Apesar de crescimento econômico
ameaçar o clima, ele é necessário, sobretudo em países mais pobres. Perante
este impasse, especialistas defendem que o capitalismo passe a priorizar
investimentos sustentáveis.
Em seu romance de ficção
científica de 2012 News From Gardenia (Notícias de Gardênia, em
tradução livre), o autor Robert Llewellyn observa um mundo que acaba
ficando bem. Os seres humanos vivem harmoniosamente com o ambiente natural
ao seu redor. O capitalismo de mão pesada parece ter entrado em colapso,
substituído por uma troca local de bens e serviços. As comunidades parecem mais
saudáveis e felizes, mas é uma
catástrofe global inespecífica na história que forçou a mudança.
O arco narrativo é tal que Greta
Thunberg também concordaria com ele. O crescimento econômico é um "conto
de fadas" que mata o planeta, disse a jovem ativista em setembro.
"Desacelerem por opção agora", pediu ela aos líderes da Cúpula da
Ação Climática da ONU, "ou as mudanças climáticas nos forçarão a
fazê-lo – talvez mais cedo do que mais tarde".
Sublinhando seu ponto de vista, o
movimento Greve pelo Futuro (nome internacional: Fridays For Future) de
Thunberg convoca um Dia sem Compras nesta sexta-feira (29/11), em plena Black
Friday, uma tradição comercial dos EUA que se segue ao Dia de Ação de
Graças e dá a largada para a temporada de compras de Natal.
Para a maioria dos economistas,
no entanto, uma solução de baixo ou nenhum crescimento para as mudanças
climáticas não é algo a ser levado a sério e certamente não pode ser aplicado
em escala global. "O campo da Greta é mais um fenômeno econômico
avançado", diz à DW Adam Tooze, professor de história da economia na
Universidade de Columbia. "Está no domínio da política razoável para economias
avançadas dizer que não precisamos de mais crescimento."
Ele acrescenta, entretanto, que
isso não se aplica às economias mais pobres e em desenvolvimento, que enfrentam
uma "genuína escolha difícil" entre atender às
"necessidades humanas existenciais" – como água potável, saneamento e
assistência médica – e buscar a rápida descarbonização necessária para atender
às metas do Acordo de Paris sobre o aquecimento global.
"Isso coloca a maior parte
do ônus da descarbonização nos países ricos", frisa Tooze. "Neles, o
desafio é menor, mas de modo algum é uma questão fácil em termos de tecnologia
e política". Economistas como Tooze defendem, ao invés de uma escolha
radical por um não crescimento, puxar as alavancas existentes do capitalismo
global para alcançar o crescimento sem pegada de carbono.
Uma dessas alavancas são os
bancos centrais, que, segundo Tooze, poderiam projetar políticas monetárias que
favoreçam soluções climáticas como energias renováveis, tecnologia de baterias
e captura de carbono em larga escala, além de tornar menos atraentes os
investimentos sujos.
Com a flexibilização quantitativa
(QE, na sigla em inglês) de volta à caixa de ferramentas do banco central para
estimular as economias estagnadas, Tooze quer que o Banco Central Europeu
"se comprometa a comprar tantos títulos verdes quanto puder, sem excluir
investidores privados".
"Não há realmente nenhum
caso para bancos centrais ou gestores de reservas cambiais estrangeiras ainda
continuarem subscrevendo um status quo de combustíveis fósseis, que sabemos que
não é sustentável", afirma o especialista.
A ideia causa arrepio a alguns
bancos centrais, especialmente ao Bundesbank, o Banco Central alemão, que se
opõe à QE de maneira mais ampla e é "muito crítico" à chamada QE
verde. "Nossa missão é a estabilidade de preços, e a neutralidade do
mercado é fundamental para nossa política monetária", disse o presidente
do Bundesbank, Jens Weidmann, no mês passado em Frankfurt.
Capital verde
Em outras palavras, é trabalho
dos políticos, não dos bancos centrais, colocar o dedo na balança, despejando
trilhões de dólares de capital em prol da desaceleração do aquecimento global.
Outras instituições financeiras
são menos nervosas. No início deste mês, o Banco Europeu de Investimento
(BEI) anunciou que deixaria de apoiar projetos de combustíveis fósseis até o
final de 2021. Isso retiraria de hidrocarbonetos cerca de 2 bilhões de euros em
financiamento anual proveniente da União Europeia (EU).
Os analistas de financiamento
climático saudaram a decisão do BEI, observando que ainda há muito mais a ser
feito. O financiamento climático global total atingiu 612 bilhões de dólares em
2017, um recorde, antes de cair para 546 bilhões de dólares em 2018, de acordo
com um relatório anual divulgado neste mês pela Iniciativa de Política
Climática (CPI), think tank ambientalista que presta consultoria sobre
investimentos verdes.
A entidade calcula que sejam
necessários 3,8 trilhões de dólares a cada ano para atingir as metas climáticas
de Paris.
"A verba não basta",
diz Barbara Buchner, diretora de finanças climáticas da CPI. "Mas reservar
apenas alguns pontos percentuais do investimento total para a ação climática
nos levaria muito mais longe."
Buchner quer ver uma
"transformação econômica total", que, antes de mais nada, significa
acabar com o carvão, eletrificar o transporte, além de produzir e distribuir
energia renovável suficiente para assegurar que a eletricidade seja livre
de carbono. "A tecnologia existe", diz. "Ou pode existir em
breve, caso sejam dados incentivos suficientes para pesquisa e desenvolvimento
em larga escala."
Revolução Industrial como exemplo
"Esse tipo de transformação
já aconteceu anteriormente", afirma Ashoka Mody, economista da
Universidade de Princeton. Ele deposita suas esperanças de crescimento
econômico climaticamente neutro em parte, e talvez ironicamente, no ponto de
virada histórico que iniciou a mudança climática: a Revolução Industrial.
Naquela época, como agora, o sistema econômico global mudou fundamentalmente; e
então, como agora, a transição produziu vencedores que lucraram e perdedores
que precisaram de compensação.
A comparação de Mody, no entanto,
vem com uma ressalva: sem uma ameaça iminente, a revolução industrial do século
19 foi se desenvolvendo à medida que a tecnologia e as práticas de negócios
evoluíam. A adoção foi mais orgânica.
O rápido aumento da temperatura
global, como previsto no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC) de 2018, significa que "não podemos esperar", diz
ele. "A intervenção governamental precisa ser muito mais agressiva",
alerta.
Embora exista um amplo
consenso de que tanto uma taxação séria sobre o carbono quanto uma
regulamentação forte são necessárias, Mody defende principalmente a última.
"Normas funcionam. Restrições levam à inovação", afirma, citando como
exemplo o Clean Water Act (lei da água limpa) de 1972, que forçou a indústria
dos EUA a encontrar modos de limitar a poluição da água e continuar lucrativa.
Para Mody, a questão não é se a
economia pode crescer, mas como. "Tantas pessoas ainda são
desesperadamente pobres", observa. "Em seu nível mais básico, o
crescimento econômico é o que permite que as crianças se saiam melhor que seus
pais", diz. "Sem crescimento, as pessoas vão perder o incentivo para
participar da vida cívica."
William Noah Glucroft (md) | Deutsche
Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário