Em ações simultâneas, e
possivelmente coordenadas, Trump, Boris Johnson e Bolsonaro radicalizam
posições, afastam antigos aliados e ampliam ataque à democracia. Há estratégia
por trás deste movimento? Como revertê-lo?
John Feffer, do Foreign Policy in Focus |
Tradução: Gabriela Leite
A estupidez não tira férias?
No final de agosto, a troika
ultradireitista formada por Donald Trump, Boris Johnson e Jair Bolsonaro provou
mais uma vez que os Estados Unidos, o Reino Unido e o Brasil estariam até
melhores sem governante algum do que com esses personagens duvidosos que fingem
governar os países.
Nos três casos, os governantes
intensificaram suas políticas de destruição nacional nos últimos meses, de
maneira a afastar até seus apoiadores antigos. Mais uma vez, demonstraram que
não têm qualquer interesse em “make America, Reino Unido ou Brasil great
again”. Só estão interessados em fazer o maior estrago possível até que sejam
arrastados para fora do poder.
Boris Johnson tenta um golpe
Boris Johnson é um malandro
trapalhão com uma obsessão única: o Brexit. Prometeu cortar as relações do
Reino Unido com a União Europeia até 31 de outubro mesmo que isso signifique
fazê-lo sem um acordo que diminua as dores da separação.
A data limite, coincidente com o
Halloween, é sombriamente apropriada. Um Brexit sem acordo daria um ótimo filme
de terror sangrento. Meta uma máscara de fantasma no primeiro ministro
britânico, dê a ele uma faca para decepar o cordão umbilical com a Europa e voilà:
“Pânico 5” .
A última tática de Johnson para
conseguir o que quer foi suspender o parlamento por cinco semanas, para limitar
o debate sobre alternativas à sua opção pelo dia do juízo final. Espera fazer
com que seja impossível para o parlamento aprovar até mesmo uma legislação de
emergência que impeça o Brexit sem acordo. Parece inacreditável, mas o sistema
britânico permite tais manobras. Por isso, a rainha Elizabeth teve que dar a
bênção à suspensão.
Quando Trump se envolve em suas
atividades antidemocráticas, o Partido Republicano geralmente costuma
tolerá-lo. Mas não é assim no Reino Unido, onde até os conservadores estão em
pé de guerra por causa do golpe silencioso de Johnson. Depois do anúncio de
suspensão ser feito pelo primeiro ministro, o “chicote”¹ do governo na Câmara
dos Lordes renunciou, assim como o líder do Partido Conservador Escocês. O ex
primeiro ministro Conservador John Major, enquanto isso, atacou Johnson e uniu-se à
objeção legal à suspensão.
Essa semana, Johnson perdeu a
maioria que tinha no parlamento por um voto, quando o membro do Partido
Conservador Philip Lee desertou para
o lado dos Democratas Liberais, no momento em que o primeiro ministro falava à
câmara.
A maior parte dos membros do
parlamento, incluindo alguns Conservadores, opõe-se à saída da União Europeia
sem acordo. Não importa: Johnson está seguindo o roteiro de Trump, ao refazer o
Partido Conservador de acordo com sua própria imagem, ameaçando
banir quem não siga sua linha dura. Após perder um voto, o que permite
que o parlamento apresente uma lei para atrasar o Brexit, Johnson expulsou 21
dissidentes, incluindo alguns antigos ministros e o neto de Winston Churchill.
Agora, Johnson fala em realizar
eleições relâmpago em meados de outubro. Os Conservadores superam
confortavelmente os Trabalhistas, os Democratas Liberais e os Verdes. No
entanto, se todas as forças dos que se opõem ao Brexit se unirem contra
Johnson, poderão sair vitoriosas. Mas Johnson pode, também, prometer eleições
para 14 de outubro e em seguida, de surpresa, adiá-las até
depois do Halloween, fazendo do Brexit um fato consumado.
