terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Capitalismo, reconversão, e continuidade da barbárie


Martinho Júnior, Luanda 

1- Como um grande camaleão, na viragem de 2018 para 2019 o capitalismo globalizante assume “dramaticamente” a reconversão para um novo formato geoestratégico com muitos conteúdos e contornos ainda por definir, em função da perspectiva de suas tensões internas e contradições internacionais, sem renunciar ao carácter bárbaro que lhe é intrínseco na persistência da esteira feudal que nutre sua própria essência expansionista e imperialista.

A administração republicana de Donald Trump toca a rebate em relação à hegemonia unipolar nos termos em que ela foi parida e estimulada pelo capitalismo financeiro transnacional, reflectindo decisões que ao arrepiarem no caminho global do caos, do terrorismo e da desagregação, impõem-se por via de medidas proteccionstas que mechem com a profundidade das placas tectónicas socioculturais da complexa sociedade estado-unidense, assim como em relação aos relacionamentos internacionais, num momento em que a IIIª Guerra Mundial “de baixa intensidade” se dilui num plasma de imprevisibilidade.

O presidente Trump iniciou um processo de tensas transformações, ao colocar em primeiro lugar a necessidade de se adoptarem nos Estados Unidos as práticas protecionistas agora já em curso, sem as quais e segundo a sua interpretação, estariam destinados a esvaírem-se nos desgastes implicados quer nas iniciativas do capitalismo neoliberal transnacional que foi semeado desde o final do que tem sido considerado de período da Guerra Fria, quer em função do carácter privado da Reserva Federal que desde a 1ª metade do século XX começou a corresponder às estratégias dominantes e hegemónicas da aristocracia financeira mundial.

O Presidente Donald Trump e a máquina que o apoia, não pretendem ser mais reféns desse capitalismo financeiro transnacional irresponsável perante a humanidade e também perante o próprio eleitorado estado-unidense, mas refugia-se num ciclo conservador de difícil compatibilidade com outras sensibilidades internas e externas, em especial em relação ao espaço das Américas, onde os cânones da Doutrina Monroe ressurgem envoltos nas roupagens contemporâneas de lesa-democracia.

A nível interno, o regresso a casa das capacidades e do poder financeiro das transnacionais que ocuparam o espaço da hegemonia unipolar e agora estão, forçosamente ou não, à procura de reconversão nos próprios Estados Unidos, está a activar o vulcão sociocultural e sociopolítico meio adormecido, herdado ao longo dum processo histórico expansionista e sangrento, substancialmente desde a IIª Guerra Mundial (os Estados Unidos, que se lembre sempre, foram os únicos a, até hoje, fazerem uso de armas atómicas sobre as cidades, no caso de Hiroshima e Nagasaki, no Japão).

Desde a sua origem que os Estados Unidos se vocacionaram nos processos de expansão, acabando por se tornar assim num império hegemónico unipolar, arrogante, sangrento e despótico no dobrar do século XX para o século XXI, mas agora os Estados Unidos começaram a ser obrigados ao movimento inverso, no sentido do recuo e da regressão, algo a que nunca se haviam antes habituado nos termos dos interesses da aristocracia financeira mundial, assim como das suas oligarquias e elites vassalas espalhadas pelo mundo e sobretudo pela Europa, América Latina e África...


2- O Partido Republicano apresenta tensões internas resultantes dessa deriva “contra natura”, mas as contradições sociopolíticas principais (entre a corrente que se propõe ao proteccionismo e os vícios do capitalismo neoliberal globalizante) resultam da confrontação com o criminoso papel servil que os Democratas desempenharam (e em muitos aspectos continuam a desempenhar) ao serviço do capitalismo financeiro transnacional, ele próprio corresponsável pelo contraditório crescimento meteórico da emergência chinesa, (tida agora como estando a trilhar já o caminho destinado à primeira potência económica global), como corresponsável pela tendência em direcção à exaustão financeira do papel-moeda correspondente ao petrodólar, esgotado nos labirintos de caos, de terrorismo e de desagregação semeados a partir dos enlaces derivados com e a partir do 11 de Setembro de 2001, enlaces que tiveram antecedente na formulação do Tratado de Quincy a 14 de Fevereiro de 1945, no imediato seguimento do encontro entre os aliados vencedores da IIª Guerra Mundial, em Ialta.

