segunda-feira, 4 de novembro de 2019

REINTERPRETAR O MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO EM ÁFRICA – V



SUBSÍDIOS EM SAUDAÇÃO AO 11 DE NOVEMBRO DE 2019

Uma das maiores deficiências de que sofrem os africanos duma forma geral e os angolanos em particular, é a ausência de reflexão própria sobre os fenómenos antropológicos e históricos afectos ao seu espaço físico, geográfico e ambiental.

Essa falta de vontade e de perspectiva abre espaço ao conhecimento que chega de fora, em prejuízo do conhecimento que tem oportunidade de florescer dentro, ou seja: subvaloriza o campo experimental próprio, quantas vezes para sobrevalorizar as teorias injectadas do exterior!

Isso permite que outros não abram o jogo sobre essas interpretações dialéticas em função de seus interesses, manipulações e ingerências, aplicando a África, por tabela a Angola, as interpretações estruturalistas de feição, de conveniência e de assimilação!


Esta série pretende reabrir dossiers que do passado iluminam o longo caminho da libertação dos povos da América Latina e Caribe, de África e por tabela de Angola, sabendo que é apenas um pequeno contributo para o muito que nesse sentido há que digna e corajosamente fazer!

Abrir os links permite complementar com fundamentos, muitas das (re)interpretações do autor.


17- Entre 1961 e 1965 o MPLA foi alvo de manobras cuja origem era identificada com os Estados Unidos e seus aliados europeus e africanos, manobras essas no sentido de o inviabilizar por completo, neutralizar a sua acção no terreno e na frente diplomática, assim como “apagá-lo do mapa” do movimento de libertação em África! (https://www.academia.edu/9501562/Dos_nacionalismos_%C3%A0_guerra._Os_movimentos_de_liberta%C3%A7%C3%A3o_angolanos_-_1945_1965?email_work_card=interaction_paper).

A vida dura mas catalisadora foi vivida pela própria família de António Agostinho Neto! (http://villasegolfe.co.ao/pt/articles/info/745/).


A situação obrigava a inquebrantável vontade de luta armada, nas condições mais difíceis, nos cabocos da lógica com sentido de vida implícita já nos alvores do rumo em direcção à autodeterminação e à independência! (https://journals.openedition.org/cea/135).

Os pesados reveses de então, mais fortaleceram as convicções e a vontade do guia, assim como de todos os que com ele se identificavam, no penoso mas decisivo rumo, na única via possível: a da luta política sem fronteiras e a armada no interior! (http://jornalcultura.sapo.ao/historia/o-comandante-a-guerrilha-e-a-formacao-do-exercito/fotos).

A busca incessante de unidade, pela vontade do guia e de seus seguidores, sobrepôs-se a tendências desagregadoras internas como a de Viriato da Cruz, obtendo pouco a pouco e cada vez mais vitórias político-diplomáticas no ambiente internacional da época, onde o colonialismo português e o “apartheid” haveriam de ser politicamente condenados e derrotados, anos antes do seu colapso final!... (https://www.academia.edu/10513124/O_comunismo_de_Viriato_da_Cruz_e_os_seus_reflexos_no_nacionalismo_angolano?auto=download).

Outro sintoma haveria de ocorrer: nas universidades portuguesas: depois da afirmação da Casa dos Estudantes do Império (https://www.buala.org/pt/a-ler/a-vitoria-e-certa-apontamentos-para-a-historia-do-mpla) nada mais seria como antes e os estudantes venceram fascismo e colonialismo, outros anos antes do seu colapso final!... A gesta trovadora de Zeca Afonso marcou indelevelmente as vitórias progressistas nas universidades portuguesas, que tanto haveriam de influenciar na eclosão do 25 de Abril de 1974! (https://www.youtube.com/watch?v=CbVQV1XNOCYhttps://www.youtube.com/watch?v=ReJrOCcCmnohttps://www.youtube.com/watch?v=ERXpCjbwny0&t=208s).



