Agente responsável por denúncia
que fundamentou pedido de impeachment diz que membros da Casa Branca tentaram
esconder transcrição da conversa entre Trump e líder ucraniano quando se deram
conta da gravidade do conteúdo.
Uma carta elaborada por um agente
dos serviços de inteligência americanos divulgada nesta quinta-feira (26/09)
adicionou mais elementos explosivos para o escândalo que envolve uma ligação de
Donald Trump ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
No documento, o informante não
apenas aponta que Trump usou seu poder para pressionar Zelensky a investigar um
rival democrata, como também acusa altos funcionários da Casa Branca de agirem
para esconder o conteúdo da ligação.
Segundo a denúncia, os funcionários
da Casa Branca se deram conta do potencial comprometedor da transcrição da
ligação e ordenaram que o conteúdo não fosse armazenado no servidor padrão para
esse tipo de material. Em vez disso, a transcrição acabou sendo salva em um
sistema separado, reservado para informações de acesso restrito.
A carta, com data de 12 de
agosto, foi divulgada pouco antes de uma audiência com o diretor de
Inteligência Nacional, Joseph Maguire, no Congresso americano.
No documento, o agente, que não é
identificado, afirma que não testemunhou a maioria desses atos, mas que ouviu
relatos de várias fontes da comunidade de inteligência, que tem como
procedimento padrão monitorar as ligações dos presidentes americanos para
líderes estrangeiros e elaborar transcrições. Segundo a carta, pelo menos
12 agentes ouviram a ligação.
O informante afirma ainda temer
que as ações de Trump "configurem riscos para a segurança nacional dos EUA
e para os esforços para barrar a interferência estrangeira nas eleições do
país".
O caso já motivou a abertura de
um processo de impeachment contra
Trump. O escândalo estourou na semana passada, após a imprensa americana
revelar a existência da denúncia de um agente – a carta cujo conteúdo foi
revelado nesta quinta-feira – envolvendo uma conversa entre Trump e
Zelensky.
No final de julho, Trump pediu
repetidamente para que o ucraniano tomasse providências para investigar o
ex-vice-presidente americano Joe Biden e seu filho, Hunter, que é membro do
conselho de uma empresa ucraniana. Uma transcrição da conversa foi finalmente
divulgada pela Casa Branca na quarta-feira, confirmando que Trump
abordou o caso de Biden com Zelensky.
O americano também pediu que
Zelensky entrasse em contato com o procurador-geral dos EUA, William P. Barr, e
com seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, para discutir medidas em uma potencial
investigação contra Biden.
Na carta, que foi endereçada às
comissões de inteligência da Câmara e do Senado, o informante afirma "que
recebeu informações de que o presidente está usando o poder do seu gabinete
para solicitar que um país estrangeiro interfira nas eleições americanas de
2020". Joe Biden é pré-candidato democrata à Presidência e pode ser rival
de Trump nas eleições do ano que vem.
O agente ainda lista o que
considerou como tentativas de interferência: a pressão sobre Zelensky e o papel
de Barr e de Giuliani. "O presidente usou o telefonema para defender seus
interesses pessoais. [...] O advogado pessoal do presidente, o senhor Rudoph
Giuliani, é uma figura central nesse esforço. O procurador-geral [William] Barr
parece estar envolvido também", diz o agente.
O informante ainda aponta que
"durante os últimos quatro meses, mais de meia dúzia de funcionários dos
EUA me informaram de vários fatos relacionados a este esforço" e que
vários integrantes do governo relataram que as autoridades da Ucrânia foram
levadas a acreditar que Trump só aceitaria falar e se encontrar com Zelensky se
o presidente ucraniano "entrasse no jogo".
De acordo com o agente, Giuliani
já havia se encontrado com membros do governo ucraniano, com destaque para o
procurador-geral do país, e adiantado os desejos de Trump no caso Biden.
