio constitucional básico de justiça aberta" o
facto do julgamento estar a decorrer praticamente em segredo, com o próprio
arguido "sem ter acesso a informação de que é acusado" e que o processo
em si viola a "liberdade de comunicação política".
"Tentar impedir um membro do
público de dar a conhecer transgressões de uma autoridade australiana viola
este importante princípio constitucional", afirmou, criticando a forma
como o processo tem decorrido, com o tribunal em Camberra a não divulgar sequer
quando se realizam sessões do julgamento.
O académico australiano relembra
ainda que durante esta longa saga, que já se arrasta há vários anos, o trabalho
de Collaery enquanto advogado tem sido "seriamente afetado", com fortes
penalizações económicas.
ASP // PJA
Sem comentários:
Enviar um comentário