18- No IIIº tomo de “Um amplo movimento”, os documentos colectados por Lúcio Lara atestam os anos difíceis do itinerário do MPLA até ao fim de 1964! (https://sites.google.com/site/tchiweka/Home/livros-editados-1/tchi80-testemunhos/lucio-lara-o-meu-testemunhohttps://sites.google.com/site/tchiweka/Home/livros-editados-1/tchi80-testemunhos/lucio-lara-1).

Lúcio Lara com toda a sua sobriedade e honestidade intelectual de militante da causa do movimento de libertação em África, deixa os documentos falarem por si!... (https://www.buala.org/pt/autor/associacao-tchiweka-de-documentacaohttp://www.redeangola.info/opiniao/chamavam-lhe-utopia/).

Em “O comandante, a guerrilha e a formação do exército”, o historiador militar Miguel Júnior (http://jornalcultura.sapo.ao/historia/o-comandante-a-guerrilha-e-a-formacao-do-exercito/fotos) sintetiza por seu turno essa época assim (http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&id=196:a-poesia-de-agostin):

“Quando Neto chegou, na realidade, o MPLA vivia uma situação crítica.

A situação real do MPLA era péssima, pois estava quase sem recursos. O MPLA era acusado de ser um movimento que apenas se dedicava à luta política e não pelas armas, como fazia a FNLA desde Março de 1961. O quadro ainda era mais [preocupante] porque havia confusão e algum desnorte na sua liderança. (Agostinho Neto, 2011, p.161).

Neste ambiente de pressão interna teve lugar, no fim de 1962, a 1ª Conferência do MPLA. Quando os companheiros de luta identificaram qualidades políticas e de liderança em Agostinho Neto, eles não hesitaram e de pronto tudo fizeram para a sua ascensão à posição de líder político do Movimento Popular de Libertação de Angola. A 1ª Conferência do MPLA elegeu uma nova liderança e Agostinho Neto passou a ser, de facto, o líder da organização.

O líder assumiu as rédeas da organização e estabeleceu um plano de acção assente em diligências a fim de obter armas e alimentos para os guerrilheiros e dinheiro para a sua acção diplomática. Agostinho Neto priorizou a procura de apoios, sem os quais não poderia agir e impulsionar a luta de libertação. (Agostinho Neto, 2011, p.164).

Neste sentido, ele visitou alguns países ocidentais e africanos (Estados Unidos da América, República Federal da Alemanha, Suíça, Tunísia, Marrocos, França, Grã-Bretanha e Itália).

A crise que estava a corroer o MPLA, na verdade, não foi estancada com os resultados da 1ª Conferência.

Por força da situação que imperava, a direcção do movimento desmembrou-se em 1963 e vários quadros abandonaram a luta. O MPLA confrontava-se com as primeiras desistências.

A situação tornou-se mais crítica pois a OUA tinha reconhecido a FNLA como movimento de libertação e o MPLA foi expulso do Congo Leopoldville e foi obrigado a rumar para Brazzaville.

Estas situações e outras representaram um golpe contra o MPLA. Embora o MPLA tenha perdido força humana e intelectual, Agostinho Neto manteve-se firme e confiante.

Ele estava convicto que a luta continuaria a sua marcha triunfal.

Diante do cerco em que se encontrava o MPLA, Agostinho Neto manobrou e criou, em 1963, a Frente Democrática de Libertação de Angola – FDLA.

Esta organização foi criada e dirigida por ele.

Segundo a sua visão, a Frente Democrática de Libertação de Angola – FDLA perseguiria vários objectivos, sendo os principais “quebrar o isolamento internacional, reduzir a influência dominadora do GRAE, mobilizar as populações do norte de Angola e a população refugiada nos Congos e atrair apoios para a luta de libertação. (Agostinho Neto, 2011, p.178). Mas os seus esforços não tiveram o impacto desejado. A referida organização foi sol de pouca dura.

