quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Portugal | DONA BANCA


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Ocasionalmente, somos sacudidos por um sinal de vida da Autoridade da Concorrência (AdC). O que, não sendo de todo animador, é mais do que podemos dizer da atividade fiscalizadora do Banco de Portugal. Desta vez, a pedrada ecoou fundo na credibilidade da Banca.

Numa decisão histórica, a AdC aplicou uma multa de 225 milhões de euros a 14 instituições bancárias por, durante mais de dez anos, terem trocado informações sensíveis sobre ofertas comerciais. O típico cartel. Acertaram preços sobre crédito à habitação, ao consumo e às empresas, combinaram estratégias, potenciaram lucros. Prejudicaram clientes. Tão profissionais e empenhados no antes como no depois, ou não tivessem apresentado 43 recursos sob a forma de travão.

Apesar de o esquema ter proliferado entre 2002 e 2013, o regulador esperou sete anos para poder agir com mão de ferro, após a primeira denúncia de uma entidade financeira entretanto perdoada. E só não foi mais duro porque o Banco de Portugal não deixou que a multa atingisse o limite legal, equivalente a 10% do volume de negócios dos prevaricadores. Justificação: tal punição poderia colocar em risco a "estabilidade financeira e a resiliência de um número significativo de instituições". Versão que a Autoridade da Concorrência rejeita, ao garantir que esse corretivo pecuniário seria, mesmo assim, condizente na proporção com as centenas de milhões de euros de crédito concedidas pela Banca, em especial durante os anos da crise e da intervenção da troika.

Já tínhamos percebido que ao Banco de Portugal escaparam (quase) todas as patifarias cometidas pelo setor financeiro na última década, mas faltava-nos este gomo de indecência. Não falamos de um ano nem de cinco. Esta prática concertada vigorou impunemente entre 2002 e 2013, nas barbas de dois governadores (Vítor Constâncio e Carlos Costa). Ora, perante isto, o mesmo Banco de Portugal que não desconfiou de nada mostra estar mais preocupado em proteger o sistema que sucessivamente o ludibria do que os consumidores que servem o sistema. Saber que, de entre todos os envolvidos, a Caixa Geral de Depósitos, o banco público, foi o mais castigado, por supostamente ter sido o mais comprometido com as ilegalidades, só torna mais fétida esta sujeira.

*Diretor-adjunto

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