Há analistas que alertam para o risco duma convulsão interna nos Estados Unidos e em termos de relacionamentos internacionais, os sinais vão evidenciando a insustentabilidade da manutenção das geoestratégias erráticas das transnacionais da hegemonia unipolar no imenso continente euroasiático, apesar das crispações em torno da Rússia e da China, assim como nos oceanos e mares que lhes são próximos.

Nos subterrâneos dos relacionamentos, há cada vez mais países que vão abandonando o petrodólar nos seus negócios bilaterais e até multilaterais, deixando com isso de alimentar o monstro, apesar das sanções a que se sujeitam.

Esses países adoptaram o crescimento de suas reservas indexadas ao padrão ouro, que lhes permite também a, em função de suas riquezas naturais, criar cripto-moedas a fim de melhor salvaguardar a precária independência e soberania (como o caso da Venezuela socialista e Bolivariana).  

Abandonando o Tratado Trans Pacífico, saindo militarmente da Síria, ou reduzindo o seu contingente militar no Afeganistão, os Estados Unidos pela voz do Presidente Donald Trump renunciam em ser “os polícias do mundo”, apesar de ainda manterem mais de 800 bases espalhadas pelo planeta, apesar de suas naves de guerra sulcarem todos os oceanos e mares, apesar das ameaças ao Irão, ou à Venezuela Socialista e Bolivariana, apesar de continuarem a ser o maior vendedor de armas à escala global.

As capacidades geoestratégicas dos Estados Unidos na Eurásia estão todavia obsoletas e impotentes, face à pujança por um lado do “Belt and Road” da iniciativa chinesa, ligando Vladivostock a Londres, por outro face ao surgimento das armas hipersónicas russas e da panóplia de meios militares aparentemente vetustos, a que se adaptaram as mais avançadas tecnologias militares que se possam imaginar, do lado da Rússia e, pouco a pouco, também da China.

A Rússia ludibriou a capacidade de inteligência dos Estados Unidos e dos seus vassalos, ao reutilizar equipamentos navais, aéreos e terrestres da segunda metade do seculos XX, transformados em armas de vanguarda com as novas tecnologias desenvolvidas pelos engenheiros de suas Academias forjadas a partir do imenso mérito soviético.

Com inteligência e um “know how” incomparável, a Rússia é desde logo eficiente nas economias que faz ao vocacionar-se para o reaproveitamento de armas com aparência de obsoletas, mas que agora garantem uma superioridade geoestratégica abissal.

O presidente Putin, apesar de jogar em tantos tabuleiros à volta das imensas fronteiras terrestres e marítimas da Rússia, com mestria e subtileza diplomática responde com nervos de aço e contenção, tirando partido da superioridade tão dificilmente alcançada desde os tempos de traição, desde Gorbatchov e Ieltsin.

Na Síria não houve apenas uma vitória, houve a afirmação de sua capacidade dissuasora, sempre acima da fasquia que as potências retrógradas foram apresentando “no terreno”, por mais manipulados e contraditórios que se apresentassem os seus “jogos”, mantendo sempre aberta a janela no caminho da paz.

Na Síria houve também a previsão do assalto ao Mar Negro, cuja batalha se desenvolve à volta da tensão ucraniana tornada neofascista e neonazi após o “colorido” golpe de estado da praça Maidan.

Os vassalos dos Estados Unidos com rótulo de aliados na NATO, estão confundidos apesar dos tambores de guerra na Ucrânia, mais confundidos ainda quando uma das maiores forças armadas europeias componentes, a da Turquia,“dança com os ursos”, eternos alvos de sua propaganda irresponsável e agora apanhada em contra pé!


3- Até onde irá a retracção dos Estados Unidos, quando agora as suas esquadras navais se tornaram ridículas latas à mercê das enormes vantagens geoestratégicas russas, quando o carnaval de suas iniciativas sangrentas, motivadas pelas mais insaciáveis transnacionais, é posto a nu com a acumulação de derrotas, quando seu poder financeiro com base no petrodólar fica impotente e inútil, quando as bolsas começam a tremer esbatendo-se na orgia dos seus esgotados horizontes?

Até que ponto o investimento anunciado às pressas no sentido de se criarem armas hipersónicas, vai colmatar o deficit geoestratégico face à Rússia nos próximos dez anos?

Julgam que nos próximos dez anos a Rússia que demonstrou tanta clarividência e pujança em relação ao seu armamento, vai ficar estática, à espera que os Estados Unidos se recomponham?

Alguns candidatam-se ainda a serem artífices de “bons ofícios” na miragem do império anglo-saxónico, como a Grã-Bretanha que quer aumentar o número de suas bases “além-mar” a começar nas Caraíbas, juntando-se aos arsenais da ocasião que procuram cercar a Venezuela, Cuba e a Nicarágua.

Com a eclosão do exercício do novo presidente Obrador no México, que contramedidas se poderão equacionar bem na fronteira sul dos Estados Unidos?

Em época de retracção os Estados Unidos pretendem veladamente que outros preencham papeis que antes a si se reservava, o que aumenta a imprevisibilidade, os riscos e os movimentos erráticos também propiciados pelo disseminado arsenal “informal” de novas tecnologias.

O complexo enredo da guerra psicológica confunde-se com o emprego de operações que vão desde as de falsa bandeira com emprego de armas químicas, ou de drones, aos assassinatos selectivos, provocando caos, terrorismo e desagregação, aumentando a vulnerabilidade dos estados mais subdesenvolvidos da Terra.

O mundo bárbaro distende-se evocando ainda a “civilização judaico-cristã ocidental” ancorada nos fundamentalismos cristãos de ordem feudal, conforme às últimas eleições no Brasil, ou em nacionalismos rampantes tisnados de neofascismo e neonazismo, como na Ucrânia.

Entre os islâmicos, a Arábia Saudita atiça a espiral fundamentalista sunita-wahabita dos irmãos muçulmanos, conjugando veladamente esforços nesse sentido com os falcões de Israel.

África tem sido uma das diletas vítimas dessa espiral, que aproveita os enredos contraditórios da dialética entre as populações dos maiores desertos quentes do globo e as das ricas regiões tropicais, para melhor disseminar caos, terrorismo e desagregação, abrindo espaço ao neocolonialismo.

Chegou o ano de 2019 e muitas surpresas estão por surgir a curto e médio prazos, com uma NATO obsoleta, confundida e minada pelos nacionalismos alienados da Europa, com um comando cada vez mais ciente que a hegemonia unipolar está em estado malparado, em vias duma doença crónica irreversível.

Um mundo multipolar se vai desenhando a partir das convulsões que compõem a IIIª Guerra Mundial não declarada mas evidente, abrindo-se o caminho em terrenos quantas vezes fumegantes às integrações e articulações ainda que sem vislumbre consolidado duma paz duradoura, sem vislumbre da afirmação peremptória de civilização que a humanidade e o planeta tanto precisam!

O pré-aviso sobre uma hecatombe nuclear nunca foi tão sério como agora, no âmbito dessa IIIª Guerra Mundial que fermenta em relativamente “baixa intensidade” e em distendida “geometria variável” multiplicando os escombros, o vazio e as migrações forçadas… até quando?

Martinho Júnior - Luanda, 1 de Janeiro de 2019.

Imagens – três quadros de salvador Dali:
Metamorfose de Narciso;
O grande masturbador;
A face da guerra.

As democracias também são mortas em silêncio


Boaventura alerta: já não é preciso tanques. Usa-se poder plutocrático, manipulação das redes e captura das instituições. É preciso deter tal tragédia no Brasil

Boaventura de Sousa Santos | Outras Palavras

Habituamo-nos a pensar que os regimes políticos se dividem em dois grandes tipos: democracia e ditadura. Depois da queda do Muro de Berlim em 1989, a democracia (liberal) passou a ser quase consensualmente considerada como o único regime político legítimo. Pese embora a diversidade interna de cada um, são dois tipos antagónicos, não podem coexistir na mesma sociedade, e a opção por um ou outro envolve sempre luta política que implica a ruptura com a legalidade existente. Ao longo do século passado foi-se consolidando a ideia de que as democracias só colapsavam por via da interrupção brusca e quase sempre violenta da legalidade constitucional, através de golpes de Estado dirigidos por militares ou civis com o objectivo de impor a ditadura. Esta narrativa, era em grande medida, verdadeira. Não o é mais. Continuam a ser possíveis rupturas violentas e golpes de Estado, mas é cada vez mais evidente que os perigos que a democracia hoje corre são outros, e decorrem paradoxalmente do normal funcionamento das instituições democráticas. As forças políticas anti-democráticas vão-se infiltrando dentro do regime democrático, vão-no capturando, descaracterizando-o, de maneira mais ou menos disfarçada e gradual, dentro da legalidade e sem alterações constitucionais, até que em dado momento o regime político vigente, sem ter formalmente deixado de ser uma democracia, surge como totalmente esvaziado de conteúdo democrático, tanto no que respeita à vida das pessoas como das organizações políticas. Umas e outras passam a comportar-se como se vivessem em ditadura. Menciono a seguir os quatro principais componentes deste processo.

A eleição de autocratas. Dos EUA às Filipinas, da Turquia à Rússia, da Hungria à Polónia têm vindo a ser eleitos democraticamente políticos autoritários que, embora sejam produto do establisment político e econômico, apresentam-se como anti-sistema e anti-política, insultam os adversários que consideram corruptos e veem como inimigos a eliminar, rejeitam as regras de jogo democrático, fazem apelos intimidatórios à resolução dos problemas sociais por via da violência, mostram desprezo pela liberdade de imprensa e propõem-se revogar as leis que garantem os direitos sociais dos trabalhadores e das populações discriminadas por via etno-racial, sexual, ou religião. Em suma, apresentam-se a eleições com uma ideologia anti-democrática e, mesmo assim, conseguem obter a maioria dos votos. Políticos autocráticos sempre existiram. O que é novo é a frequência com que estão a chegar ao poder.

O vírus plutocrata. O modo como o dinheiro tem vindo a descaracterizar os processos eleitorais e as deliberações democráticas é alarmante. Ao ponto de se dever questionar se, em muitas situações, as eleições são livres e limpas e se os decisores políticos são movidos por convicções ou pelo dinheiro que recebem. A democracia liberal assenta na ideia de que os cidadãos têm condições de aceder a uma opinião pública informada e, com base nela, eleger livremente os governantes e avaliar o seu desempenho. Para que isso seja minimamente possível, é necessário que o mercado das ideias políticas (ou seja, dos valores que não têm preço, porque são convicções) esteja totalmente separado do mercado dos bens econômicos (ou seja, dos valores que têm preço e nessa base se compram e vendem). Em tempos recentes, estes dois mercados têm-se fundido sob a égide do mercado econômico, a tal ponto que hoje, em política, tudo se compra e tudo se vende. A corrupção tornou-se endêmica. O financiamento das campanhas eleitorais de partidos ou de candidatos, os grupos de pressão (ou lobbies) junto dos parlamentos e governos têm hoje em muitos países um poder decisivo na vida política. Em 2010, o Tribunal Supremo dos EUA, na decisão Citizens United v. Federal Election Commission, desferiu um golpe faltal na democracia norte-americana ao permitir o financiamento irrestrito e privado das eleições e decisões políticas por parte de grandes empresas e de super-ricos. Desenvolveu-se assim o chamado dark money, que não é outra coisa senão corrupção legalizada. É esse mesmo dark money que explica no Brasil uma composição do Congresso dominada pelas bancadas da bala, da bíblia e do boi, uma caricatura cruel da sociedade brasileira.

