O furto de material militar em
Tancos, em junho de 2017, levou, mais de um ano depois, à demissão do então
ministro da Defesa, Azeredo Lopes, que foi agora acusado pelo Ministério
Público de prevaricação, abuso de poder, denegação de justiça e favorecimento
pessoal. Estas são as respostas às principais perguntas sobre o caso.
Quantos arguidos acusou o
Ministério Público no caso Tancos?
O MP deduziu acusação contra 23
arguidos, no âmbito do furto e recuperação das armas de Tancos.
Estão acusados de que crimes?
Segundo comunicado da
Procuradoria-Geral da República (PGR) enviado às redações, nove dos 23
arguidos, suspeitos de terem planeado e executado o furto do material militar,
estão acusados por crimes de terrorismo (com referência ao crime de
furto), de tráfico e mediação de armas, de associação criminosa e tráfico de
estupefacientes.
O crime de terrorismo é imputado
pelo MP a Valter Abreu, Filipe Sousa, António José dos Santos Laranginha,
João Pais, Fernando Santos, Pedro Marques, Gabriel Moreira, Hugo Santos e João
Paulino.
Destes nove acusados do crime de
terrorismo, oito estão em prisão preventiva.
Os restantes 14 - em que se
incluem o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, oex-diretor da Polícia
Judiciária Militar (PJM), Coronel Luís Vieira, o ex-coordenador da
Investigação criminal da PJM, Major Vasco Brazão, militares da PJM (Major
Roberto Pinto da Costa, Sargento-chefe José Carlos Costa, Sargento Mário Lage
Carvalho) e da GNR (Coronel Taciano Teixeira, Coronel Amândio Marques,
Tenente-Coronel Luís Sequeira, Guarda Bruno Ataíde, Sargento Caetano Lima
Santos e Guarda José Gonçalves), e um técnico do laboratório da PJM (Nuno
Reboleira) - são suspeitos da encenação que esteve na base da recuperação
de grande parte do material.
Estão acusados pelos crimes de
favorecimento pessoal, denegação de justiça e prevaricação, sendo que alguns
estão também acusados por crimes de falsificação de documento, tráfico e
mediação de armas, e associação criminosa. No caso do ministro, está ainda
acusado de abuso de poder, tendo-lhe sido aplicada a proibição do exercício de
funções.
Paulo Lemos, conhecido por
"Fechaduras", foi ilibado pelo Ministério Público, por ter prestado
informações sobre o furto e a recuperação das armas de Tancos a uma procuradora
do Porto. Segundo o despacho do MP, o arguido mostrou
"arrependimento" e teve a idoneidade de explicar o que se tinha passado,
"para evitar que os crimes viessem a ser consumados".
Também Fernando Guimarães segue o
mesmo caminho que Paulo Lemos, com o Ministério Público a salientar que não
existem indícios suficientes para sustentar uma acusação.
Quais foram as medidas de coação
aplicadas aos acusados?
Dos 23 arguidos, oito acusados de
terrorismo estão em prisão preventiva, 11 (militares e técnico de laboratório)
foram suspensos de funções e os restantes ficaram sujeitos à medida de coação
de proibição de contactos. Segundo a PGR, o Ministério Público pediu ainda a
aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções a todos os
arguidos da PJM, da GNR e ao ex-ministro da Defesa, que se demitiu em outubro do ano passado para evitar
que as Forças Armadas fossem "desgastadas pelo ataque político" e
pelas "acusações" de que estaria a ser alvo.
Valter Abreu tem aplicado o Termo
de Identidade e Residência (TIR) com apresentações semanais na polícia.
A quem é atribuída a autoria do
furto?
O ex-fuzileiro João Paulino é
apontado como presumível autor do furto de armas do paiol da base militar de
Tancos. Está acusado de seis crimes: um de detenção de cartuchos e munições
proibidas e, em coautoria com outros arguidos, dois de associação criminosa, um
de tráfico e mediação de armas, um de terrorismo e outro de trafico e outras
atividades ilícitas.
Como é que o furto foi executado?
Segundo explicou a PGR, um dos
nove acusados de planear e executar o furto forneceu aos restantes informação
relativa ao paiol, indicando o melhor local para conseguirem entrar no espaço
vedado, e dando conta do mau funcionamento das rondas militares. De acordo com
a acusação, depois das orientações, os outros oito executaram o plano: cortaram
a rede, entraram no perímetro da instalação militar, destruíram fechaduras e
retiraram várias caixas com material militar, que "foi depois transportado
para o terreno de um familiar de um dos arguidos, onde ficou guardado".
Quanto valia o material furtado?
O material militar em causa,
algum de alta perigosidade, valia "cerca de 35 mil euros".
O ex-ministro da Defesa sabia da
encenação da recuperação das armas?
Conforme noticia hoje o JN, Azeredo Lopes revelou, através
de SMS que constam da acusação, ao deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro
que já tinha conhecimento da recuperação das armas, mas que não poderia dizê-lo
ao Parlamento. "Eu sabia, mas tive de aguentar calado a porrada que levei.
Mas, como é claro, não sabia que ia ser hoje", escreveu o ex-ministro, em
resposta à mensagem de parabéns do deputado pela recuperação das armas, nesse
dia (18 de outubro de 2018). Questionado sobre se iria explicar o sucedido à
Assembleia da República, Azeredo respondeu que sim, mas que não poderia contar
tudo: "Não poderei dizer o que te estou a contar. Ainda assim, foi uma
bomba".
