quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Golpe avassalador para Boris Johnson


Ao considerar ilegal a suspensão forçada do Parlamento, Suprema Corte britânica infligiu uma derrota esmagadora ao primeiro-ministro. Johnson, que pensava estar acima da lei, deveria agora renunciar, opina Barbara Wesel*.

A vaidade precede o ocaso. Isso vale para o desrespeito às regras constitucionais que substituem uma Constituição escrita no Reino Unido. Aplica-se ao desrespeito às leis e à independência judicial. E também se refere ao desrespeito ao Parlamento e a seus direitos e responsabilidades.

Boris Johnson achou que poderia desprezar tudo isso e impor sua ideia para o Brexit como um governante autoritário. O veredito da Suprema Corte britânica cai como um machado afiado sobre as ambições antidemocráticas do primeiro-ministro.

Os juízes da mais alta corte do Reino Unido decidiram por unanimidade o que ninguém esperava: eles declararam o processo de suspensão do Parlamento ilegal desde o início. Uma hora depois, os primeiros parlamentares voltaram simbolicamente aos bancos da Câmara dos Comuns.

A única coisa de que Boris Johnson foi poupado pelo tribunal foi a constatação direta de que ele mentiu para a rainha Elizabeth 2ª quando a aconselhou a colocar o Parlamento em recesso forçado. Mas o raciocínio da corte aponta para essa mentira.

Esta é uma luta entre a mãe dos parlamentos e o pai da mentira, formulou um advogado de acusação durante o julgamento. A democracia parlamentar sai vitoriosa dessa luta.

Cabe aos deputados exigir responsabilidades do governo,  e o primeiro-ministro não pode suspender esse direito e dever a seu bel-prazer – e com justificativas falsas –, constatou claramente a Suprema Corte em Londres.

O veredito significa muito mais do que um golpe político devastador para Boris Johnson: constata de uma vez por todas que o Executivo não pode mudar o equilíbrio de poder entre o Parlamento e o governo à vontade em seu próprio benefício.

As ações do Executivo são sempre e em todas as circunstâncias passíveis de avaliação por parte dos representantes eleitos. Juristas britânicos estão chamando a sentença de um terremoto legal, porque o princípio foi reconhecido agora por um veredito da Suprema Corte, que cria ele próprio a lei.

Em circunstâncias normais, essa decisão seria uma razão para renúncia imediata. Pela primeira vez na história britânica, o mais alto tribunal determinou que um primeiro-ministro agiu ilegalmente numa questão tão elementar.

Mas Boris Johnson provavelmente se apegará a seu princípio de que a audácia triunfa. A oposição deve agora se unir e acabar com a maldição na Downing Street.
Um governo de transição seria a melhor forma de sair do impasse político, também no que diz respeito ao tratamento que se vai dar ao Brexit.

Johnson causou mais danos às instituições democráticas do país em seu pouco tempo no poder do que outros em uma década. Ele mostrou que despreza fundamentalmente as leis e regras do Reino Unido e as pisoteia.

O caso levou o político conservador John Major – primeiro-ministro do país até 1997 – a entrar com uma ação contra Johnson, também conservador, perante a Suprema Corte. O partido deveria resgatar o restante de sua credibilidade e se separar do grande destruidor de seus valores e princípios.

Mas, além do fato de a Suprema Corte ter consagrado e fortalecido os direitos do Parlamento, há outro aspecto encorajador nesse processo em Londres. Ele mostra que cidadãos individuais não estão indefesos contra a destruição dos princípios democráticos.

Pela segunda vez, a empresária Gina Miller levou à Suprema Corte – com sacrifícios pessoais e financeiros – sua luta pela manutenção da democracia parlamentar, vencendo mais uma vez.

Foi ela quem interpôs o processo, e foi principalmente seu advogado quem convenceu o tribunal com a clareza de seus argumentos. O exemplo deles mostra que vale a pena lutar, que os indivíduos não precisam aceitar em silêncio quando governos desmontam a democracia.

Mas Boris Johnson, que pensava estar acima da lei, deveria se esconder de vergonha dentro de um buraco. Agora cabe à oposição colocar uma tampa ali e garantir que ele desapareça para sempre da política britânica.

E, seguindo o exemplo da Roma Antiga, resta então entregar seu nome ao esquecimento. Não pode haver punição maior para um primeiro-ministro tão ávido por reconhecimento.

* Barbara Wesel | Deutsche Welle | opinião

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