O analista guineense Rui Semedo,
em entrevista à DW África, afirma que, após a demissão do Governo, o estado de
desordem está instalado no país. E que pode degenerar para situações mais
graves, até mesmo numa guerra.
A Guiné-Bissau, com a atual crise
política provocada pela demissão
do Governo, após decreto presidencial, está diante não apenas do adiamento
das eleições: o estado de desordem está instalado, o que pode degenerar
para situações mais graves, até mesmo numa guerra. É a opinião do analista
polícito guineense Rui Jorge Semedo.
Em entrevista à DW África,
o analista diz ainda que o Presidente José Mário Vaz é o patrocinador
desta situação, tendo conseguido superar todos os seus antecessores em termos
de desrespeito à separação de poderes vigente no país.
DW África: Quais são as razões e
implicações da decisão do Presidente José Mário Vaz de demitir o Governo de
Aristides Gomes?
Rui Semedo (RS): Segundo o
decreto presidencial, a razão do Presidente é a forte crise política
institucional que não chegou a mencionar. Sabemos que a gota de água que fez
transbordar o copo foi a manifestação do passado sábado que supostamente
originou uma morte não comprovada. No entanto, o Presidente da República
aproveitou esta situação para decretar a queda do Governo. Também acompanhamos
a denúncia feita pelo primeiro-ministro de que estava em marcha um golpe de
estado, apesar de não ser de fórum militar, mas pode ser enquadrado dentro
dessa perspetiva, já que o Presidente da República, do ponto de vista
constitucional, não tinha poderes para decretar a queda do Governo. Portanto,
são jogos políticos que visam sobretudo a corrida eleitoral, mas também de uma
parte da oposicão não está preparada para o embate e procuraram de forma
anticonstitucional mecanismos para adiar as eleições.
DW África: A propóstio do golpe
de Estado, o Presidente guineense diz ter trazido a estabilidade e ter acabado
com os golpes de Estado na Guiné Bissau. Como avalia a posição dele em
comparação com o cenário atual que se vive no país?
RS: Não houve golpe nesses
aproximadamente seis anos, porque na Guiné Bissau há uma força de manutenção de
paz da CEDEAO [Comunidade Económica da África Ocidental]. Esse é o primeiro
aspeto a considerar. O segundo aspeto é que durante o seu mandato o Presidente
da República deu golpes palacianos. Ou seja, recusou os resultados das eleições
de 2014, após ter demitido o Governo saído dessas mesmas eleições. E não
devolveu o poder ao partido vencedor dessas eleições, conforme recomenda a
Constituição da Guiné-Bissau. O Presidente da República durante todo esse
mandato mostrou dificuldades em cumprir com as leis do país e com os acordos
internacionais para ultrapassar a crise, assim como agora no último acordo que
ele que assinou durante a cimeira de chefes de estado da CEDEAO. Agora
contabilizamos oito Executivos durante cinco anos. Por isso, não se pode
vangloriar como tendo concedido ao país um período de paz e estabilidade. O
país está a viver sucessivamente durante a sua presidência uma instabilidade
cujas consequencias são imprevisíveis. E o principal culpado de um instalar da
desordem será o Presidente da República e mais ninguém.
DW África: A postura do
Presidente, de demitir este e empossar aquele, não será uma tentativa de ele
querer ser o Presidente e chefe de Governo ao mesmo tempo, apesar de não ser
esse o sistema?
RS: Sim, foi essa a atitude
que sempre norteou a presidência de José Mário Vaz. Ele por diversas vezes
"dizia meu Governo", talvez por dificuldades de fazer a separação do
papel do Presidente da República no sistema semi-presidencialista e no sistema
presidencialista. A Guiné-Bissau adotou o sistema semi-presidencialista com a
separação clara de poder, mas na sua recente história democrática os sucessivos
Presidentes têm tido dificuldades em trabalhar e em agir no quadro que a
Constituição lhes concede. Mas desta vez o atual Presidente excedeu, conseguiu
superar todos os seus antecessores, batendo recorde em tudo: demitiu oito
primeiros-ministros, três procuradores-gerais da República e só não demitiu o
chefe do Estado-Maior porque há uma aliança implícita entre estas
instituições para o Presidente continuar a fazer as suas investidas.
DW África: O Presidente empossou
o novo primeiro-ministro, entretanto Aristides Gomes continua as suas funções
normalmente. Quem é o primeiro-ministro da Guiné-Bissau na prática?
RS: É o primeiro-ministro
reconhecido pela Constituição da República, saído das eleições de 10 de março
passado. Esse é um ponto. O outro ponto é que a comunidade internacional,
como a CEDEAO e alguns países que estão a acompanhar a evolução da
situação política, como Portugal, reconhecem o Governo saído das eleições.
DW África: O que significa essa
situação para os cidadãos guineenses que têm o primeiro-ministro apoiado pelo
Presidente e o outro que se recusa a deixar o cargo e recebe diversos
apoios importantes, inclusive da comunidade internacional. Como é que
isso será na prática?
RS: Apesar de o país estar
neste momento dividido, é muito evidente que a maior parte dos guineenses
defenda o Governo constitucional e não o Governo que acabou de ser nomeado
pelo Pesidente da República. Neste momento, o sentimento do guineense é que o
senhor Presidente está a empurrar o país para uma desordem que pode degenerar
em caos.
DW África: Qual é a solução para
esta situação?
RS: É só o Presidente cumprir
com aquilo que está na Constituição da República e com o compromisso que ele
assumiu durante a conferência dos chefes de Estado da CEDEAO. Deve reconsiderar
a sua posição, deixar que o Governo constitucional continue a fazer o seu
trabalho e a oposição também tem de fazer o seu trabalho, apontando os
erros da governação, porque essa é a essência da democracia.
DW África: O senhor disse que o
país está a ser empurrado para uma crise que pode descambar numa guerra civil e
disse também que é imprevisível o que pode vir agora a acontecer. Quais são as
suas expetativas para os próximos desenvolvimentos?
RS: Minha expetativa é que
esta decisão do Presidente da República não tenha pernas para andar. Temos
um partido que ganhou as eleições e independentemente de estarmos de acordo ou
não, o importante na democracia é respeitar os resultados eleitorais. Vamos
desenvolver a cultura democrática, deixar quem ganhou governar. Se não
observamos isto continuaremos a dar sobressaltos e a derrubar governos.
Cristiane Vieira Teixeira |
Deutsche Welle
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