Por isso, Agostinho Neto manteve de pé a ideia da luta armada. Mas esta luta exigia quadros, disponibilidade e dedicação à causa do povo angolano. Assim teve lugar a Conferência de Quadros em 1964. Os objectivos desta conferência foram a unidade e a reorganização do MPLA e a continuação da luta armada e política.

Por força dos seus resultados, e face à situação deplorante em que se encontrava a organização, Agostinho Neto fez um apelo aos quadros que se encontravam no exterior a fim de se juntarem aos esforços que ele e outros companheiros de luta levavam a cabo para retirar a organização do estado de inoperância e retomar a luta.

O seu apelo foi correspondido e muitos quadros regressaram à luta armada de libertação nacional.

Agostinho Neto continuou os esforços de reorganização interna, tendo priorizado a reestruturação do Exército Popular de Libertação de Angola – EPLA.

Por isso, este exército foi dissolvido e deu lugar ao Corpo de Guerrilheiros do MPLA. Com esta medida, Agostinho Neto introduziu a concepção correcta de guerrilheiro e de combatente armado sem qualquer distinção. Ao mesmo tempo, ele desencadeou um programa de consciencialização sobre o valor da luta armada em conformidade com os princípios do MPLA.

A reestruturação prosseguiu o seu curso o que permitiu extinguir o Departamento de Guerra. Com esta mudança, Agostinho Neto assumiu o comando e a coordenação da luta armada, bem como definiu um modelo de estrutura territorial da guerra de guerrilhas de acordo com as particularidades do país. Além do mais, Agostinho Neto valorizou a importância da preparação militar, pois ela era essencial para o desencadeamento de novas acções armadas no interior de Angola.

O conjunto de medidas adoptadas no sentido de relançar a guerra de guerrilhas mais a postura do líder, que se assumiu como o comandante das forças guerrilheiras, permitiu ao MPLA retomar as acções guerrilheiras na 2ª Região Militar, em 1964, e criar um centro de instrução revolucionária.

A fé inabalável na luta mais a vontade de manter acesa a sua chama foram os suportes que permitiram congregar esforços para manter activa a Frente Norte. Além do mais, o processo de afirmação do MPLA na arena política implicava actividades políticas e militares concretas. Agostinho Neto mais os seus companheiros interiorizaram essas exigências. Assim, o MPLA continuou a privilegiar a luta armada de maneira concreta e Agostinho Neto passou a enfatizar a necessidade de mais acções militares.

Por força desta postura, a partir de 1965, o MPLA passou a controlar uma parcela do território no norte de Cabinda, por sinal a sua 2ª Região Militar. Os ganhos alcançados em Cabinda abriram de forma automática as portas para o reconhecimento do MPLA, como movimento de libertação de Angola, por parte da Organização de Unidade Africana (OUA). Este feito deveu-se “ao enorme esforço de Agostinho Neto de reorganização e de reactivação da luta armada em Cabinda”.

Do ponto de vista político e militar, os ganhos evidenciavam-se apesar dos impedimentos que colocavam aos guerrilheiros do MPLA no território do Congo Leopoldville. Assim, os guerrilheiros do Esquadrão Cienfuegos chegaram à 1ª Região Militar, em 1966, decorridos vários anos após o 4 de Fevereiro de 1961”.

Além dos obstáculos artificiosos que o MPLA teve de enfrentar como alvo dilecto do imperialismo, do neocolonialismo, do colonialismo e do “apartheid”, as próprias condições no terreno, conforme ao ambiente físico-geográfico-hidrográfico entre o Congo e a 1ª Região Político Militar, eram algo que só com dolorosas experiências se poderia ultrapassar, até por que no princípio era muito o desconhecimento e as exigências da luta armada em condições tão adversas, estiveram quantas vezes acima dos esforços sobre humanos dos guerrilheiros… (http://5---breve-monografia-angolana.blogspot.com/2006/08/55-hidrografia.html).