Uma vez Johnson disse:
“Brexit quer dizer Brexit, e nós o obteremos com sucesso titânico”. Determinado
a fazer a coisa errada mesmo sabendo que está errada, Johnson está conduzindo o
Reino Unido em direção a um iceberg. Nigel Farage, seu marinheiro chefe, e o
resto do país estão aglomerados na proa, preparando-se para o impacto.
Caso houvesse um segundo
referendo, cabeças mais sábias poderiam tomar o controle do leme e evitar
desastres, mas Johnson está fazendo de tudo para acelerar a saída, seguindo o
princípio de que não importa em que direção você vai, desde que vá depressa.
Bolsonaro abana as chamas
A estupidez adora companhia.
Jair Bolsonaro chama a si mesmo
de Trump dos trópicos. A comparação é adequada. Algum poeta do futuro, ao
descrever o inferno do presente, vai meter Trump, Bolsonaro e Johnson primeiro
pelos pés na boca do Demônio do nono círculo. Por ter alimentado os incêndios
das mudanças climáticas, Bolsonaro certamente merecerá tal destino após a
morte.
Como a revista britânica The
Economist aponta,
Bolsonaro como candidato prometeu acabar com as multas por violações de leis
ambientais, diminuir as áreas de proteção que representam metade da Amazônia
brasileira e lutar contra as ONGs, pelas quais ele guarda um ódio visceral.
Como presidente, seu governo estripou o ministério do Meio Ambiente e o Ibama,
agências ambientais semiautônomas. Seis dos dez cargos mais antigos da
Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável, no ministério, estão
vagos, de acordo com seu website. O governo fala de uma tal “capitalização” da
Amazônia, mas sabotou um fundo de 1,3 bilhões de dólares que tinham o objetivo
de valorizar a floresta em pé.
Resultado da política de não
intervenção de Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia saiu de controle, este
ano. Encorajados pelas ações presidenciais, fazendeiros brasileiros organizaram
um “Dia do Fogo” para fazer uma limpa na terra, para plantações. “Precisamos
mostrar para o presidente que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando.
Para formar e limpar nossas pastagens, é com fogo”, disse um dos organizadores
da ação. O número de queimadas na Amazônia quase dobrou, neste ano, se
comparado ao mesmo período do ano passado.
Não é como se o mundo já não
tivesse sido avisado. As queimadas da Amazônia foram capa da revista
norte-americana Time exatamente trinta anos atrás.
Dessa vez, o impacto é direto. A
Amazônia captura enormes
quantidades de carbono. Queimá-la significa acelerar o aquecimento global.
Também haverá uma perda de biodiversidade irreversível. O “lado bom”? Mais
soja, que o Brasil pode vender à China, porque ela não está mais comprando as
colheitas de fazendeiros dos EUA.
Ah, e mais lucros no bolso dos
amigos de Bolsonaro, das indústrias que estão pavimentando o paraíso da
Amazônia e abrindo um estacionamento por cima.
Trump destrói o planeta
Donald Trump é uma mariposa que
não consegue interromper sozinha seu voo em direção às chamas da fama (ou, mais
precisamente, ao inferno da infâmia). Podia ficar fora do Twitter, mas ao invés
disso, seus tuítes irritam eleitor após eleitor. Poderia manter-se longe da
imprensa, mas suas mentiras, gafes e ataques pessoais são amplificados por todo
o universo da mídia. Indiscutivelmente, essa é uma estratégia para tornar sua
base sólida e reforçar sua falsa imagem de mosca na sopa do establishment.
Mas não há estratégia política
por trás de sua guerra comercial com a China e suas ameaças impulsivas do mês
passado de aumentar ainda mais as tarifas sobre produtos chineses. O dano à sua
base preocupa seus assessores políticos: diga adeus ao voto dos fazendeiros, um
bom naco de seus eleitores de colarinho azul jogados no lixo e um punhado de
consumidores médios irritados por ter que gastar mais dinheiro com presentes de
Natal.
