António Sampaio, da agência Lusa
Díli, 28 ago 2019 (Lusa) - A
intervenção dos Estados Unidos marcou a vinda para Timor-Leste da força
internacional INTERFET em setembro de 1999 tendo o Governo norte-americano
ordenado a Jacarta que travasse ações contra os militares internacionais, segundo
documentos secretos.
As referências fazem parte de
mais de 600 telegramas desclassificados pelos Estados Unidos -- ainda que com
secções secretas -- referentes ao período entre o entre final de 1998 e o
início da presidência do líder indonésio Abdurrahman Wahid, em 2000, a que a Lusa teve
acesso.
Um dos documentos, de 30 de
setembro, 10 dias depois do começo da missão da INTERFET em Timor-Leste,
detalha o encontro do então secretário de Defesa norte-americano, William S.
Cohen, com o então comandante das forças indonésias, o general Wiranto.
Esse documento da embaixada dos
Estados Unidos em Jacarta, nota que Cohen disse a Wiranto que os Estados Unidos
estavam empenhados numa Indonésia "estável, prospera e unida", mas
que "os eventos em Timor-Leste tinham tornado isso impossível sem uma
correção significativa do lado indonésio".
"Nenhum grau de alegadas
irregularidades eleitorais pode justificar a onda de violência que eclodiu em
Timor-Leste. O apoio das TNI (forças indonésias) às milícias era evidentemente aparente
e totalmente inaceitável", refere o texto, que sumariza as declarações de
Cohen.
"A INTERFET deve poder fazer
o seu trabalho sem ser assediada. É necessário haver uma responsabilização
transparente para lidar com os que cometeram atrocidades", refere.
"Sem estes passos, não será possível considerar a recuperação de uma
relação normalizada", conclui o texto.
Instado a interpretar o
documento, o académico australiano Clinton Fernandes diz que esta intervenção
dos Estados Unidos -- "mostrando que havia um novo leão na floresta a
dizer ao predador mais fraco para parar" -- foi essencial para garantir o
êxito da missão da INTERFET.
"Mas tragédia real desta
conversa é que poderia ter ocorrido em qualquer altura dos 24 anos de ocupação
ilegal indonésia de Timor-Leste. Durante a invasão de 1975 ou até em 1999, no
período até ao referendo", afirmou à Lusa em Díli.
Ex-militar australiano e
responsável pela Timor Desk da Força de Defesa Australiana a partir de 1998,
Clinton Fernandes esteve destacado no Australian Army Intelligence Corps
(AUSTINT) e é atualmente professor de Estudos Políticos e Internacionais na
Universidade de NSW-Camberra, tendo publicado vários artigos e livros sobre
Timor-Leste.
Fernandes destaca o papel
importante que a presença de soldados australianos teve em Timor-Leste depois
da onda de violência pós-referendo, notando que muitos foram "pessoalmente
transformados por essa experiência" no país.
Porém, insiste, em termos
diplomáticos e políticos, foi essencial o apoio dos Estados Unidos,
especialmente porque, considera, a Austrália "tentou durante todo o ano de
1999 manter uma força internacional fora de Timor-Leste".
"Nunca teria havido INTERFET
sem o poder dos Estados Unidos. Em 1999 a Austrália foi o aliado diplomático ideal
da Indonésia. Deu cobertura diplomática à campanha indonésia para continuar a
reter Timor-Leste", defende Fernandes.
"Não foi até 07 de setembro
que se vergou perante um tsunami de pressão pública e decidiu, chapéu na mão,
ir pedir ajuda aos Estados Unidos", afirmou.
A tensão sobre esta questão é
evidente num dos telegramas desta coleção, datado de 02 de agosto de 1999 e
oriundo da embaixada dos EUA em Camberra refere que o então ministro dos
Negócios Estrangeiros australiano, Alexander Downer -- que durante todo o ano
de 1999 tentou minimizar a violência indonésia em Timor-Leste -- tinha ficado
"furioso" com notícias que apontam a discrepâncias entre Camberra e
Washington sobre uma força internacional em Timor-Leste.
Downer negou as notícias e depois
ordenou ao seu departamento enviar "notas de imprensa" que os EUA
deveria usar para igualmente negar as notícias caso houvesse perguntas dos
jornalistas nesse sentido.
Agora, 20 anos depois, Clinton
considera que Camberra "quer vestir o fato de salvador" em 1999,
quando "para o Governo australiano, Timor-Leste foi sempre o país
inconveniente".
"O destacamento da INTERFET
reverteu duas décadas de empenho da diplomacia australiana de tentar ter acesso
aos recursos petrolíferos de Timor-leste e até depois da INTERFET vemos claramente
esforços da Austrália para continuar a reter controlo dos recursos
timorenses", disse.
Clinton diz que este mês de
agosto e além dos 20 anos do referendo se comemora outro aniversário: "os
15 anos da ação de espionagem australiana ao Conselho de Ministros"
timorense.
Um dos documentos - datado 20 de
setembro de 1999, o primeiro dia da missão da INTERFET em Timor-Leste -- é um
dos que detalham o principal objetivo do que foi a campanha de terror indonésia
em 1999.
Enviada do cônsul em Surabaya, o
telegrama cita "várias fontes" em Timor Ocidental que explicam que a
deslocação forçada de refugiados timorenses para a metade indonésia da ilha
pretendia "enfraquecer a legitimidade do referendo da ONU".
A estratégia, explica, era de que
o referendo não era legitimo porque muitos tinham "fugido" para Timor
Ocidental e que, por isso, a Indonésia deveria rejeitar o resultado do
referendo.
O documento confirma outros
telegramas secretos divulgados em 2002 pelo jornalista australiano Hamish
McDonald sobre telefonemas do responsável militar indonésio em Timor-Leste,
Zacky Anwar, a 04 de setembro, sobre como estava a decorrer a contagem dos
votos do referendo de 30 de agosto.
Nessa conversa Anwar mostra-se
surpreendido quando a informação aponta a que o apoio à autonomia é de menos de
20%.
O telegrama de 20 de setembro
nota que para muitos do lado indonésio "era inconcebível" haver um
apoio tão grande à independência, "com as milícias a reportarem que
controlavam nove dos 13 distritos".
ASP // PJA
Sem comentários:
Enviar um comentário