Pedro Tadeu | TSF | opinião
A delação premiada é uma forma
nova, mais simpática, de falar dos antigos "bufos" das prisões do
fascismo ou dos "arrependidos" do pós 25 de abril.
A delação premiada é praticada
por pessoas que se envolveram em crimes e que, para se safarem com penas de prisão
ou multas mais leves, aceitam confirmar ao Ministério Público e à Polícia as
suspeitas que estas têm sobre outros criminosos.
Qualquer pessoa que vê séries de
televisão norte-americanas tem uma noção do que é a delação premiada e dos seus
efeitos.
Os Estados Unidos são o país com
maior população prisional no mundo e uma grande parte das condenações é obtida
por acordo entre acusação e defesa. Esses acordos são pressionados por provas
muitas vezes obtidas por testemunhos abrangidos por um regime semelhante ao de
delação premiada.
Nos anos 70 do século passado
líderes da Máfia foram apanhados dessa maneira e muito do combate ao tráfico de
droga passou e passa, ainda, por aí.
Parece uma coisa boa, pois há
gente que fica presa e que de outra forma andaria livre, mas há também muita
gente que fez exatamente os mesmos crimes dos que acabam condenados e que fica
em liberdade e, até, com proteção policial. E a criminalidade relacionada com o
tráfico de droga ou a corrupção nas instituições americanas não diminuiu, que
se saiba, por essa prática tão banalizada.
A delação premiada é uma forma de
corromper o sentido de justiça da sociedade, onde parece que quem atua como um
oportunista sem escrúpulos - seja para praticar o crime, seja para se safar
dele - é acarinhado, protegido e favorecido em relação aos outros criminosos.
No Brasil, o terceiro país com
mais presos no mundo, tivemos uma escandalosa manipulação da delação premiada
pelo juiz Sérgio Moro e pelo procurador que liderou as investigações à
corrupção na classe política brasileira.
O jornalismo brasileiro tem
revelado que os delatores premiados, os tais "bufos" ou supostos
"arrependidos", acordaram dizer em tribunal aquilo que convinha à
acusação, fosse ou não fosse verdade.
Os delatores, se tivessem para
dizer alguma coisa aparentada com a verdade, aceitavam também contar as coisas
de forma manipulada, de acordo com os interesses processuais de quem conduzia a
investigação.
Pior, o jornalismo brasileiro já
tornou claríssimo que as delações premiadas não foram um instrumento da
justiça, foram antes um instrumento político para meter na cadeia, de qualquer
maneira, os alvos do processo Lava Jato em geral e, em particular, para impedir
que Lula da Silva fosse candidato as eleições presidenciais.
Quando, hoje em dia, olhamos para
o Brasil e para o seu combate à corrupção, assente boa parte na delação
premiada, só podemos ter a certeza de uma coisa: a justiça parece ser tão
corrupta como a política.
É isso que queremos para
Portugal?
Quando discutimos a delação
premiada, quando aparecem propostas como a do governo para a facilitar, não nos
podemos esquecer da experiência de outros países.
O combate à corrupção em Portugal
está a produzir resultados.
Temos um antigo primeiro-ministro
a responder em tribunal, já condenámos a penas de cadeia vários políticos e
também ilibámos alguns.
Até juízes e procuradores estão
sob suspeita, a ser investigados, ou foram já condenados.
Temos processos complexos na área
da banca, com acusados que durante anos dominaram a economia do país.
As coisas são lentas,
desesperadamente lentas, mas progridem, apesar do vendaval que provocaram na
opinião pública, com um mínimo de coerência e de credibilidade.
A delação premiada vai tirar essa
coerência e essa credibilidade à justiça, vai fragilizar um pilar institucional
crucial para a nossa democracia: o Estado de Direito vai perder equilíbrio,
porque os tribunais passarão a condenar com base em declarações de pessoas, os
delatores, que têm vantagem em mentir - e isso põe todas as decisões sob dúvida.
O combate à corrupção tem de ser
uma prioridade, caso contrário as ideias fascizantes, populistas ou justiceiras
que contaminam uma parte da sociedade terão mais e mais adeptos.
Deem mais dinheiro e mais meios
às polícias e aos magistrados, acabem com o segredo de justiça, acabem (como a
Suécia, um dos países menos corruptos do mundo, faz desde o princípio do século
passado) com o segredo fiscal, acabem com os megaprocessos, façam o que
quiserem, mas não reforcem as possibilidades e os prémios da delação premiada.
O combate à corrupção não pode
ser feito através de um caminho que, inevitavelmente, corromperá a própria
justiça e, em consequência, dará ainda mais força a essas ideias da
extrema-direita, que tanto assustam os donos do regime.
Contra a corrupção, sim, a favor
de uma justiça corrupta, não.
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