segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Portugal pode aprender com Espanha?


A crise política em Espanha ensina-nos que o país vizinho nada aprendeu com a experiência portuguesa.

Pedro Tadeu | TSF | opinião

Os resultados eleitorais de abril deram à esquerda política espanhola a possibilidade de formar uma solução governativa semelhante à da geringonça portuguesa, ou seja, uma solução que permitisse aos socialistas fazerem um governo com apoio parlamentar para as questões principais do Unidas Podemos e de outras formações de esquerda.

Se tivesse havido uma geringonça espanhola, provavelmente o maior problema que a Espanha enfrenta - a questão da Catalunha - teria uma possibilidade de solução. E as eleições de ontem teriam sido evitadas.

Mas o Unidas Podemos quis ter ministros, não aceitou estar apenas no Parlamento, e o PSOE não abriu a porta a uma possibilidade de entendimento mínimo.

Com os resultados de ontem à noite, a esquerda, se quiser governar, terá agora de encontrar um entendimento entre o PSOE, o Unidas Podemos, o MAS (uma cisão do Podemos), os independentistas da Catalunha da ERC e um dos 12 pequenos partidos do novo Parlamento.

É uma missão impossível, pois arranjar nesta altura uma solução política com a ERC significaria admitir a independência da Catalunha.

Como o PSOE fez toda a campanha tentando demonstrar que era totalmente contra o independentismo catalão (tanto quanto os partidos à direita, o Partido Popular e o VOX) entraria numa contradição insanável, que mataria rapidamente um acordo desse tipo.

Se em abril tivesse havido uma geringonça espanhola, até a questão a Catalunha teria uma hipótese de solução, pois poderia abrir caminho a um referendo feito em condições aceitáveis para todas as partes, com a alternativa de uma forma qualquer institucional de reforço da autonomia nacionalista catalã poder ser apoiada popularmente na Catalunha, em vez da independência absoluta do território.

O timing em tática política é quase tudo. Pedro Sánchez e Pablo Iglésias não aprenderam isso com António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins.

Provavelmente a única solução política de curto prazo para a Espanha, que não implique novas eleições, será a formação de um governo de "bloco central" entre PSOE e PP (isto se aceitarmos que o Partido Popular é hoje um partido do centro e não de pura direita, com traços autoritários), mas, como é óbvio, esse eventual acordo, dada a competição e as diferenças programáticas entre os dois partidos, corre o risco de se esboroar em três tempos, até pela desconfiança que há entre os dirigentes dos dois partidos.

Se PSOE e PP se entenderem para formar governo, então a questão catalã irá agravar-se ainda mais. A tendência desse eventual governo não será a de negociar mas a de tentar esmagar completamente, mesmo com recurso à violência, os protestos dos independentistas.

Acontece, porém, que os resultados eleitorais de ontem mostram também que há um reforço na Catalunha do voto pela independência.

Os partidos puramente independentistas conquistam no Parlamento espanhol mais espaço e elegem na província da Catalunha 30 lugares. Nesta província os que são totalmente contra a independência elegem apenas 18 deputados para o Parlamento espanhol, sendo que 12 desses 18 lugares são do PSOE que, em tempos, admitia o reforço da autonomia catalã.

Estes resultados parecem reforçar a ideia de que os independentista catalães não vão parar a sua luta e que a capacidade de obter um compromisso que impeça a independência total, mas garanta a autonomia do território e o perdão aos condenados à prisão pela declaração de independência de há dois anos seja praticamente impossível.

Espanha, à esquerda, não aprendeu com a experiência portuguesa mas, já agora, talvez a esquerda portuguesa pudesse aprender alguma coisa com a experiência espanhola.

Por exemplo, a volatilidade dos novos partidos: o Podemos e o Ciudadanos, que tiveram nos últimos anos subidas extraordinárias, têm quedas eleitorais graves (no caso do Ciudadanos é mesmo uma hecatombe), o que demonstra que o êxito de novos partidos não é tão sólido, não está tão enraizado no eleitorado como tantas vezes parece e que os partidos tradicionais (veja-se a subida do PP) são, afinal, resilientes.

E o crescimento da extrema-direita em Espanha, através do VOX, demonstra que quando os problemas das populações não têm uma solução, quando se arrastam no pântano das não decisões, das tricas palacianas, dos adiamentos, dos fingimentos, a tendência, legítima, é as pessoas virarem-se para quem parece mais decidido e comprometido em encontrar um final para essa história.

O VOX subiu eleitoralmente porque é claro e promete decisão (mesmo que esteja errado) da questão catalã e de muitas outras que preocupam os espanhóis.

Portugal devia, por esta via indireta, aprender com a Espanha - se lá a questão a Catalunha ajuda o extremismo à direita, aqui é a fragilidade do combate à corrupção política e ao crime de colarinho branco que dá força ao autoritarismo que os saudosos do fascismo empurram para a arena política.

O combate à corrupção é decisivo para o futuro político de Portugal.

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