Estamos a assistir à
institucionalização de uma espécie de “campos de refugiados” para trabalhadores
agrícolas estrangeiros no Alentejo.
Helena Roseta | Público | opinião
A Resolução do
Conselho de Ministros 179/2019, de 24 de Outubro, eufemisticamente
intitulada “Regime especial e transitório aplicável ao Aproveitamento
Hidroagrícola do Mira” e
noticiada há dias neste jornal, é uma violação grosseira do direito à
habitação consagrado na nossa Constituição e na Lei 83/2019 – Lei
de Bases da Habitação.
Trata-se de legalizar, durante
dez anos, a instalação de contentores no perímetro de rega de Mira, que abrange
os concelhos de Odemira e Aljezur, para alojar em condições precárias 400
trabalhadores migrantes, longe das aldeias, com deficiente abastecimento de
água e sem direito a espaço público. É verdade que há falta de alojamento nos
aglomerados próximos e que muitos contentores já lá estão, em condições
desumanas. Mas esta Resolução, que se preocupa com o respeito pelas normas
ambientais, paisagísticas e urbanísticas, esqueceu as pessoas. Os contentores
são agora equiparados a “estruturas complementares da actividade agrícola”,
como se a habitação para os trabalhadores fosse a mesma coisa que o
armazenamento de alfaias agrícolas.
A Resolução explicita as
exigências para tais “estruturas complementares” ou “unidades amovíveis de
alojamento”. Cada unidade de alojamento, com uma área total de cerca de 120 m2,
destina-se a 16 pessoas e tem quatro quartos com dois beliches, uma
sala/cozinha, quatro instalações sanitárias compostas por sanita, duche e
lavatório, um pátio exterior e um pátio interior. Meter 16 pessoas em quatro
quartos, mesmo com pátios pelo meio, viola o mínimo de privacidade individual
que a Constituição e a lei impõem que seja assegurado a todos, nacionais e
estrangeiros. Prevê-se ainda, “a partir de um determinado número de
trabalhadores”, uma cozinha e um espaço comum para refeições, bem como uma
“estrutura ligeira e amovível como espaço de convívio”. Estamos a assistir à
institucionalização de uma espécie de “campos de refugiados” para trabalhadores
agrícolas estrangeiros no Alentejo.
De facto, a Resolução exige um
afastamento mínimo de 1 km dos aglomerados urbanos existentes, como se
estivéssemos a alojar gente cujo contributo para a vida local não se pretende
nem deseja. O direito à habitação, segundo a lei de bases, inclui o direito ao
“habitat”, mesmo que se trate de “habitat” rural. A Resolução ignora
olimpicamente essa exigência, que implica acesso a transportes e a equipamentos
colectivos, nomeadamente serviços de saúde e apoio educativo e social. Será que
se presume que todos estes trabalhadores não têm família, nem vida conjugal,
nem crianças? Que não precisam de abastecimento comercial para o seu dia-a-dia? Que
não podem conviver com as gentes das terras que os acolhem?
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