Anselmo Crespo | Diário de Notícias
| opinião
A política em Portugal está a
tornar-se irrespirável. O ambiente vinha a degradar-se há já algum tempo, mas a
situação agravou-se - e muito - depois das últimas eleições legislativas. O
debate de ideias está a dar lugar a um discurso de ódio que é alimentado pela
esquerda, pela direita, pelo centro e pelos que não são nem uma coisa nem
outra, mas que se alimentam da intriga, do insulto e da estupidez humana no seu
estado mais puro.
A entrada do Livre, do Iniciativa
Liberal e do Chega no parlamento explica, em parte, este crescendo do discurso
de ódio na política portuguesa. Nuns casos porque parece ser mesmo essa a
estratégia, noutros pela disrupção que eles vieram introduzir no sistema
político-partidário português. Seja como for, os extremos, as franjas, mudaram
e, com eles, surgiu um debate que já não é tanto de ideias, de propostas, de
prioridades políticas, mas antes de uma espuma política, feita de casos, de
notícias falsas, de boatos, de campanhas de difamação, que nos impedem de olhar
para o que verdadeiramente é estrutural e prioritário.
Sobre o Chega, nada de muito
surpreendente está a acontecer. A eleição de André Ventura "só"
ajudou a sair da "toca" os saudosistas do bafiento Estado Novo, os
"cronistas" de café que andam há anos a repetir as mesmas frases
feitas e os cobardes que continuam a esconder-se atrás de perfis falsos nas
redes sociais. São estes que lhe fazem o "trabalho sujo" e que vão
arregimentando novos "militantes" para a causa (qual causa?) do
Chega. Não estou, com isto, a subestimar André Ventura, pelo contrário. A
estratégia dele é eficaz e, se o combate não for feito de forma inteligente, as
consequências para a democracia podem ser graves. Muito graves.
O Iniciativa Liberal é um caso
diferente. Este partido veio mexer com os nervos do centro-direita, perdido e
sem discurso há mais de quatro anos. A eleição do primeiro deputado
assumidamente liberal só agravou ainda mais esta crise de identidade, sobretudo
do CDS, mas também de algumas franjas do PSD. A estratégia do ataque
gratuito - que o Iniciativa Liberal aqui e ali também alimenta - em nada
contribui para a elevação do debate político.
Do lado contrário, temos o Livre.
O partido com que Rui Tavares sonhou, mas a que só Joacine Katar Moreira, com a
sua gaguez, conseguiu dar o mediatismo necessário para chegar ao parlamento. E,
agora que lá está, não é sobre as propostas para a saúde, para a educação ou
para a política económica e europeia do Livre que andamos todos a falar. É
sobre a dificuldade que todos temos em compreender o que Joacine diz, é sobre a
saia que o assessor do Livre decidiu levar, estrategicamente, no primeiro dia
de trabalhos na Assembleia da República, é sobre as discriminações de que a
deputada já foi vítima, seja pelo género ou pela cor da pele. A estratégia é
"dar nas vistas". Falem bem ou falem mal, mas falem, que isso, mais
tarde que cedo, será capitalizado em votos.
A eficácia do discurso de Joacine
não depende tanto do tempo que tem para as intervenções que faz no Parlamento,
mas da velocidade com que carrega no "gatilho" para disparar nas
redes sociais, contra tudo e contra todos, até contra os que, como ela, são de
esquerda, mas ousaram criticá-la. A resposta de Joacine Katar Moreira no
Twitter ao artigo de opinião de Daniel Oliveira mostra-nos duas coisas: que
quem tiver alguma critica política a fazer à deputada do Livre leva
imediatamente com o rótulo de extrema-direita e que o discurso de ódio na
política portuguesa já não tem apenas as trincheiras da esquerda e da direita,
está a entrar numa anarquia extremamente perigosa.
Mas, nas últimas semanas, há mais
evidências de que o debate político em Portugal está a atingir um nível de extrema
estupidez. A propósito de um tema tão sério quanto o resgate de migrantes no
Mediterrâneo, a esquerda decidiu lançar uma "campanha" de
desinformação nas redes sociais, com o único propósito de criar um discurso de
ódio contra a direita. A notícia de que dois eurodeputados portugueses - Nuno
Melo e Álvaro Amaro - votaram contra o resgate de migrantes, tornando-os quase
"assassinos", pecava por defeito e, Marisa Matias, a eurodeputada do
Bloco de Esquerda que lançou a "bomba", sabia-o. A verdade é que havia
quatro propostas em cima da mesa, das várias famílias políticas europeias e, na
sua essência, todas defendiam o resgate dos migrantes. Como cada uma destas
propostas tinha a marca política identitária de cada um dos proponentes e os
eurodeputados foram incapazes de fazer o que lhes compete, que é chegar a um
consenso, a direita decidiu votar contra a esquerda e a esquerda decidiu votar
contra a direita. O que fez toda a diferença foi a forma eficaz como a
esquerda espalhou o seu spinning mediático, uma meia verdade que se espalhou de
forma viral. O que significa, também, que a desinformação venceu e a
comunicação social, o jornalismo, falhou no seu papel de dar todos os factos e
enquadrá-los devidamente.
Os exemplos vão-se sucedendo. Os
trolls do Facebook já estão a invadir o Twitter e qualquer dia (qualquer dia?)
chegam aos jornais, às rádios e às televisões, para nos atirarem a todos para
um lamaçal de onde será muito difícil sair. Com a complacência ou a
proatividade de muitos políticos, comentadores, jornalistas, direções de órgãos
de informação, este caminho de extrema estupidez tem que ser travado, sob pena
de deixarmos de discutir política com argumentos e passarmos a discuti-la na
base do insulto e do ódio.
Portugal, que muitos achavam que
estava a resistir a este populismo bacoco, claramente não está imune a ele. E a
única forma de o combater é começando a resolver os problemas das pessoas.
Voltar a colocá-las no centro das políticas. É com partidos políticos, da
esquerda à direita, que saibam estar à altura das suas responsabilidades,
capazes de se apresentarem ao eleitorado com um programa que responda aos
problemas que têm décadas, com alternativas, mas também com a capacidade de
chegar a compromissos. Caso contrário, a nossa democracia vai continuar neste
apodrecimento lento que, se não for travado, a pode matar.
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