No dia seguinte à ligação,
segundo o informante, um negociador dos EUA encontrou Zelensky em
Kiev para uma reunião na qual ele passou sugestões de como o ucraniano
poderia atender às demandas que Trump fez durante o telefonema. No início de
agosto, foi a vez de Giuliani se reunir na Espanha com um assessor de
Zelensky para tratar dos pedidos de Trump.
Acobertamento
De acordo com a carta,
"funcionários de alto escalão da Casa Branca tentaram intervir para manter
bloqueados todos os registros da ligação, especialmente a transcrição oficial
que foi produzida pela Casa Branca".
O agente conta que funcionários
da Casa Branca foram orientados por advogados ligados a Trump a remover as
transcrições da ligação de um computador que normalmente é usado para armazenar
esse tipo de material, e salvá-las em outro, mais restrito, que guarda
informações confidenciais.
Segundo o agente, "essas
ações realçam que os funcionários da Casa Branca entenderam a gravidade do que
foi evidenciado pelo telefonema".
O informante disse ainda não saber
se havia alguém ao lado de Trump durante a conversa. O monitoramento usado para
elaborar as transcrições é feito a partir de uma sala vizinha, a Situation
Room.
Pressão
De acordo com a transcrição
liberada pela Casa Branca, Trump não fez nenhuma promessa específica para o
ucraniano em troca da cooperação contra seu rival, mas disse em diversos
momentos que os EUA "fazem muito pela Ucrânia".
"Muito mais do que os países
europeus estão fazendo. A Alemanha não faz quase nada por vocês. [...] Muitos
países são do mesmo jeito. Acho que é algo que você deveria analisar, mas os
EUA têm sido muito bons para a Ucrânia." Zelensky respondeu: "Você
está absolutamente correto. Não apenas 100%, mas na verdade 1.000%
correto."
Embora Trump não tenha mencionado
nenhuma ajuda em troca, a imprensa americana e a oposição democrata especulam
que o republicano montou um cenário de pressão econômica para conseguir a
colaboração de Zelensky.
Uma semana antes do telefonema,
Trump havia suspendido uma ajuda militar de cerca de 250 milhões de dólares
para a Ucrânia, que trava uma guerra em seu território contra forças apoiadas
pela Rússia. E, em 11 de setembro, mais de um mês após a conversa, a verba foi
descongelada.
O republicano nega qualquer
irregularidade ou que tenha feito alguma pressão econômica sobre Zelensky. Na
terça-feira, ele chamou a repercussão do caso de "caça às bruxas" e,
nesta quarta-feira, voltou a negar ter feito algo errado.
"Eu não fiz nada. Não houve
quid pro quo", disse Trump, citando a expressão latina para troca de
favores.
Nesta quinta-feira, o jornal Los
Angeles Times divulgou um áudio em que Trump fala sobre o caso e chama
“espião” quem quer que tenha divulgado as informações e parece insinuar que
“nos velhos tempos” essa pessoa seria executada.
“Quero saber que é essa pessoa,
quem é essa pessoa que deu a informação ao denunciante? Isso está mais para um
espião. E sabe o que costumávamos fazer nos velhos tempos quando éramos mais
espertos? Certo? Espiões e traição… Nós lidávamos de uma forma uma pouco diferente
da que fazemos agora”, disse ao presidente, a um grupo de funcionários
americanos na ONU.
Após a divulgação da transcrição,
a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que determinou a abertura do processo de
impeachment, disse que o texto "confirma que o presidente empregou um
comportamento que enfraquece a integridade das nossas eleições" e "a
necessidade de um inquérito de impeachment".
No entanto, as chances de que
esse inquérito resulte na queda de Trump são pequenas por enquanto. Os
democratas têm maioria na Câmara, mas são superados pelos republicanos no
Senado, que tem a palavra final sobre o caso. Seria necessário que 20 senadores
do partido de Trump votassem contra o presidente para que o impeachment fosse
bem-sucedido.
Ainda assim, o caso tem alto
potencial de desgaste para Trump a cerca de 13 meses das eleições de 2020.
Deutsche Welle | JPS/ots
Na foto: Zelensky e Trump:
informante diz que presidente americano "usou telefonema para defender
seus interesses pessoais"
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