Na estação das chuvas, com as colunas em direcção norte-sul ou em sentido contrário, havia que atravessar rios com caudalosas bacias, como o MBridge, o Loge ou o Lifune, de inconstantes e incontinentes enxurradas, o que era impraticável por causa dos exíguos meios existentes… só durante a curta estação do cacimbo esses obstáculos naturais se tornavam mais dóceis, facilitando a progressão... (http://www.africa-turismo.com/mapas/angola.htmhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_rios_de_Angola; file:///C:/Users/vítor/AppData/Local/Microsoft/Windows/INetCache/IE/5Q0QWFHW/2.-Manuel-Quintino.pdf).

Para o MPLA, até o ciclo da água em ambientes equatoriais e tropicais se tornou num imenso desafio para as progressões em direcção à 1ª Região Político-Militar (https://dokumen.tips/download/link/relatorio-do-estado-geral-do-ambiente-em-angola)… e no entanto quanto da vida nessa bolsa intrépida de Nambuangongo e dos Dembos, tinha que ver com um espaço vital em disputa para um dia se reforçar a frente clandestina em Luanda e chegar à vitória da autodeterminação e da independência, ainda que essa vitória tivesse de ser o parto sangrento e heróico que foi, rebentando as cadeias em que Carlota foi um dia acorrentada, no outro lado do mar!

O base guerrilheira Bernó, situada próximo do rio Dange, na zona A da 1ª Região Político Militar, era um ponto de chegada para quem conseguiu chegar do Congo, assim como um ponto de confluência e de irradiação para as outras zonas, B e C!... (https://www.info-angola.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=4224:berno-base-guerrilheira&catid=657&Itemid=1756).

O isolamento da 1ª Região Política Militar, a plataforma mais próxima para a guerrilha chegar a Luanda a partir do Congo e ligar-se às células clandestinas do MPLA, (https://www.info-angola.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=4224:berno-base-guerrilheira&catid=657&Itemid=1756) obrigaria à abertura da IIIª e IVª Regiões Político Militares do MPLA, como alternativas de luta armada na direcção da capital do país! (http://jornalcultura.sapo.ao/historia/o-comandante-a-guerrilha-e-a-formacao-do-exercito/fotos).

A infiltração conseguida pelo colonialismo na 1ª Região Político Militar, tornou possível a corrosão que contribuiu +ara os acontecimentos do 27 de Maio de 1977, já com Angola recém-independente! (https://www.facebook.com/groups/MPLA.Angola/permalink/424533887577374/).


19- Mesmo nas condições mais difíceis que encontrou, António Agostinho Neto conseguiu aplicar parâmetros mínimos de segurança vital e funcional vocacionados para o futuro, transmitindo-os à sociedade, às comunidades e a cada ser humano, por que o homem valia-se dum pensamento colectivo de vanguarda, como um povo em marcha entre outros povos também em luta, um povo apto desde logo para lutar pela vida e pela felicidade de todos os angolanos nos horizontes dos próprios programas do movimento de libertação em África e internacionalista e solidário como em África também experimentaram os revolucionários cubanos!... (http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/neto_foi_politico_visionariohttps://www.iberlibro.com/9789592101739/segundo-frente-Congo-Historia-Batallo%CC%81n-9592101736/plphttp://m.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/mobile/noticias/politica/2011/11/49/Nacionalistas-estrangeiros-relatam-experiencias-vividas-lado-MPLA,a8b95cb3-085f-4135-a8c0-e3d2c4a61cc7.html?version=mobile).

A 2 de Janeiro de 1965, com o projecto de mais um Vietname na imensidão sul da Tricontinental, o Comandante Che Guevara visitou o MPLA! (https://elsudamericano.wordpress.com/2017/09/24/pasajes-de-la-guerra-revolucionaria-congo-por-ernesto-guevara/;https://paginaglobal.blogspot.com/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html).

