Que relação tinha Rui Rangel com
o Benfica? De onde vem o juiz? Qual a origem da Operação Lex? Porquê a expulsão
do Conselho Superior da Magistratura? Que relação tem o magistrado com a
Operação Marquês? Cinco questões para perceber o processo judicial que gira em
torno do magistrado que já quis ser presidente do Benfica
Voos de Ícaro são perigosos e
costumam acabar mal. Tendo em conta a expulsão do Conselho Superior da
Magistratura (CSM) anunciada esta semana, talvez o juiz Rui Rangel, 64 anos,
tenha voado, nos últimos anos, demasiado perto do sol. Ao contrário do que é hábito
(e esperado) dos juízes, Rangel nunca se coibiu de partilhar opiniões na praça
pública. Comentou processos judiciais em curso na televisão e escreveu textos
de opinião que lhe valeram sanções disciplinares. “Os juízes,
infelizmente, não sabem ser membros de um poder soberano, agem com mentalidade
de funcionários públicos. São a classe menos confiável em Portugal”, chegou a
afirmar, em declarações ao jornal “i”, em 2015. Reservado quanto à sua
filiação futebolística nunca foi.
No início do ano passado, o
magistrado foi sugado (juntamente com ex-mulher Fátima Galante e outros 12
arguidos) para o centro da Operação Lex, na qual é suspeito de ter prometido
favorecer o filho de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, num processo
judicial, a troco de um lugar na Fundação Benfica. O juiz terá alegadamente
recebido 400 mil euros. De acordo os primeiros indícios da investigação, Rui Rangel
terá sido subornado para influenciar decisões em processos que não eram seus,
mas nem chegava a contactar os colegas responsáveis. O juiz recebia o dinheiro
e nada fazia.
Em reação à expulsão do CSM, o
advogado João Nabais, representante do magistrado, disse ao Expresso:
“Isto é absolutamente inédito. O processo deveria ter ficado a aguardar a
conclusão do processo crime. Isto é perseguição em estado puro.” Segundo o
advogado, não houve qualquer investigação no processo disciplinar. “Foram ao
processo crime buscar o despacho de indiciação e transportaram tudo em bloco
para o processo disciplinar”, afirmou.
QUE RELAÇÃO TINHA RANGEL COM O
BENFICA?
Dentro das fileiras encarnadas, o
nome de Rui Rangel não é de todo desconhecido. Em 2007, integrou o Movimento
Benfica Vencer, Vencer, que tinha como objetivo levar José Eduardo Moniz à
presidência do clube. Cinco anos depois, foi ele próprio que avançou com uma
candidatura à liderança contra Luís Filipe Vieira. (O CSM sugeriu então que
Rangel suspendesse o exercício de funções, o que não fez.) “Estou limpo, vou
limpo para o Benfica e vou para o Benfica”, afirmou, insinuando suspeitas sobre
o currículo de Vieira. Na época, o presidente das águias acusou Rangel de
“envergonhar a magistratura” e de não entender a “realidade do Benfica”.
Anos mais tarde, Vieira e Rangel
acabaram por ficar amigos próximos. Em fevereiro de 2018, quando foi conhecida
a Operação Lex, Luís Filipe Vieira veio publicamente desmentir favores ao juiz.
“Nunca ofereci qualquer cargo no clube a troco de qualquer situação da minha
vida pessoal e profissional”, garantiu.
DE ONDE VEM RUI RANGEL?
Desde 2004, ano em que chegou a
desembargador, Rangel tornou-se um nome conhecido na praça pública, passando a
ter presença regular em vários órgãos de comunicação. Na RTP, juntamente com
Marinho e Pinto e Moita Flores, foi comentador no Programa Justiça Cega. Nos
últimos quinze anos, participou em vários programas de crónica criminal.
Ainda antes de ser uma figura
pública, em 1992, Rui Rangel foi a secretário-geral da Associação Sindical dos
Juízes Portugueses, então liderada por Noronha Nascimento, ex-presidente do
Supremo Tribunal de Justiça. Em 2014, apadrinhou a formação do partido político
Nós, Cidadãos, liderado por Mendo Castro Henriques.
A posição de Rangel ao nível
público nunca foi do agrado do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Em
vários momentos, foi advertido devido a alguns dos seus comentários e por não
cumprir o “dever de reserva” relativamente aos acórdãos de outros magistrados.
QUAL A ORIGEM DA OPERAÇÃO LEX?
O processo-crime Operação Lex,
que ainda está em fase de inquérito, nasceu de outra investigação judicial: a
Operação Rota do Atlântico. Em 2016, José Veiga, ex-dirigente do Benfica, e
Paulo Santana Lopes foram acusados de corrupção e branqueamento de capitais com
dinheiros do governo da República do Congo. Durante a investigação, foram
encontrados e-mails e talões de depósitos na conta bancária do juiz Rui Rangel,
com origem em transferências bancárias de José Veiga.
PORQUÊ A EXPULSÃO DO CSM?
Enquanto arguido da Operação Lex,
Rangel foi suspenso de funções. Em setembro deste ano, contudo, acabou por
regressar ao trabalho na Relação de Lisboa, pois havia sido ultrapassado o
prazo-máximo (18 meses) de suspensão. Aleatoriamente, foram-lhe atribuídos seis
processos - um dos quais um recurso ligado à Operação Marquês. Após este caso
ter sido noticiado, o juiz acabou por pedir escusa.
Apesar de o processo judicial
ainda estar a decorrer, o CSM optou por expulsar o juiz esta semana. “A bem da
credibilidade do sistema de justiça e da confiança dos cidadãos, neste caso
muito particular, entendeu-se que não se deveria aguardar o desfecho do
processo criminal, que contém matéria conexa com o disciplinar”, justificou
Joaquim Piçarra, presidente do CSM.
Tanto Rangel como Fátima Galante,
a ex-mulher do juiz que foi sancionada com aposentação compulsiva, já anunciaram que
vão recorrer da decisão.
QUE RELAÇÃO TEM RANGEL COM A
OPERAÇÃO MARQUÊS?
Em 2015, após ter criticado publicamente
o trabalho do procurador Rosário Teixeira e do juiz Carlos Alexandre, Rangel
foi alvo de uma pena disciplinar de 15 dias “por violação do dever de reserva”.
No mesmo ano, caiu-lhe nas mãos um recurso da defesa de José Sócrates. Rangel
deu então provimento ao recurso e faz cair o segredo de justiça interno.
Mais tarde, ainda em 2015, foi
acusado de plágio. O acórdão assinado pelo juiz desembargador que decidiu o fim
do Segredo de Justiça no caso que envolve José Sócrates tinha várias partes
copiadas de outro acórdão.
Já em 2017, a Operação Marquês
voltou a ir parar-lhe às mãos. A defesa do ex-primeiro-ministro pedia então a
nulidade do processo. O Ministério Público, contudo, pediu escusa de Rangel,
por “considerar existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança
sobre a imparcialidade do magistrado judicial”.
Fábio Monteiro | Expresso
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