À DW África, economista Josué
Chilundulo explica que nova legislação é mais clara quanto a "limites da
atuação dos agentes públicos". Angola mostra assim à comunidade
internacional que está a mudar.
A proposta de Lei de Prevenção e
do Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da
Proliferação de Armas de Destruição Massiva foi, esta terça-feira (29.10),
aprovada na generalidade, passando agora à discussão, na especialidade, no
Parlamento angolano.
Citado pela agência de notícias
Angop, o secretário de Estado da Justiça, Orlando Fernandes, explicou que a
proposta de lei, que vai substituir o diploma de 34/11 de 12 de dezembro de
2010, "comporta inovações no capítulo da avaliação nacional de risco e da
abordagem baseada no risco percebido".
Além disso, leva em conta algumas
das recomendações feitas ao país pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)
e pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), uma organização
internacional que define os padrões normativos para as iniciativas
anti-branqueamento de capitais.
Em entrevista à DW África, o
economista angolano Josué Chilundulo afirma que a atualização da Lei do
Branqueamento de Capitais em Angola era necessária pois "traz de forma
mais evidente os limites da atuação dos agentes públicos", entre outros
motivos.
Chilundulo acredita que "o
acelerar desta lei no Parlamento, em detrimento, por exemplo, do debate sobre
as autarquias", é uma forma de informar o mercado internacional de que
Angola está "interessada em resolver os indicativos negativos".
DW África: Foi aprovada na
generalidade a Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do
Terrorismo. O Governo fala de "inovações no capítulo da avaliação nacional
de risco e da abordagem baseada no risco percebido". Na prática, o que é
que isto significa? É uma lei "preventiva”?
Josué Chilundulo (JC): O combate
ao branqueamento de capitais impõe-se não só por uma exigência do FMI e de
outras agências internacionias, mas acima de tudo pelos resultados da corrupção
e do branqueamento em si para a economia de Angola. Nesta altura, o país tem
até limitações no acesso a moedas estrangeiras, um pouco por causa destas
consequências. Conexa ao branqueamento de capitais está a presença de
pessoas politicamente expostas, e isso não só tem estado a
comprometer a mobilização de investimento direto estrangeiro, como também
a encarecer a contratação pública. Por isso, termos uma lei que dá liberdade ao
poder judicial de realizar ações de inibição, e até de punição, [é] uma espécie
de sinal de alerta ao mundo de que Angola está a tentar controlar o sistema
financeiro.
DW África: Portanto, na sua
opinião, esta é uma lei que traz mudanças substanciais. Era uma atualização
necessária...
JC: É uma atualização que se
impõe, principalmente sob a pespetiva da retirada das pessoas politicamente
expostas. Ou seja, [esta lei] traz de forma mais evidente os limites da atuação
dos agentes públicos, com cargos públicos, envolvidos em negócios, como também
alarga a base conceitual em torno do branqueamento de capitais. A lei anterior
era muito "pirotécnica", mas não tinha substância suficiente para
observar artimanhas, que até foram utilizadas através de mecanismos oficiais
para branquear o capital. Esta lei, que tem até a assistência do FMI,
parece-nos trazer mais substância e parece-nos ser observada, do ponto de vista
externo, como sendo mais favorável.
DW África: A oposição, no
entanto, coloca uma questão em cima da mesa: se o Governo não conseguiu
combater o branqueamento de capitais, já com uma lei em vigor, porque
conseguirá desta vez? Esta é, na sua opinião, uma questão plausível?
JC: É plausível, porque,
como se tem dito nos bastidores, o problema de Angola nunca foi a existência ou
inexistência de leis. Foi sempre a capacidade do Governo de supervisionar as
suas decisões e ter capacidade de realização. Esta lei já foi criticada várias
vezes, mas o Governo tardou [em alterá-la], e hoje as consequências estão aí.
Porque, quando o Governo teve oportunidade, por via das leis que já existiam,
de supervisionar ou fiscalizar mais os agentes públicos em relação à
contratação pública, não o fez.
DW África: Podemos dizer que a
mudança na legislação pretende mostrar à comunidade internacional que pode
passar a confiar em Angola?
JC: Angola nem sequer tem
espaço de negociação, atualmente. Os conflitos no mercado cambial têm estado a
resvalar-se para tensões sociais. Nós somos uma economia que depende,
excessivamente, de importações. Qualquer conflito que tenhamos no acesso a
divisas compromete a velocidade do crescimento económico que se quer. O
acelerar desta lei no Parlamento, até em detrimento, por exemplo, do debate
sobre as autarquias, significa exatamente isso: que é do interesse do Governo
angolano passar uma mensagem ao mercado internacional de que está aberto a
negociações e que está interessado em resolver os indicativos negativos que
existem em relação à liberdade económica, transparência e à questão da
corrupção e infrações conexas. Penso que [a lei] é positiva, mas não basta
olharmos para fora. É também importante olharmos para dentro, porque existem
muito pontos de estrangulamento internos, que, se não forem eliminados, esta
"aparência" para o exterior será em vão.
DW África: Que pontos são esses
que precisam de ser eliminados?
JC: Nós temos um modelo de
governação muito tenso, que não permite inovação, que não permite
flexibilização nos processos de tomada de decisão e que, para além de encarecer
a estrutura governativa, cria oportunidades para a corrupção e o
despesismo. E se não olharmos com alguma seriedade para a qualidade da
despesa pública, em vão serão todas as decisões que forem tomadas. É preciso
que se melhorem os procedimentos internos, e aí acho que o Presidente João
Lourenço, por causa do custo político que isso implica, tem estado a ter alguns
receios.
Raquel Loureiro | Deutsche Welle
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