As duas frentes congolesas do Comandante Che (http://www.granma.cu/cuba/2015-09-29/revolucionario-hasta-el-ultimo-de-sus-diashttps://lapupilainsomne.wordpress.com/2015/09/29/el-adios-a-un-hermano-por-piero-gleijeses/), foram a primeira linha da frente informal contra a internacional fascista e a semente da lógica com sentido de vida na África Central e Austral, entre Dar es Salam e Brazzavile (http://www.granma.cu/granmad/secciones/30_angola/artic01.html) que não se ficou por aí, conforme se pôde constatar nas décadas seguintes, com a participação do génio estratégico do Comandante Fidel e de seus pares africanos!... (http://globedia.com/che-congo-historia-fracasohttps://www.youtube.com/watch?v=12jxAja8fWMhttps://www.youtube.com/watch?v=9QytzEBzOYIhttps://www.youtube.com/watch?v=ovI2gdwHtcA;  http://www.cubadebate.cu/noticias/2016/04/08/piero-gleijeses-risquet-me-dio-la-ciudadania-cubana/#.XbxzHyZCfmJ).

Foram também um berço embalando os sonhos de paz, precisamente na região tropical de África mais rica em água e minérios, onde o espaço vital é dos mais disputados do continente! (https://www.rebelion.org/noticia.php?id=236502https://frenteantiimperialista.org/blog/2019/01/07/africa-dilecto-alvo-neocolonial/).


20- O Comandante Iko Carreira em suas “Memórias” e contrariando as tendências da falta da cultura da memória que deliberadamente foram ocorrendo sobretudo desde meados da década de oitenta do século passado e até hoje, (http://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/o_pais_tem_uma_falta_de_memoria_historica_generalizada), lembra assim na página 83:

“Che Guevara foi ter com o MPLA, pois trazia instruções nesse sentido da parte de Fidel Castro que queria saber em que estádio se encontrava a luta do povo angolano e que queria também pôr à disposição desta organização, se necessário, instrutores e ajuda material.

Foi recebido pelo Presidente Neto e por mais alguns membros da direcção do MPLA.

Aproveitou também a oportunidade para expor algumas das suas ideias sobre a luta de libertação na África Austral.

O Che pensava que todos os revolucionários desta parte de África deviam travar a luta revolucionária no Congo Democrático e que só depois iriamlibertar Angola e assim por diante…

Esta ideia de criação no Congo de um núcleo revolucionário que iria libertar a África Austral, sem ter em conta o tipo de luta que se processava e o nível de cada povo, foi repudiada por Neto.

Quanto a uma eventual ajuda, depois de ter exposto a situação da luta, Neto pediu instrutores e auxílio material, com o que o Che concordou.

Efectivamente, pouco tempo depois chegavam os quatro instrutores prometidos, que logo mudaram de nome: César, que deveria assessorar a OMA e a futura DP e os instrutores militares Humberto, que é hoje o General Moracén, Reinaldo e René.

Já não me recordo dos nomes verdadeiros, nem de César, nem dos dois últimos.

Dos quatro cubanos, unicamente dois ficaram no MPLA, César e Humberto, mas só este último foi para Angola na altura da independência e ficou lá a trabalhar.


De facto em “O Pensamento estratégico de Agostinho Neto”, o Comandante Iko Carreira considera assim a página 95:

“No tempo em que Neto se decidiu para generalização da luta armada, como forma de luta para a conquista do poder, numa situação pré-revolucionária como era a de Angola antes da independência, estavam em voga, entre os revolucionários, as teorias do núcleode Che Guevara e do cerco das cidades pelo campo, de Mao Tsé Tung.

Neto não seguiu nenhuma das grandes teorias, anunciando ao mundo a sua própria.

Esta foi inspirada mais pelo exemplo de Josip Broz Tito e da sua defesa popular Generalizada.

