Malabo justifica a manutenção da
pena de morte com o receio do terrorismo, mas analista afirma que esta
"desculpa de incumpridor" deixa a CPLP mal vista.
A Guiné Equatorial é um Estado
soberano e responde pelas suas posições, diz o secretário executivo da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em declarações à DW África.
Francisco Ribeiro Telles reage assim a uma notícia recentemente veiculada pela
agência Lusa, segundo a qual a Guiné Equatorial diz recear ser refúgio de
terroristas para justificar a manutenção da pena de morte.
"O que nós entendemos é que
a Guiné Equatorial, ao integrar-se plenamente na CPLP, também criou um conjunto
de obrigações em relação a determinadas matérias", lembra.
A tese de Malabo, que manifesta
inquietação em relação a eventuais ações terroristas no país, consta do
relatório da missão técnica de avaliação da CPLP, que esteve na capital da
Guiné Equatorial entre 5 e 7 de junho deste ano. O documento, produzido pela
equipa encabeçada pelo embaixador cabo-verdiano, José Luís Monteiro, concluiu
que "não foi feita a abolição da pena de morte, mas o decreto presidencial
que institui a moratória sobre a pena de morte continua em vigor".
Entretanto, o investigador em
Ciências Políticas e Relações Internacionais Hélder Gomes diz que "falar
de ameaça terrorista como algo que o país quer evitar", como forma de
manter a pena de morte, "assenta numa série de argumentos rasteiros".
"Isso poderia ser, de facto,
um fator de dissuasão à manutenção da pena de morte. Mas [as autoridades do
país] metem os pés pelas mãos, porque dizem que ela ainda continua, mas não
está a ser aplicada. Portanto, esta argumentação parece-me muito fraca",
sublinha.
E agora, CPLP?
O processo para a abolição
efetiva da pena de morte arrasta-se há demasiado tempo, lamenta o analista.
Quando a Guiné Equatorial aderiu à CPLP, a 23 de julho de 2014 - uma entrada muito
contestada - este foi um dos compromissos assumidos por Malabo "e, cinco
anos depois, não cumpre os pré-requisitos".
"Quando digo pré-requisitos
é mesmo porque deveriam ser tomados em conta antes da adesão efetiva. E, na
realidade, aquilo que acontece é que esse incumprimento do roteiro de adesão
coloca a CPLP em maus lençóis", considera Hélder Gomes.
Evitando entrar na polémica, o
executivo da CPLP diz que, produzido o relatório a ser apresentado à próxima
cimeira ao mais alto nível, prevista para julho de 2020, em Luanda, será
necessário dar sequência a ações como a promoção e difusão da língua portuguesa,
capacitação institucional, justiça e também dos direitos humanos, adequando a
administração pública da Guiné Equatorial àquilo que são as práticas nos demais
países da organização.
"Vamos, nos próximos dois
anos, implementar esse programa. Esta é uma matéria em que a cimeira de Luanda
fará um ponto de situação sobre os desenvolvimentos da Guiné Equatorial nesses
diferentes eixos", garante Francisco Ribeiro Telles.
Guiné Equatorial "deveria
ser expulsa"
O relatório da missão da CPLP
refere ainda que, na reunião realizada em Malabo sobre o tema da pena de morte
e direitos humanos, apenas esteve presente o embaixador equato-guineense
acreditado na capital portuguesa, Tito Mba Ada. O diplomata representou as nove
entidades nacionais que deveriam reunir-se com elementos da missão da CPLP,
segundo confirmou a DW África.
Para Hélder Gomes, o documento "espelha
bem a pouca relevância e a pouca importância que a Guiné Equatorial dá àquilo
com que se comprometeu, antes de aderir à CPLP. Portanto, há um divórcio absoluto
do Estado equato-guineense em relação a esta questão".
"A CPLP está demasiado
condicionada pelos [seus próprios] estatutos para fazer acordos
pré-estabelecidos e se afirmar inequivocamente como agente no plano
internacional e no primado dos direitos humanos", acrescenta, defendendo
"uma profundarevisão estatutária capaz de criar mecanismos de suspensão e
ou expulsão de Estados-membros incumpridores, como já acontece na Commonwealth
e também na Francofonia".
"Incumprindo há cinco anos,
a Guiné Equatorial - os estatutos não o permitem, mas, na minha perspetiva - deveria
ser expulsa. Ou pelo menos, suspensa", conclui o investigador, recordando
que "isso é algo que já foi sendo discutido nas várias reuniões, dotar o
secretário executivo de maior poder efetivo".
Em maio, na ilha do Príncipe, o
chefe da diplomacia equato-guineense, Siméon Esono Angue, garantiu ao
chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, estar em curso um processo
legislativo e que uma decisão sobre a abolição da pena de morte poderá ser
conhecida bem antes da cimeira de Luanda.
A missão técnica da CPLP,
realizada em junho deste ano, tinha como objetivo fazer um levantamento das
necessidades sujeitas a uma ajuda da organização em diferentes áreas para uma
plena integração da Guiné Equatorial na qualidade de país-membro.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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