quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Portugal | Ainda não Chega?

Paulo Baldaia | Jornal de Notícias | opinião

Um mês depois dos novos partidos chegarem ao Parlamento, já deu para perceber que os vícios são velhos. Um partido que de Livre tem pouco e está preso por algemas a uma deputada em quem não confia e outro que de tão Liberal só mantinha a liderança se o Estado se dispusesse a pagar-lhe ordenado de deputado.

E o que dizer mais sobre o Chega? Como o partido é apenas o Ventura mais um punhado de ideias que adquiriu num catálogo internacional da extrema-direita, sobram as contradições entre o que ele é hoje e o que ele foi e defendeu num passado recente. Coisa pouca para quem se dispõe a votar no Ventura e lhe interessam apenas as ideias do catálogo.

Convencidos que estávamos com esta lufada de ar fresco e espírito democrático, com os eleitores a premiarem a novidade e a pluralidade, continuamos a desvalorizar o perigo que representa a besta à solta. E sim, estou a chamar besta ao Ventura, pelas ideias que ele anda a colocar na ventoinha. O Ventura como apareceu, haverá de desaparecer, mas aquelas ideias estavam bem fechadas em gavetas que agora nos dispusemos a abrir. Alguém acredita verdadeiramente que polícias e militares da GNR disponíveis para abraçar ideias xenófobas e racistas só passaram a existir com o doutor Ventura? É claro que não! Mas esta normalização, com o argumento de que todas as ideias devem ser discutidas, não tem nada de democrático. E elas continuarão à solta por muitos anos, ao serviço da conveniência de uns trafulhas que ganham sempre que o medo se instala na memória coletiva.


Quando milhares de homens e mulheres armados se dispõem a vestir a camisola do Ventura ainda acham que não chega? A primeira barreira a ser levantada tem mesmo de ser a da dignidade do exercício da profissão de jornalista. Sim, é obrigação dos jornalistas censurar discursos xenófobos e racistas. Sim, os jornalistas não devem ter medo do politicamente correto e devem deixar o Ventura a falar sozinho. E o Governo socialista? Já percebeu que, fazendo bem em não aceitar o Ventura como interlocutor, tem de ser bastante mais lesto a responder às justas reivindicações de quem mais tem contribuído para Portugal ser um país seguro? Pagamos muito mal a polícias e militares da GNR, numa atitude hipócrita e ofensiva de quem acha que, tendo em conta a origem destes homens e mulheres, lhes basta a promoção social para colocarem a vida em risco pela nossa segurança. Agora, que eles se mostram disponíveis para passar para o outro lado, ainda acham que chega?

*Jornalista

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