O anúncio da generalização da luta armada foi feito pelo próprio Agostinho Neto, na sua prelecção de fim de ano e começo do novo, em Dezembro de 1965, na Rádio Congolesa, através do Programa do MLA, Angla Combatente.

A teoria da generalização da luta armada é, podemos dizer, o resultado da interpretação da teoria de Mao com a do núcleo desenvolvida por Che, que consistia na formação de um grupo, ou grupos de dirigentes que iria para um local determinado do país, normalmente inacessível, ou de acesso muito difícil e que a partir daí desenvolveria acções, constituindo um verdadeiro polo de atracção”…

A segurança vital e funcional do grupo dirigente, garantindo a procura incessante da lógica com sentido de vida desde a raiz da acção do movimento de libertação em África (recorde-se uma vez mais o CVAAR), era intrínseca à generalização da luta armada!

Por essa razão, mesmo que houvesse o isolamento prolongado da 1ª Região Político Militar, o núcleo dirigente em torno do guia pôde abrir outras frentes de luta armada enquadradas num projecto comum com outras organizações de luta contra o colonialismo (Frelimo, Zanu, Zapu, Swapo, ANC… ) a partir da placa central da Zâmbia, a meio caminho entre Dar es Salam e Brazzaville, fazendo progredir para sul a linha da frente informal estabelecida originariamente pelo próprio Che… e isso não era propriamente “a história dum fracasso”! (http://mesaredonda.cubadebate.cu/mesa-redonda/2016/07/01/victor-dreke-siempre-al-lado-de-las-mejores-causas-de-cuba/https://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/maturacao-da-amizade-afro-cubana.html).

Três colunas guerrilheiras do MPLA se sucederam na tentativa de incrementar a luta na 2ª Região Político Militar (tornando Cabinda num laboratório da luta armada no interior), levar socorro à 1ª Região Político Militar e com isso, ligar-se às células da luta clandestina em Luanda… (https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Independ%C3%AAncia_de_Angola).

Essa experiência esteve na origem dos esforços que se seguiriam a leste, tirando partido da Zâmbia e da intrincada bacia do Alto Zambeze, com afluentes da sua margem direita nascendo bem na região central das grandes nascentes de Angola (Luena, Lungué Bungo, Luanguinga e Cuando) , o que facilitava a penetração até ao centro do país! (https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Zambeze).

Em 1965 e nos dois anos seguintes, foi entretanto assim (https://www.guerracolonial.org/index.php?content=327):

… “Em 1965, o MPLA conseguiu instalar forças bem armadas na região a sul de Nambuangongo, próximo de rio Dange, desalojando os elementos da UPA/FNLA ali instalados desde 1961.

Daqui, o movimento alargou a sua influência para sul, na direcção de Catete e para leste, na direcção de Mucondo, expulsando a UPA/FNLA de mais algumas das suas bases.

O avanço militar do MPLA para sul ameaçou a «Estrada do Café» Luanda-Caxito-Carmona e poderia vir a criar problemas noutro itinerário importante, a estrada Luanda-Catete-Salazar, o que aproximava a guerrilha da capital. Este avanço foi travado pelas forças portuguesas em operações de certa envergadura, realizadas em 1968.

Ainda em 1965, o MPLA, contando com o apoio do Congo-Brazzaville, expandiu as suas actividades militares em Cabinda, que iniciara em 1964.

Nesta zona, levou à prática grande número de acções; principalmente emboscadas e minas, que provocaram baixas nas forças portuguesas”…

O reforço das acções da PIDE/DGS e SCCIA, conjugadas a outras quadrículas de “luta contra insurreição” no terreno do norte de Angola e nos países à volta de Angola (nos dois Congo e na Zâmbia), (http://media.rtp.pt/descolonizacaoportuguesa/pecas/a-guerra-instala-se-em-tres-frentes/) foi incrementado, conforme pode ser testemunhado pelos tomos da Fundação António Agostinho sobre “Agostinho Neto e a Libertação de Angola – 1949 – 1974”… todavia, apesar do neocolonialismo, com a luta política ganha, o movimento de libertação em África dispunha-se imparavelmente a ir muito mais longe no terreno!