Pode piorar, se houver uma
recessão econômica mais geral, trazida por essa guerra comercial sem
necessidade, o que condenaria as chances de reeleição do presidente. Sim, a
economia dos Estados Unidos deve sofrer uma “correção”, particularmente por
causa dos cortes de impostos de Trump e de seus gastos exagerados. Mas se Trump
jogasse com segurança, provavelmente conseguiria postergar a crise até depois
das eleições de 2020. Ao invés disso, está fazendo tudo que pode para assegurar
que ela aterrisse precisamente no momento da corrida presidencial.
Trump não é apenas
autodestrutivo. Ele continua, ao longo das duas últimas semanas, a destruir as
alianças dos EUA, mais recentemente ao expressar interesse na compra da
Groenlândia, que pertence à Dinamarca. O território não estava à venda, como o
governo dinamarquês relembrou, o que fez Trump cancelar sua viagem ao país.
Groenlândia? Sério?! Talvez Trump
estivesse indiretamente reconhecendo os efeitos das mudanças climáticas,
tentando conquistar terras ao norte, para garantir o lugar do palácio de verão
de sua filha Ivanka e Jared, seu genro.
Enquanto isso, Trump está
acelerando em velocidade máxima na direção do apocalipse climático. O último
movimento de seu governo foi remover restrições às emissões de metano, causador
de aquecimento global mais potente que o dióxido de carbono. O esforço é
projetado para reduzir os custos de empresas de petróleo e gás. Mas adivinhe
só? Até algumas das maiores empresas de energia se opõem à medida de Trump.
“Ano passado anunciamos nosso
apoio à regulação direta das emissões de metano para instalações de petróleo e
gás, novas e existentes”, disse o porta-voz da Exxon Mobil, Scott Silvestri.
“Isso não mudou. Nós continuamos insistindo que a Agência de Proteção Ambiental
dos Estados Unidos mantenha as principais características das regras existentes
para o metano”. No fim das contas, a Exxon, a British Petroleum e outras estão
dizendo que tornarão o gás natural parte da solução às mudanças climáticas,
enquanto o governo de Trump ocupa-se de destruir estes argumentos…
As restrições ao metano que Trump
está tentando desfazer foram criadas no governo de Obama. Mas o governo atual
quer rasgar acordos muito mais antigos. O governo de Clinton criou proteção à
Floresta Nacional de Tongass, no Alasca, da exploração madeireira e da
mineração. Mas Trump quer abrir esse santuário de 6,8 milhões de hectares aos
conhecidos suspeitos das indústrias extrativistas. Não é só um pequeno pedaço
de terra. Representa metade da floresta temperada úmida do mundo.
Bolsonaro, pelo menos, só está
interessado em destruir uma floresta tropical (apesar de ela ser gigante).
Boris Johnson se contenta em destruir apenas um país (apesar de que é um bem
rico). Donald Trump, com o ego que lhe é próprio, tem aspirações de destruir o
planeta inteiro. Sim, os três vão, em algum momento, arder em chamas. Mas não
antes de deixarem a terra em brasas.
Uma ambientalista confessou ao
jornalista Alan Weisman que, antes das eleições de 2016, estava considerando
votar em Trump. “Da maneira que eu vejo”, ela disse, “ou são mais quatro anos
em UTI com Hillary, ou deixar esse maníaco arrasar toda a casa. Talvez então
possamos juntar os pedaços e finalmente começar a reconstruir”.
A filosofia segundo a qual “as
coisas têm que piorar antes de melhorar” funcionou em algumas vezes, no
passado. Mas não é mais assim.
A menos que o paremos,
terminaremos tendo que vasculhar as cinzas pós-Trump em vão, à procura de
pedaços. A casa não existirá mais. E não haverá nada que possamos salvar para
reconstruí-la.
Unless we stop him, we’ll be
rooting around in the post-Trump ashes in vain for the pieces. The house will
be gone. And there will be nothing we can salvage to rebuild it. (Republished,
with permission, from
[1] Segundo a Wikipedia, “whip”
é o deputado encarregado de assegurar a comparência e a disciplina de voto dos
outros eleitos pelo partido, de acordo com as orientações partidárias
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