Victor Silva | Jornal de Angola |
opinião
Está a tornar-se coincidente a
ideia de que, afinal, vivíamos uma realidade mascarada, fantasiada de
realizações faraónicas que não saiam do papel mas torravam milhões e milhões,
qual delas menos prioritária que a outra, numa inversão criminosa do interesse
colectivo pelo individual ou de grupos.
Quer no MPLA, primeiro, por ter
reconhecido ser urgente mudar o quadro, adoptando o lema de corrigir o que está
mal, quer, depois, na oposição e na sociedade civil que se foram apercebendo da
dimensão da crise em que o país estava mergulhado. A população, no geral, está
a constatar dolorosamente essa situação, com a carestia do nível de vida que
não pode ser responsabilidade única das medidas de estabilização
macroeconómicas que o Governo tem vindo a adoptar.
O país foi saqueado e delapidado cruel e, repito, criminosamente, a pontos de ter atingido níveis de endividamento preocupantes que condicionam a execução dos vários programas para o relançamento da economia depois de anos seguidos de recessão.
A crise não foi “descoberta” pelo Governo liderado por João Lourenço. Ela já vem de há muitos anos atrás. Como a memória tem tendência a estreitar-se no tempo, recua-se ao ano de 2014, embora se saiba que já antes, no subprime, em 2007/8, as campainhas tivessem tocado com muitos “iluminados” da praça a dizerem do alto do seu pedestal, que Angola estava imune à crise.
Ao invés de se ter aproveitado a bonança para dar corpo e músculo ao tão propalado programa de diversificação da economia, enveredou-se pela acumulação primitiva de capital que incluía obras faraónicas de esferovite que tornaram gente rica da noite para o dia, melhor que qualquer “el dorado” de ficção.
Tão grave como o saque foi o descaso da autoridade, com a justiça literalmente cega a não ser para “fazer de contas” com uns quantos casos de pilha galinhas e ladrões de telemóveis e uns poucos juízos apimentados que resultaram em nada, trespassando a ideia de impunidade que se impôs e que levou a que o anormal passasse a ser normal, num enredo em que quase todos nos vimos envolvidos, de forma directa ou indirecta, como reflexo dos exemplos que vinham de cima e da lei de sobrevivência.
As referências éticas e morais ficaram-se pelas excepções que confirmam a regra e quem ousasse apontar caminhos diferentes, criticar o status quo, era ostracizado e não poucas vezes acendia os holofotes de uma justiça amorfa que, nesses casos de punição às liberdades, mostrava uma ligeireza que não se conhecia no combate à criminalidade, sobretudo a chamada de colarinho branco.
A corrupção e a impunidade eram (são) grandes tumores na sociedade e as suas metástases estavam espalhadas por toda a administração pública e outros serviços, privados, inclusive, no efeito gasosa ou mixa, dependendo do grau de quem a praticava, tendo como destino preferencial o estrangeiro para onde foi levado uma boa parte do dinheiro que era suposto ser de todos.
Por força dessa ambição, foram-se adiando as reformas que a economia exigia e eram inevitáveis para a sustentabilidade do país. A situação por mais fantasiosa que fosse era insustentável e hoje, olhando friamente para a realidade, pode questionar-se se a tal transição pacifica, a saída pelos seus próprios pés, não era mesmo uma inevitabilidade, tal o quadro dantesco em que se encontram as contas públicas.
Corrigir o que está mal vai levar tempo, pois seguramente que, apesar de pertencerem à mesma família política, as novas autoridades não tinham a real dimensão do buraco nas finanças públicas e no novelo em que estão emanharadas, deixando pouca ou quase nenhum folga para outros exercícios para os quais não basta a boa vontade ou a vontade política.
Sem estabilidade macroeconómica o país não poderá voltar à era do crescimento, que tudo aponta venha a acontecer a partir do próximo ano. Até se encontrar o ponto de equilíbrio, a vida vai continuar difícil para todos, com a desvalorização da moeda, a retirada de subsídios a alguns bens e serviços e o aproveitamento especulativo que muitos estão a fazer da situação, bem ao estilo dos “milagreiros” que agora aparecem como defensores dos coitadinhos, prometendo mundos e fundos e questionando tudo e todos, mas que fogem da justiça como o diabo da cruz por saberem que o tempo em que a usaram e instrumentalizaram a seu bel-prazer terminou.
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