… A criatividade do guia e dos seus companheiros de rumo foi determinante (http://jornalcultura.sapo.ao/historia/o-comandante-a-guerrilha-e-a-formacao-do-exercito/fotos):

… “O MPLA preconizou o desenvolvimento da luta armada e a sua expansão a todo o território nacional, em 1964.

Por isso, quando certas condições estavam criadas na República da Zâmbia, em 1966, o MPLA iniciou a guerra no Leste de Angola.

Assim, a guerra de guerrilhas chegou ao território do Moxico.

Este facto representou de maneira clara mais um marco e um avanço significativo para a luta de libertação nacional, visto que a 1ª Região Militar “estava isolada e quase inactiva.

[A 2ª região Militar] tinha dificuldades de penetração e de recrutamento […] apesar da quantidade de armas e munições […]” disponíveis.

De acordo com a visão de Agostinho Neto, a ideia estratégico-operacional não era permanecer no Leste, mas sim que “o Leste seria a base de guerrilha. O seu objectivo era atingir Luanda”. A partir de Malange e Bié.

Tirando partido deste ganho, em 1966, Agostinho Neto conceptualizou também a necessidade “da generalização da luta armada” a todo o território nacional. Mas esta ideia só foi levada à prática em 1967.

Por isso, neste ano, o MPLA tratou de dar corpo a duas ideias centrais da luta de libertação nacional.

 Começou por materializar a ideia da “generalização da luta armada” e apelou aos membros da Organização para a “participação efectiva na luta” armada.

Estas foram as metas fixadas por Agostinho Neto no período em análise. Porém, em 1967, Agostinho Neto frequentou um “estágio político-militar” mais certos companheiros na União Soviética.

Partindo da experiência acumulada com o Esquadrão Cienfuegos, em 1967, Agostinho Neto, como comandante, planeou o envio de mais um esquadrão para a 1ª Região Militar.

O Esquadrão Kamy partiu, mas não teve a mesma sorte.

Mesmo assim, os esforços prosseguiram no sentido de se auxiliar a 1ª Região Militar com outros apoios, tendo o MPLA preparado o Esquadrão Bomboko para o efeito.

Este mal conseguiu transpor o Zaíre devido às acções das forças de segurança deste país. Apesar de tudo, o MPLA continuou o seu trabalho para auxiliar a 1ª Região Militar mediante o envio da Coluna Benedito, em 1970, mas também não foi bem sucedido.

Diante destes recuos, o comandante foi forçado a alterar a sua estratégia em relação à 1ª Região Militar. Assim foi possível evitar outras baixas no seio da organização.

Fruto da visão do líder, a guerra de guerrilhas do MPLA registou um avanço notório em 1968.

A notoriedade resultou do alastramento da guerra de guerrilhas a todo território da 3ª Região Militar e ao facto do MPLA ter estendido as suas actividades militares a outras áreas geográficas”…

Saltar do paradigma do espaço vital da bacia do Congo, para a bacia do Zambeze, iria ser decisivo para os primeiros passos do fim do colonialismo português, para a transitoriedade do regime de Ian Smith e para o início do fim do “apartheid”! (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/05/africa-da-inercia-catastrofe-martinho.htmlhttp://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/aprender-com-historia.htmlhttp://paginaglobal.blogspot.pt/2018/04/colocar-nossas-pernas-titubeantes-no.html).

