sexta-feira, 1 de novembro de 2019

CPLP "em maus lençóis" com pena de morte na Guiné Equatorial


Malabo justifica a manutenção da pena de morte com o receio do terrorismo, mas analista afirma que esta "desculpa de incumpridor" deixa a CPLP mal vista.

A Guiné Equatorial é um Estado soberano e responde pelas suas posições, diz o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em declarações à DW África. Francisco Ribeiro Telles reage assim a uma notícia recentemente veiculada pela agência Lusa, segundo a qual a Guiné Equatorial diz recear ser refúgio de terroristas para justificar a manutenção da pena de morte.

"O que nós entendemos é que a Guiné Equatorial, ao integrar-se plenamente na CPLP, também criou um conjunto de obrigações em relação a determinadas matérias", lembra.

A tese de Malabo, que manifesta inquietação em relação a eventuais ações terroristas no país, consta do relatório da missão técnica de avaliação da CPLP, que esteve na capital da Guiné Equatorial entre 5 e 7 de junho deste ano. O documento, produzido pela equipa encabeçada pelo embaixador cabo-verdiano, José Luís Monteiro, concluiu que "não foi feita a abolição da pena de morte, mas o decreto presidencial que institui a moratória sobre a pena de morte continua em vigor".

Entretanto, o investigador em Ciências Políticas e Relações Internacionais Hélder Gomes diz que "falar de ameaça terrorista como algo que o país quer evitar", como forma de manter a pena de morte, "assenta numa série de argumentos rasteiros".

"Isso poderia ser, de facto, um fator de dissuasão à manutenção da pena de morte. Mas [as autoridades do país] metem os pés pelas mãos, porque dizem que ela ainda continua, mas não está a ser aplicada. Portanto, esta argumentação parece-me muito fraca", sublinha.


E agora, CPLP?

O processo para a abolição efetiva da pena de morte arrasta-se há demasiado tempo, lamenta o analista. Quando a Guiné Equatorial aderiu à CPLP, a 23 de julho de 2014 - uma entrada muito contestada - este foi um dos compromissos assumidos por Malabo "e, cinco anos depois, não cumpre os pré-requisitos".

"Quando digo pré-requisitos é mesmo porque deveriam ser tomados em conta antes da adesão efetiva. E, na realidade, aquilo que acontece é que esse incumprimento do roteiro de adesão coloca a CPLP em maus lençóis", considera Hélder Gomes.

Evitando entrar na polémica, o executivo da CPLP diz que, produzido o relatório a ser apresentado à próxima cimeira ao mais alto nível, prevista para julho de 2020, em Luanda, será necessário dar sequência a ações como a promoção e difusão da língua portuguesa, capacitação institucional, justiça e também dos direitos humanos, adequando a administração pública da Guiné Equatorial àquilo que são as práticas nos demais países da organização.

"Vamos, nos próximos dois anos, implementar esse programa. Esta é uma matéria em que a cimeira de Luanda fará um ponto de situação sobre os desenvolvimentos da Guiné Equatorial nesses diferentes eixos", garante Francisco Ribeiro Telles.

Guiné Equatorial "deveria ser expulsa"

O relatório da missão da CPLP refere ainda que, na reunião realizada em Malabo sobre o tema da pena de morte e direitos humanos, apenas esteve presente o embaixador equato-guineense acreditado na capital portuguesa, Tito Mba Ada. O diplomata representou as nove entidades nacionais que deveriam reunir-se com elementos da missão da CPLP, segundo confirmou a DW África.

Para Hélder Gomes, o documento "espelha bem a pouca relevância e a pouca importância que a Guiné Equatorial dá àquilo com que se comprometeu, antes de aderir à CPLP. Portanto, há um divórcio absoluto do Estado equato-guineense em relação a esta questão".

"A CPLP está demasiado condicionada pelos [seus próprios] estatutos para fazer acordos pré-estabelecidos e se afirmar inequivocamente como agente no plano internacional e no primado dos direitos humanos", acrescenta, defendendo "uma profundarevisão estatutária capaz de criar mecanismos de suspensão e ou expulsão de Estados-membros incumpridores, como já acontece na Commonwealth e também na Francofonia".

"Incumprindo há cinco anos, a Guiné Equatorial - os estatutos não o permitem, mas, na minha perspetiva - deveria ser expulsa. Ou pelo menos, suspensa", conclui o investigador, recordando que "isso é algo que já foi sendo discutido nas várias reuniões, dotar o secretário executivo de maior poder efetivo".

Em maio, na ilha do Príncipe, o chefe da diplomacia equato-guineense, Siméon Esono Angue, garantiu ao chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, estar em curso um processo legislativo e que uma decisão sobre a abolição da pena de morte poderá ser conhecida bem antes da cimeira de Luanda.

A missão técnica da CPLP, realizada em junho deste ano, tinha como objetivo fazer um levantamento das necessidades sujeitas a uma ajuda da organização em diferentes áreas para uma plena integração da Guiné Equatorial na qualidade de país-membro.

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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