quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Se o clima fosse um banco


Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Começou em Madrid a 25.a Conferência da ONU sobre o clima, a COP25, que tem lugar 25 anos depois da COP1, no Brasil. Desde então, as emissões de CO2, o principal gás com efeito de estufa, aumentaram cerca de 60%; os fenómenos climáticos extremos intensificaram-se causando milhões de refugiados; há milhares de espécies em risco e estamos muito perto de atingir um ponto de não retorno com a subida dos oceanos provocada pelo derretimento dos glaciares.

As consequências são inimagináveis se pensadas à escala do tempo da nossa vida, ou mesmo da Humanidade, mas não são inéditas num planeta onde, ao longo de milhares de milhões de anos, a sobrevivência das espécies sempre dependeu de profundas transformações climáticas.

Não há nada de conspiração nestas constatações. A ciência pode discordar quanto à previsão exata do "quanto" e "quando" deste fenómeno, mas negar as alterações climáticas é como achar que o tabaco não prejudica a saúde. A disputa não está por isso entre negacionistas e todos os outros, mas entre diferentes visões da estratégia a seguir.

Há, por um lado, quem ache que o sistema económico atual será capaz de lidar com o problema. Os adeptos do "capitalismo verde" apostam no negócio das renováveis e dos carros elétricos, na alteração individual dos comportamentos e em paliativos na produção e venda de produtos (cada vez mais as empresas publicitam produtos reciclados ou "verdes"). Querem uma transformação que não ponha em causa a produção e o tipo de consumo de massas, que não afete os mercados que especulam sobre recursos naturais ou os lucros das empresas que exploram recursos fósseis ou utilizam energias poluentes. Esta visão, que dominou até hoje, foi bem sucedida a criar novas áreas de negócio, mas falhou na proteção do planeta. E que não se diga que tudo foi feito em nome do progresso e bem-estar da Humanidade, porque sabemos como este progresso viveu da exploração dos países mais pobres que hoje são os primeiros a sofrer com as alterações climáticas; e sabemos como a finança e as grandes multinacionais ajudaram à concentração de riqueza e ao aprofundamento das desigualdades. O sistema desenfreado que está a destruir o clima é o mesmo que produziu a crise financeira, que se alimenta da precariedade, que preda os serviços públicos e que não tem pejo em financiar e beneficiar da economia da guerra sem fim.

É contra este sistema hipócrita, que diz querer saber do clima enquanto protege as petrolíferas, que cresce um movimento, apoiado nas greves climáticas estudantis, que sabe que a mudança é urgente e para valer: limitar os combustíveis fósseis e as indústrias poluentes, reduzir os consumos supérfluos, mudar a produção e o trabalho, investir nos transportes públicos e na eficiência energética do edificado. Mas não se enganem. Estas mudanças não vão acontecer enquanto todos os outros aspetos da nossa sociedade forem subjugados à proteção da finança e das grandes empresas, dos seus lucros, e à obtenção de um excedente orçamental que lhes agrade. O clima tem de ser a prioridade, em vez da proteção da Banca: se o clima fosse um banco, já estaria salvo.

*Deputada do BE

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