Anselmo Crespo | Diário De Notícias
| opinião
Há um mérito que já ninguém pode
retirar ao PAN: colocou o ambiente, os direitos dos animais e as alterações
climáticas na agenda política nacional. E não é de agora. Começou há quatro
anos, quando André Silva conseguiu ser o primeiro deputado do partido a ser
eleito para a Assembleia da República e foi conseguindo, ao longo da
legislatura, impor algumas das propostas que o partido Pessoas Animais e
Natureza tem na sua agenda. Mas o grito do ipiranga do PAN promete ser este
ano. Não há político que queira atacar esta agenda, nem jornalista que ouse
ignorar o crescimento nas sondagens do partido dos animais. Que o PAN vai
crescer eleitoralmente, disso, não tenho dúvidas. Se esse crescimento tem
substância, é outra discussão.
Os temas do PAN são
"fofinhos" e entram muito bem no eleitorado mais urbano. Gente que só
conhece o mundo rural quando vai "à terra" ou que, já tendo lá
vivido, está há muitos anos na cidade e passou a ter uma outra perspetiva sobre
os animais, sobre a forma como se alimenta e, sobretudo, sobre as ações do dia
a dia - que são diferentes na cidade e no campo - e que podem, a verdade,
inverter este ciclo suicida em que estamos. Esta é uma agenda que pode até ser
imbatível do ponto de vista eleitoral, mas é claramente insuficiente.
Nunca como este ano houve tanta
gente a ler o programa eleitoral do PAN. E isso, em princípio, seria bom. Não
só porque a democracia pode ter muito a ganhar com este novo player político,
mas também porque o escrutínio devia, em princípio, ser muito maior. E é aqui,
creio, que reside o principal problema.
Os partidos políticos anteciparam
o crescimento eleitoral do PAN muito antes das sondagens e dos debates que têm
acontecido na comunicação social nas últimas semanas. Não há programa, da
esquerda à direita, que não dê prioridade às alterações climáticas e que não
proponha medidas para as combater. A discussão tornou-se tão ridícula que houve
mesmo debates onde se perdeu tempo a discutir quem é que dava mais prioridade
às alterações climáticas e em que capítulo estava este tema no programa. Mas a
verdade é que, até agora, quase nenhum adversário político do PAN - com
exceção, talvez, de António Costa e de Catarina Martins - conseguiu debater de
igual para igual com André Silva sobre estes temas. Ninguém conseguiu desmontar
uma narrativa que é tantas vezes fundamentalista, radical e que assenta menos
na ciência e mais em convicções pessoais. Ninguém quer "bater" no PAN
porque tem receio que isso faça perder votos. É a velha máxima do "se não
os podes vencer, junta-te a eles" - e talvez se consiga, com isso,
capitalizar algum eleitorado.
O escrutínio falha também pelo
lado jornalístico. A especialização nas redações é um conceito em vias de
extinção e a capacidade para estudar, questionar e, sobretudo, desmontar os
argumentos do PAN é cada vez mais diminuta, para não dizer - em algumas
redações - inexistente. Vale, por isso, o "achómetro" de cada um. E
isso, é tudo menos jornalismo.
O outro grande problema que se
coloca com a agenda do PAN é a sua finitude. Ela começa nos animais, passa pela
natureza e só depois, de forma muito equívoca, vêm as pessoas, invertendo por
completo a sigla que dá nome ao partido. E a prova disso mesmo são os debates,
nos quais o tema dominante foram as alterações climáticas, o ambiente ou os
animais.
Este é o partido que não faz a
menor ideia de como funciona a Segurança Social e, muito menos, um sistema
contributivo assente no princípio da solidariedade entre gerações. Que defende
um teto para as reformas mais altas, ignorando por completo o impacto que esse
teto pode ter na confiança dos contribuintes. Este é o partido que defende
"um regime de proteção de denunciantes que garanta o anonimato e a
segurança dos denunciantes", mesmo que eles sejam criminosos. Uma espécie
de delação premiada, a que o PAN não chama delação premiada, mas que depois não
sabe explicar porquê. É o partido que tem como grandes propostas para o Serviço
Nacional de Saúde, e passo a citar, "dotá-lo de meios financeiros,
técnicos e humanos necessários, (...) reforçar diversas especialidades,
nomeadamente psicologia, nutrição, oftalmologia, obstetrícia, pediatria,
pedopsiquiatria e a medicina física e de reabilitação, atribuir um médico de
família a todos os utentes e aumentar a cobertura do SNS nas áreas da saúde
oral e da saúde visual." Ah, claro, e melhorar a alimentação das pessoas
para elas não adoecerem tanto. Esta parte não é uma citação, é um resumo. Este
é o partido que, sobre educação, escreve várias banalidades no programa
eleitoral - muitas delas quase incompreensíveis -, das quais seleciono esta:
"Há que avaliar o sistema e promover a avaliação contínua dos estudantes
respeitando tempos de aprendizagem individuais."
Nada disto retira a importância
que o PAN tem hoje na democracia portuguesa e, sobretudo, a que ainda pode vir
a ter. Pela agenda que conseguiu impor, mas, mais ainda, pela influência que
essa agenda pode provocar na vida das pessoas. Nas nossas vidas. No nosso país.
No nosso planeta. Se o PAN for o "gatilho" para que os restantes
partidos com representação parlamentar se mexam e comecem a ter ações mais
concretas sobre a emergência climática em que vivemos, viva o PAN! Mas é
preciso ter noção do que este partido representa no momento atual. Do que ainda
tem para aprender, para estudar, para aprofundar do ponto de vista técnico e,
sobretudo, político. Precipitar as coisas pode ser a morte de um projeto que
pode ser importante para o País. E eu acho que o PAN faz falta ao país. Mas,
votar PAN apenas porque defende os direitos do nosso cão ou do nosso gato, é
curto. Muito curto. É votar num panfleto e não num programa eleitoral.
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