segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Angola | Insegurança alimentar: um problema de Segurança Nacional


Sebastião Vinte e Cinco | Jornal de Angola | opinião

O processo de construção da soberania nacional passa, necessariamente, pela prova de capacidade de produção de alimentos em quantidades suficientes para o asseguramento da cesta básica, desafio que muitos países africanos ainda não venceram.

O povo angolano, a despeito de ter iniciado a sua marcha rumo ao crescimento e ao desenvolvimento económico com a independência a 11 de Novembro de 1975, ao fim de 44 anos parece, tal como outros demais países africanos não ter ainda vencido este desafio.

O malogrado Engenheiro Mateus Neto, que tinha sido Ministro da Agricultura no Governo de Transição resultante dos Acordos de Alvor, quando nas vestes de dirigente máximo da famosa Fazenda Tentativa terá idealizado e dado início à implementação de um plano com vista ao alcance da auto-suficiência alimentar. Entretanto, por razões que a história melhor contará e que muito provavelmente terão tido a ver com a cor partidária que representava na altura, tal não veio a merecer o acolhimento e o seguimento que se impunha.

Os anos de guerra agudizaram a insegurança alimentar entretanto minimizada pela intervenção do Programa Alimentar Mundial que, como é sabido, tem limitações na sua actuação por conta dos orçamentos e das dotações dos seus membros e patrocinadores.

Com a outorga, em 2002, do Memorando do Luena complementar ao Protocolo de Lusaka, este último na sequência dos Acordos de Bicesse, as esperanças de desenvolvimento do sector agrícola nacional passaram a ser fundadas e justificadas tendo em conta a riqueza em solos aráveis e o potencial hídrico do país. Contudo, tal não passou de uma miragem apesar da criação e funcionamento do Banco de Desenvolvimento de Angola vocacionado para o financiamento de projectos agro-industriais e outras actividades produtivas.

O endividamento público, segundo alguma mídia estrangeira na ordem dos 95% do PIB não terá beneficiado o sector agro-industrial, tendo a inflação galopante que se regista na economia angolana hoje precipitado o crescimento do número de pessoas/famílias necessitadas e carentes de alimento cujos preços dispararam ao ponto de uma refeição decente poder mesmo ser considerada um verdadeiro luxo.

A necessidade humana de alimentação não pode ser adiada. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de Sete Milhões de angolanos vivem em situação de insegurança alimentar, porquanto não conseguem dispor de um mínimo de três refeições diárias. Isto deve-se, em parte, ao desemprego, que já supera a taxa de 30% da população, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas. Com isto, corre-se o risco de tais dados serem utilizados pelos contrários às mudanças em curso no país, como uma poderosa arma contra o processo de moralização da sociedade, contra o combate à corrupção, por via da instrumentalização de pessoas acossadas pela fome, que, sublinhe-se, não pode esperar, para fins subversivos.

Ou seja, o gigantesco esforço em curso iniciado com a atitude disruptiva, ousada e corajosa do Presidente da República em funções desde finais de 2017, que tem como objectivo o resgate do Estado e a construção da soberania nacional poderá ser inglória se os principais actores da mudança, o povo angolano, que não se confunde necessariamente com umas parcas centenas de cidadãos que se enriqueceram brutalmente.

E o povo angolano é o actor principal do processo de mudanças iniciadas para a institucionalização do Estado porque é este que foi, durante muitos anos, desmoralizado e embrutecido ao ponto de venerar pessoas que representavam e ainda hoje representam desvalores.

Na relação entre a matéria e a forma, o povo angolano representa a primeira, que deve encaixar numa nova forma social e política assente em valores como o respeito pela coisa pública, a honestidade, a solidariedade, o patriotismo e a transparência. Por semelhante modo, é imperativo que a liderança política do país e os gestores públicos estejam encaixados nesta nova forma social e política. Some-se a isso, a necessidade de envolvimento e aprovação de partidos na oposição e da comunidade internacional, principalmente de países de matriz ético-social judaico-cristã.

Claro está que os ganhos que se vêm registando em sede da moralização da sociedade e do combate contra os crimes de corrupção não têm sido coroados com vitórias no campo das reformas económicas e sociais. Por essa razão, vive-se ainda uma situação angustiante de crise económica, financeira e cambial acentuada pela redução das reservas internacionais líquidas de Angola. Por conta disso verifica-se a redução da capacidade de cumprimento de obrigações dos importadores de produtos da cesta básica para com os seus fornecedores no estrangeiro.

Essa diminuição da capacidade de importação de bens de primeira necessidade começa a ganhar contornos cada vez mais preocupantes e de problema de segurança nacional, pelo que não ficaria mal se o Estado Angolano lançasse mão dos mecanismos de ajuda internacional como é o caso do Programa Alimentar Mundial na medida em que o número de chefes de agregados familiares desempregados ou sem capacidade de prover alimentos aos seus é cada vez maior, principalmente em centros urbanos como Luanda onde não há alternativas para a criação de pequenos campos de cultivo para a subsistência familiar, salvo iniciativas como a Horta do Benfica e do Mercado Verde, em implementação no Distrito Urbano do Benfica com resultados que em breve poderão ser verificados.

O recurso ao Programa Alimentar Mundial pressupõe o reconhecimento da gravidade da situação e da necessidade de combate à fome nas zonas urbanas onde o impacto da pobreza é mais acentuado uma vez que em certas zonas rurais a possibilidade de exercício da agricultura de subsistência, da caça e da recoleção são idóneas para travar a fome. Isto demanda uma atitude corajosa pelo facto de representar a assunção de uma fragilidade, o que não é de todo fácil para um povo que se habitou a grandes conquistas e que experimentou um crescimento económico no período do boom do preço do petróleo nos mercados internacionais, que organizou um CAN de futebol, um torneio mundial de Hóquei-Patins, que regularmente tem as suas selecções nacionais de basquetebol e de andebol nos Jogos Olímpicos. Enfim, será necessário colocar-se um bem maior, no caso a sobrevivência de todo um povo para a continuação do processo de reformas em curso, acima de todo e qualquer sentimento de orgulho atendendo o facto de a repatriação de capitais públicos ilicitamente disponível em contas bancárias de muitos antigos servidores públicos não estará a correr como esperado e poderá levar ainda mais tempo…

A sabedoria popular sugere que saco vazio não se aguenta em pé. Por isso é necessário que se aborde a insegurança alimentar como um factor de risco para a implementação com sucesso das medidas que visam a consolidação do poder do Estado, a moralização da sociedade, a diminuição do poder e da influência das forças contrárias às mudanças em curso, buscando-se, corajosa e desapaixonadamente, soluções a curto-prazo para desmobilizar o exército de cidadãos que expostos ao flagelo da fome podem facilmente integrar a insurreição querida por cidadãos que agem contra a própria pátria.

Uma abordagem nesse sentido teria o condão de melhorar ainda mais a imagem que a liderança política e os gestores públicos do país têm vindo a construir, dando mais uma prova à comunidade internacional de que estão cada vez mais comprometidos com a observância da legislação de que se regem os Estados amigos dos direito humanos, na medida em que, iriam ao encontro do previsto no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 1948, nos termos da qual “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação…”.

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