quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Os malditos populistas


Um brasileiro enviado por Deus, um americano brigão e um britânico que enganou o povo e a rainha: esta semana nos mostrou como a democracia está ameaçada em muitos países. E por populistas eleitos, opina Martin Muno*.

Mas que dia! No início desta terça-feira (24/09), o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, sofreu uma derrota na Suprema Corte que teria sido considerada devastadora em tempos normais do passado. Por unanimidade, o tribunal considerou "ilegal, nula e sem efeito" a imposição – iniciada pelo primeiro-ministro – de uma pausa obrigatória ao Parlamento britânico.

Em tempos anteriores, esse veredito teria significado o fim de qualquer chefe de governo britânico, incluindo o homem que acabou de tomar posse e que tentou, de uma forma escrúpula, dobrar a Constituição tácita, trair a rainha e silenciar o poder soberano – isso é, o Parlamento eleito pelo povo. Mas os tempos são diferentes. Johnson quer permanecer no cargo, e ele – conforme profetizado – permanecerá como PM por enquanto.

Outra coisa impensável há alguns anos seria a aparição de um presidente eleito que se apresenta como um quase enviado por Deus. No início de seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Jair Bolsonaro agradeceu a Deus pela oportunidade de "restabelecer a verdade". Ele explicou imediatamente o que entende por isso: "Nossa Amazónia permanece praticamente intocada" e "é um equívoco afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo". No entanto, há algumas semanas o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou que a destruição da floresta tropical na Amazônia quase dobrou em um ano.


O segundo discurso nas Nações Unidas também foi bizarro: Donald Trump, o "Grande Mestre do Populismo". Sua caminhada até a tribuna, suas expressões faciais e seu discurso lido de forma monótona – tudo isso demonstra o desprezo que ele tem por essa assembleia da comunidade mundial. E ele diz isso claramente: "O futuro não pertence aos globalistas, mas aos patriotas." Quer dizer, se todos lutam contra todos, todos ficam melhor. O dia foi coroado de forma dramatúrgica com a notícia, após o discurso, de que Trump foi confrontado com um processo de impeachment.

Para ser claro: não se trata aqui de todos os ditadores manchados de sangue que também estavam em Nova York. Trata-se de políticos eleitos que governam países onde ainda existem estruturas democráticas amplas.

Pode-se rir dos políticos arrogantes e expansivos que zombam de qualquer verdade. Esses três homens entre a meia-idade e a velhice não parecem se encaixar no complexo mundo digital do século 21, onde o nerd barbudo deveria ser o arquétipo masculino.

Mas esse não é o caso. Em muitos países trava-se uma luta de populistas contra a democracia, não somente no Reino Unido, Brasil e Estados Unidos. Se houvesse novas eleições na Itália, o extremista de direita Matteo Salvini teria sido eleito o novo primeiro-ministro. Há anos os populistas governam na Hungria, Polónia e República Checa. Na França, só o liberal Emmanuel Macron, que governa com truques populistas, impede o surgimento de um governo populista de direita.

E onde quer que governem, eles tomam os mesmos três caminhos para minar a democracia. O primeiro é tentando diluir a diferença entre verdade e mentira, mentindo constantemente e amordaçando a imprensa livre. Isso pode ser feito simplesmente ao não dar crédito, ao falar de fake news ou ao banir e comprar editoras privadas.

A segunda maneira é construindo a imagem do inimigo: sejam minorias, refugiados, migrantes e membros de outras religiões ou, simplesmente, intelectuais. O "nós aqui contra eles lá" é praticamente o martelo na caixa de ferramentas do populismo. E qualquer um que critica Trump, Bolsonaro e companhia é automaticamente colocado fora desse "nós" coletivo.

O terceiro caminho é tentando enfraquecer ou mesmo dissolver as instituições democráticas. Foi aqui que Boris Johnson se posicionou duas vezes: por um lado, silenciando o Parlamento e, por outro, anunciando que não respeitaria as decisões da Câmara dos Comuns.

Mas o caso Johnson, em particular, mostra que as democracias não estão indefesas: é significativo que Brenda Hale – presidente da Suprema Corte, uma mulher instruída, com argumentos calmos, definidos e racionais – tenha ajudado o Parlamento a recuperar seus direitos. A mulher com o broche de aranha freia o impetuoso primeiro-ministro com o poder das palavras. E isso é reconfortante.

*Martin Muno | Deutsche Welle | opinião

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