No despacho do inquérito de
Tancos, a que a agência Lusa teve hoje acesso, lê-se que Azeredo Lopes
"cometeu um grave e acentuado desrespeito pelos deveres funcionais e pelos
padrões ético-profissionais de conduta a que estava obrigado, à semelhança dos
arguidos da Polícia Judiciária Militar e da GNR". Para o MP, o ex-ministro
da Defesa sabia das diligências paralelas feitas pela PJM junto de uma pessoa
com quem negociava a entrega do material.
Qual é a punição para os crimes
de que Azeredo está acusado?
A moldura penal em que se insere
o crime de prevaricação - o mais grave imputado a Azeredo Lopes -
pode ir até aos oito anos de prisão. "O titular de cargo político que
conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que
intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma
prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito
anos", segundo a Lei n.º 34/87, sobre crimes de responsabilidade
de titulares de cargos políticos.
O Código Penal determina que o
crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário pode ser
punido com pena de até cinco anos e o de abuso de poder com pena de
até três anos ou multa. A denegação de justiça, outro dos crimes atribuídos
ao ex-ministro, pode valer até 18 meses de prisão ou multa até 50 dias.
O que diz Azeredo Lopes sobre a
acusação?
ega. Em comunicado enviado ao JN, o ex-ministro diz que "a
acusação é eminentemente política, não tendo factos e provas a
sustentá-la", sublinhando que nunca foi informado sobre o alegado
encobrimento na recuperação das armas furtadas. "Reitero que nunca fui
informado, por qualquer meio, sobre o alegado encobrimento na recuperação das
armas furtadas de Tancos, pelo que gostaria que ficasse claro que o então
Ministro da Defesa não cometeu qualquer crime nem mentiu, tal como não o fez o
cidadão José Alberto Azeredo Lopes", pode ler-se.
Na mesma nota, lamenta que
"tenha sido ao longo dos últimos meses profusamente julgado na praça
pública, numa situação de absoluta desigualdade, através de fugas de informação
cirúrgicas, não obstante o processo estar em segredo de justiça, sem que o MP
ou a PGR tenham, que se saiba, levantado qualquer inquérito, tornando banal e
corriqueiro um facto que viola gravemente a lei e os direitos dos
cidadãos".
Quando ainda estava em funções
como ministro, Azeredo escreveu uma carta a Costa negando ter tido
conhecimento, "direto ou indireto, sobre uma operação em que o
encobrimento se terá destinado a proteger o ou um dos autores do furto". E
em julho passado, quando foi constituído arguido, disse estar convicto de que
seria ilibado de quaisquer responsabilidades no processo.
A Casa Militar da Presidência foi
informada?
Na terça-feira, a TVI noticiou que o major Vasco Brazão, ex-porta-voz
da PJM, insinuou, numa escuta telefónica, que o Presidente da República sabia
de tudo: "Vais ver que o papagaio-mor [Marcelo] não vai falar sobre Tancos
tão cedo. Pois, porque eles sabem, aliás o Sá Fernandes [advogado] já fez
chegar à Presidência que eu tenho um e-mail que os compromete. Portanto, eles
não vão falar sobre Tancos. E quando for o julgamento isto vai rebentar."
No mesmo dia, Marcelo Rebelo de Sousa reiterou nunca ter sido informado, por qualquer meio, sobre o
alegado encobrimento na recuperação das armas, frisando que "é bom que
fique claro que o Presidente não é criminoso".
Na acusação ao caso, lê-se que o
então chefe da Casa Militar do Presidente da República, João Cordeiro, que
tinha negado a receção de e-mails enviados pelo ex-diretor da Polícia
Judiciária Militar, recebeu afinal três. A acusação aludiu à conversa citada
pela TVI e ainda a outra, em que Vasco Brazão garantia ter "provas
concretas de que a Casa Militar [de Marcelo Rebelo de Sousa] foi
informada".
Os investigadores esclarecem que
as suspeitas, a serem confirmadas, permitiriam que João Cordeiro fosse acusado
de um crime de abuso de poder, mas que as escutas telefónicas "só têm
validade como prova para crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu
máximo, a três anos, que não é o caso". Assim, a acusação considera que
"não existem indícios suficientes que permitam ao MP deduzir e sustentar
em juízo uma acusação contra João Cordeiro".
O que concluiu o inquérito
parlamentar sobre o caso?
Investigados em processos
judiciais distintos, que viriam a ser posteriormente unificados, o furto e o
reaparecimento do material militar foram alvo de um inquérito parlamentar,
criado em novembro de 2018. Sete meses depois, em junho passado, foi aprovado, à Esquerda, o relatório final, concluindo que
Azeredo Lopes "secundarizou" o conhecimento que teve de "alguns
elementos" do memorando da Polícia Judiciária Militar sobre a recuperação
do material furtado, excluindo o então governante de qualquer
responsabilização.
No inquérito parlamentar, em que
PSD e CDS acusaram o PS, PCP e BE, de quererem ilibar Azeredo Lopes, foram
ouvidas 63 personalidades, incluindo arguidos no processo, investigadores da
PJM, comandantes operacionais e chefes militares, responsáveis das secretas, e
o primeiro-ministro, António Costa, que respondeu por escrito.
Rita Salcedas com Lusa | Jornal
de Notícias
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