domingo, 22 de setembro de 2019

Portugal | PAN (fleto)


Anselmo Crespo | Diário De Notícias | opinião

Há um mérito que já ninguém pode retirar ao PAN: colocou o ambiente, os direitos dos animais e as alterações climáticas na agenda política nacional. E não é de agora. Começou há quatro anos, quando André Silva conseguiu ser o primeiro deputado do partido a ser eleito para a Assembleia da República e foi conseguindo, ao longo da legislatura, impor algumas das propostas que o partido Pessoas Animais e Natureza tem na sua agenda. Mas o grito do ipiranga do PAN promete ser este ano. Não há político que queira atacar esta agenda, nem jornalista que ouse ignorar o crescimento nas sondagens do partido dos animais. Que o PAN vai crescer eleitoralmente, disso, não tenho dúvidas. Se esse crescimento tem substância, é outra discussão.

Os temas do PAN são "fofinhos" e entram muito bem no eleitorado mais urbano. Gente que só conhece o mundo rural quando vai "à terra" ou que, já tendo lá vivido, está há muitos anos na cidade e passou a ter uma outra perspetiva sobre os animais, sobre a forma como se alimenta e, sobretudo, sobre as ações do dia a dia - que são diferentes na cidade e no campo - e que podem, a verdade, inverter este ciclo suicida em que estamos. Esta é uma agenda que pode até ser imbatível do ponto de vista eleitoral, mas é claramente insuficiente.

Nunca como este ano houve tanta gente a ler o programa eleitoral do PAN. E isso, em princípio, seria bom. Não só porque a democracia pode ter muito a ganhar com este novo player político, mas também porque o escrutínio devia, em princípio, ser muito maior. E é aqui, creio, que reside o principal problema.


Os partidos políticos anteciparam o crescimento eleitoral do PAN muito antes das sondagens e dos debates que têm acontecido na comunicação social nas últimas semanas. Não há programa, da esquerda à direita, que não dê prioridade às alterações climáticas e que não proponha medidas para as combater. A discussão tornou-se tão ridícula que houve mesmo debates onde se perdeu tempo a discutir quem é que dava mais prioridade às alterações climáticas e em que capítulo estava este tema no programa. Mas a verdade é que, até agora, quase nenhum adversário político do PAN - com exceção, talvez, de António Costa e de Catarina Martins - conseguiu debater de igual para igual com André Silva sobre estes temas. Ninguém conseguiu desmontar uma narrativa que é tantas vezes fundamentalista, radical e que assenta menos na ciência e mais em convicções pessoais. Ninguém quer "bater" no PAN porque tem receio que isso faça perder votos. É a velha máxima do "se não os podes vencer, junta-te a eles" - e talvez se consiga, com isso, capitalizar algum eleitorado.

O escrutínio falha também pelo lado jornalístico. A especialização nas redações é um conceito em vias de extinção e a capacidade para estudar, questionar e, sobretudo, desmontar os argumentos do PAN é cada vez mais diminuta, para não dizer - em algumas redações - inexistente. Vale, por isso, o "achómetro" de cada um. E isso, é tudo menos jornalismo.

O outro grande problema que se coloca com a agenda do PAN é a sua finitude. Ela começa nos animais, passa pela natureza e só depois, de forma muito equívoca, vêm as pessoas, invertendo por completo a sigla que dá nome ao partido. E a prova disso mesmo são os debates, nos quais o tema dominante foram as alterações climáticas, o ambiente ou os animais.

Este é o partido que não faz a menor ideia de como funciona a Segurança Social e, muito menos, um sistema contributivo assente no princípio da solidariedade entre gerações. Que defende um teto para as reformas mais altas, ignorando por completo o impacto que esse teto pode ter na confiança dos contribuintes. Este é o partido que defende "um regime de proteção de denunciantes que garanta o anonimato e a segurança dos denunciantes", mesmo que eles sejam criminosos. Uma espécie de delação premiada, a que o PAN não chama delação premiada, mas que depois não sabe explicar porquê. É o partido que tem como grandes propostas para o Serviço Nacional de Saúde, e passo a citar, "dotá-lo de meios financeiros, técnicos e humanos necessários, (...) reforçar diversas especialidades, nomeadamente psicologia, nutrição, oftalmologia, obstetrícia, pediatria, pedopsiquiatria e a medicina física e de reabilitação, atribuir um médico de família a todos os utentes e aumentar a cobertura do SNS nas áreas da saúde oral e da saúde visual." Ah, claro, e melhorar a alimentação das pessoas para elas não adoecerem tanto. Esta parte não é uma citação, é um resumo. Este é o partido que, sobre educação, escreve várias banalidades no programa eleitoral - muitas delas quase incompreensíveis -, das quais seleciono esta: "Há que avaliar o sistema e promover a avaliação contínua dos estudantes respeitando tempos de aprendizagem individuais."

Nada disto retira a importância que o PAN tem hoje na democracia portuguesa e, sobretudo, a que ainda pode vir a ter. Pela agenda que conseguiu impor, mas, mais ainda, pela influência que essa agenda pode provocar na vida das pessoas. Nas nossas vidas. No nosso país. No nosso planeta. Se o PAN for o "gatilho" para que os restantes partidos com representação parlamentar se mexam e comecem a ter ações mais concretas sobre a emergência climática em que vivemos, viva o PAN! Mas é preciso ter noção do que este partido representa no momento atual. Do que ainda tem para aprender, para estudar, para aprofundar do ponto de vista técnico e, sobretudo, político. Precipitar as coisas pode ser a morte de um projeto que pode ser importante para o País. E eu acho que o PAN faz falta ao país. Mas, votar PAN apenas porque defende os direitos do nosso cão ou do nosso gato, é curto. Muito curto. É votar num panfleto e não num programa eleitoral.

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