A internacional fascista na África Austral, pela primeira vez teria um sinal de avanço na direcção sul, a partir da linha entre Dar es Salam e Brazzaville, por que a Zâmbia propiciava acessos às organizações guerrilheiras da África Austral que, pela primeira vez, começaram a melhor fustigar o colonialismo português, o “apartheid” e o regime branco de Ian Smith na então Rodésia, futuro Zimbabwe! (https://paginaglobal.blogspot.com/2018_09_15_archive.html;  https://paginaglobal.blogspot.com/2017/02/angola-cuba-e-memoria-do-grande-salto.html).

A lógica com sentido de vida, tirou partido da passagem do paradigma da bacia do Congo para a bacia do Zambeze, deslocando estrategicamente a linha da frente informal cada vez mais para sul e antecipando a Linha da Frente que uniria os esforços de libertação contra o “apartheid”, já com Angola e Moçambique independentes! (http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/cartas_dos_leitores/nascimento_da_sadc).

CONTINUA

Martinho Júnior -- Luanda, 3 de Novembro de 2019

Imagens:
01- Agostinho Neto e Basil Davidson, uma inspiração anto fascista que se unia a Broz Tito, da Jugoslávia – uma foto que correu mundo (https://expresso.pt/actualidade/basil-davidson-1914-2010=f593672 ); 
02- “João António Rosa, Tiro ou Águas do Mar, integrante do Destacamento Cienfuegos e então Chefe das Operações da 1ª Região Militar. Entrevistado em Bernó a 18 de Novembro de 2010” – https://www.info-angola.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=4224:berno-base-guerrilheira&catid=657&Itemid=1756
03- “A guerrilha e a formação do exército” – foto de António Agoatinho numa das bases do MPLA – http://jornalcultura.sapo.ao/historia/o-comandante-a-guerrilha-e-a-formacao-do-exercito/fotos
04- “Dos diversos lugares visitados nessa altura, o mais impressionante foi Bernó, pela quantidade de vestígios ainda encontrados 42 anos depois de ter sido abandonado e pelas emoções que o lugar despertou nos antigos guerrilheiros que ali regressavam pela primeira vez, como Benigno Vieira Lopes, Ingo, Inácio Miseraque Santos, Achille e João António Rosa, Tiro” – https://www.info-angola.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=4224:berno-base-guerrilheira&catid=657&Itemid=1756
05- Iko Carreira, combatente da luta de libertação, estrategista, militar fundador das FAPLA e um dos fieis companheiros de António Agostinho Neto - http://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/o_pais_tem_uma_falta_de_memoria_historica_generalizada.

TEXTOS ANTERIORES, DESTA SÉRIE:





POEMA DA HEROÍNA ANGOLANA DEOLINDA RODRIGUES, MEMBRO DO CVAAR E FIGURA EMBLEMÁTICA DA ORGANZAÇÃO DAS MULHERES ANGOlANAS NA HORA DAS GRANDES DECISÕES (https://noticias.sapo.ao/actualidade/artigos/poema-de-deolinda-rodrigues-heroina-nacional-angolana):

África

Mamã África
geraste-me no teu ventre
nasci sob o tufão colonial
chuchei teu leite de cor
cresci
atrofiada mas cresci
juventude rápida
como a estrela que corre
quando morre o nganga
hoje sou mulher
não sei já se mulher se velhinha
mas é a ti que venho
África
Mamã África
Tu que me geraste
não me mates
não praguejes um rebento teu
senão, não tens futuro,
não sejas matricida.
sou Angola, a tua Angola
não te juntes ao opressor
ao amigo do opressor
nem a teu filho bastardo
eles caçoam de ti
caíste na ratoeira
enganada
não distingues o verdadeiro do falso
no teu cândido e secular vigor
cegaste
agora és tu
África,
Mamã África
que dás força ao irmão bastardo
para asfixiar-me
azagaiar-me pelas costas
o opressor, o amigo do opressor
o teu filho bastardo
(também tu, mamã áfrica?)
Divertir-se-ão
Ao ouvir-me expirar
Mas África,
mamã África
pelo amor da coerência
ainda quero crer em ti.”

Sem comentários:

Mais lidas da semana