Camberra, 22 ago 2019 (Lusa) -- O
especialista australiano em direito do mar Donald R. Rothwell considera que o
acordo sobre a jurisdição dos poços petrolíferos do Greater Sunrise no Mar de
Timor foi uma concessão "surpreendente" dos timorenses que permitiu
definir as fronteiras marítimas.
Donald R. Rothwell, considerado
um dos maiores especialistas australianos sobre a lei do mar e que acompanha a
questão da fronteira no Mar de Timor desde 1983, admitiu à Lusa que algumas
pessoas no Governo australiano não esperavam essa concessão.
"Uma das coisas que me
chocou quando se soube o resultado, foi o acordo relativamente ao Greater
Sunrise, que é uma grande concessão da parte de Timor-Leste. A Austrália
perceber que Timor estava preparado para negociar uma solução para o Greater
Sunrise deu-lhe mais confiança para avançar", disse em entrevista à Lusa
em Camberra.
"Algumas pessoas no Governo
australiano pensavam que assim que perdemos a conciliação, Timor ia ganhar isto
100%, por isso ver Timor-Leste a dar concessões causou alguma surpresa. Não é 100%
para Timor. Timor consegue um bom resultado, mas a Austrália recebe alguma
fatia, o que surpreendente face à posição inicial", explicou Rothwell,
entrevistado pela Lusa na Universidade Nacional Australiana (ANU) em Camberra.
Na justiça arbitral, Timor-Leste
ganhou a sua causa face à Austrália do que respeitava aos poços.
Posteriormente, foi celebrado um tratado de fronteiras marítimas permanentes
entre Timor-Leste e a Austrália, acordado num processo de conciliação mediado
por uma comissão criada no âmbito da lei do mar.
O documento, assinado pelos dois
Governos em março de 2018, já foi, entretanto, ratificado pelos dois países,
estando prevista para 30 de agosto a troca de notas entre os chefes de Governo
dos dois países que formaliza a sua entrada em vigor.
Para isso, é ainda necessário que
o Presidente da República timorense promulgue um pacote de propostas de lei e
decretos aprovados com ampla maioria no parlamento e sobre os quais tem de
tomar uma decisão até 26 de agosto.
O processo de negociação do
tratado permitiu "alcançar uma solução global negociada para a disputa
sobre a delimitação permanente das respetivas fronteiras marítimas", que
inclui "a concordância sobre a ligação inextrincável entre a delimitação
das fronteiras marítimas e a criação do regime especial para os Campos do
Greater Sunrise".
Crucial, antes disso, foi também
o facto de a Austrália perder -- logo no primeiro momento da reunião da
comissão de conciliação -- o debate sobre a competência, a jurisdição da
própria comissão, composta por elementos nomeados pelos dois países.
"Essa decisão levou a
Austrália a aceitar que era obrigada a participar e a decidir participar em boa
fé. O que ajudou a consolidar a opinião na Austrália de que esta era uma
questão que tinha de ser resolvida", frisou Rothwell.
"E também de que se o
assunto chegasse a qualquer fórum internacional, os argumentos da Austrália não
teriam o peso que tiveram aqui em Camberra. Não sobreviveriam a um forte
escrutínio internacional", referiu.
Durante décadas, desde o tempo da
administração portuguesa de Timor-Leste, que Camberra manteve uma posição
intransigente de que a fronteira marítima deveria seguir a linha continental e
não a linha mediana entre os dois países, como define a Lei do Mar.
Rothwell, que diz que sempre
houve um "reconhecimento de que delimitar a fronteira no Mar de Timor
seria um desafio", explica.
Alcançado este acordo histórico
-- o tratado já foi ratificado pelos dois países e a troca de notas está prevista
para 30 de agosto em Díli -- Rothwell admite que a Indonésia pode agora querer
mexer nas suas fronteiras com a Austrália.
O académico recorda, por exemplo,
que o tratado de Perth, que define as fronteiras entre a Austrália a Indonésia
desde o Mar de Java ao Oceano Índico ainda não foi ratificado por Jacarta.
"Porque é que a Indonésia
não ratifica? Quer manter as suas opções abertas especialmente agora que houve
um acordo com Timor-Leste?", sublinhou.
Rothwell sugere que Jacarta pode
dizer que ratifica o tratado de Perth a troco de renegociar as fronteiras
fechadas na década de 1970, dos dois lados de Timor e que hoje,
comparativamente ao novo tratado entre Díli e Camberra, não são consistentes.
"Se olharmos para as
fronteiras no Mar de Timor, de Java e de Arafura, a de Timor-Leste é muito mais
para o sul do que as com a Indonésia. Podem agora tentar renegociar para serem
mais favoráveis a Jacarta", explicou.
Questionado sobre os vários
passos até ao tratado permanente de fronteiras, Rothwell relembra que
Timor-Leste independente "herdou um legado de acordos no Mar de
Timor".
Muito do que ocorreu, explicou,
deve-se ao facto dos "operadores comerciais quererem manter a estabilidade
desses acordos", uma questão que não deve ser subestimada na avaliação dos
passos dados.
ASP // PJA
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