Ao considerar ilegal a suspensão
forçada do Parlamento, Suprema Corte britânica infligiu uma derrota esmagadora
ao primeiro-ministro. Johnson, que pensava estar acima da lei, deveria agora
renunciar, opina Barbara Wesel*.
A vaidade precede o ocaso. Isso
vale para o desrespeito às regras constitucionais que substituem uma
Constituição escrita no Reino Unido. Aplica-se ao desrespeito às leis e à
independência judicial. E também se refere ao desrespeito ao Parlamento e a seus
direitos e responsabilidades.
Boris Johnson achou que poderia
desprezar tudo isso e impor sua ideia para o Brexit como um governante
autoritário. O veredito da Suprema Corte britânica cai como um machado afiado
sobre as ambições antidemocráticas do primeiro-ministro.
Os juízes da mais alta corte do
Reino Unido decidiram por unanimidade o que ninguém esperava: eles declararam o
processo de suspensão do Parlamento ilegal desde o início. Uma hora depois, os
primeiros parlamentares voltaram simbolicamente aos bancos da Câmara dos
Comuns.
A única coisa de que Boris
Johnson foi poupado pelo tribunal foi a constatação direta de que ele mentiu
para a rainha Elizabeth 2ª quando a aconselhou a colocar o Parlamento em
recesso forçado. Mas o raciocínio da corte aponta para essa mentira.
Cabe aos deputados exigir
responsabilidades do governo, e o primeiro-ministro não pode suspender
esse direito e dever a seu bel-prazer – e com justificativas falsas –,
constatou claramente a Suprema Corte em Londres.
O veredito significa muito mais
do que um golpe político devastador para Boris Johnson: constata de uma
vez por todas que o Executivo não pode mudar o equilíbrio de poder entre o
Parlamento e o governo à vontade em seu próprio benefício.
As ações do Executivo são
sempre e em todas as circunstâncias passíveis de avaliação por parte dos
representantes eleitos. Juristas britânicos estão chamando a sentença de um
terremoto legal, porque o princípio foi reconhecido agora por um veredito da
Suprema Corte, que cria ele próprio a lei.
Em circunstâncias normais, essa
decisão seria uma razão para renúncia imediata. Pela primeira vez na história
britânica, o mais alto tribunal determinou que um primeiro-ministro agiu
ilegalmente numa questão tão elementar.
Mas Boris Johnson provavelmente
se apegará a seu princípio de que a audácia triunfa. A oposição deve agora se
unir e acabar com a maldição na Downing Street.
Um governo de transição seria a
melhor forma de sair do impasse político, também no que diz respeito ao
tratamento que se vai dar ao Brexit.
Johnson causou mais danos às
instituições democráticas do país em seu pouco tempo no poder do que outros em
uma década. Ele mostrou que despreza fundamentalmente as leis e regras do Reino
Unido e as pisoteia.
O caso levou o político
conservador John Major – primeiro-ministro do país até 1997 – a entrar com uma
ação contra Johnson, também conservador, perante a Suprema Corte. O
partido deveria resgatar o restante de sua credibilidade e se separar do grande
destruidor de seus valores e princípios.
Mas, além do fato de a Suprema
Corte ter consagrado e fortalecido os direitos do Parlamento, há outro aspecto
encorajador nesse processo em Londres. Ele mostra que cidadãos individuais não
estão indefesos contra a destruição dos princípios democráticos.
Pela segunda vez, a empresária
Gina Miller levou à Suprema Corte – com sacrifícios pessoais e financeiros
– sua luta pela manutenção da democracia parlamentar, vencendo mais uma vez.
Foi ela quem interpôs o processo,
e foi principalmente seu advogado quem convenceu o tribunal com a clareza de
seus argumentos. O exemplo deles mostra que vale a pena lutar, que os
indivíduos não precisam aceitar em silêncio quando governos desmontam a
democracia.
Mas Boris Johnson, que pensava
estar acima da lei, deveria se esconder de vergonha dentro de um buraco. Agora
cabe à oposição colocar uma tampa ali e garantir que ele desapareça para sempre
da política britânica.
E, seguindo o exemplo da Roma
Antiga, resta então entregar seu nome ao esquecimento. Não pode haver punição
maior para um primeiro-ministro tão ávido por reconhecimento.
* Barbara Wesel | Deutsche Welle
| opinião
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