As fake news e os algoritmos. A internet e as redes sociais que ela tornou possível foram durante algum tempo vistas como possibilitando uma expansão sem precedentes da participação cidadã na democracia. Hoje, à luz do que se passa nos EUA e no Brasil, podemos dizer que elas serão as coveiras da democracia, se não forem reguladas. Refiro-me em especial a dois instrumentos. As notícias falsas sempre existiram em sociedades atravessadas por fortes clivagens e, sobretudo, em períodos de rivalidade política. Hoje, porém, é alarmante o seu potencial destrutivo através da desinformação e da mentira que espalham. Isto é sobretudo grave em países como a Índia e o Brasil, em que as redes sociais, sobretudo o Whatsapp (o conteúdo menos controlável por ser encriptado), são amplamente usadas, a ponto de serem a grande, ou mesmo a única, fonte de informação dos cidadãos (no Brasil, 120 milhões usam o Whatsapp). Grupos de investigação brasileiros denunciaram no New York Times (17 de Outubro) que das 50 imagens mais divulgadas (virais) dos 347 grupos públicos do Whatsapp em apoio de Bolsonaro só quatro eram verdadeiras. Uma das imagens falsas era uma foto da Dilma Rousseff, candidata ao Senado, com o Fidel Castro na Revolução Cubana. Tratava-se, de fato, de uma montagem feita a partir do registo de John Duprey para o jornal NY Daily News em 1959. Nesse ano Dilma Rousseff era uma criança de 11 anos. Apoiado por grandes empresas internacionais e por serviços de contra-inteligência militar nacionais e estrangeiros, a campanha de Bolsonaro constitui uma monstruosa montagem de mentiras a que dificilmente sobreviverá a democracia brasileira.

Este efeito destrutivo é potenciado por outro instrumento: o algoritmo. Este termo, de origem árabe, designa o cálculo matemático que permite definir prioridades e tomar decisões rápidas a partir de grandes séries de dados (big data) e de variáveis tendo em vista certos resultados (o sucesso numa empresa ou numa eleição). Apesar da sua aparência neutra e objetiva, o algoritmo contém opiniões subjetivas (o que é ter êxito? Como se define o melhor candidato?) que permanecem ocultas nos cálculos. Quando as empresas são intimadas a revelar os critérios, defendem-se com o segredo empresarial. No campo político, o algoritmo permite retroalimentar e ampliar a divulgação de um tema que está em alta nas redes e que, por isso, o algoritmo considera ser relevante porque popular.

Acontece que o que está em alta pode ser produto de uma gigantesca manipulação informacional levada a cabo por redes de robôs e de perfis automatizados que difundem a milhões de pessoas notícias falsas e comentários a favor ou contra um candidato, tornando o tema artificialmente popular e assim ganhar ainda mais destaque por via do algoritmo. Este não tem condições para distinguir o verdadeiro do falso e o efeito é tanto mais destrutivo quanto mais vulnerável for a população à mentira. Foi assim que em 17 países se manipularam recentemente as preferências eleitorais, entre eles os EUA (a favor de Trump) e agora, no Brasil (a favor de Bolsonaro) numa proporção que pode ser fatal para a democracia. Sobreviverá a opinião pública a este tóxico informacional? Terá a informação verdadeira alguma chance de resistir a esta avalanche de falsidades? Tenho defendido que em situações de inundação o que faz mais falta é a água potável. Com a preocupação paralela a respeito da extensão da manipulação informática das nossas opiniões, gostos e decisões, a cientista de computação Cathy O’Neil designa os big data e os algoritmos como armas de destruição matemática (Weapons of Math Destruction, 2016).

A captura das instituições. O impacto das práticas autoritárias e anti-democráticas nas instituições ocorre paulatinamente. Presidentes e parlamentos eleitos pelos novos tipos de fraude (fraude 2.0) a que acabo de aludir têm o caminho aberto para instrumentalizar as instituições democráticas, e podem fazê-lo supostamente dentro da legalidade, por mais evidentes que sejam os atropelos e interpretações enviesadas da lei ou da Constituição. Em tempos recentes, o Brasil tornou-se um laboratório imenso de manipulação autoritária da legalidade. Foi esta captura que tornou possível a chegada ao segundo turno do neo-fascista Bolsonaro e a sua eventual eleição. Tal como tem acontecido noutros países, a primeira instituição a ser capturada é o sistema judicial. Por duas razões: por ser a instituição com poder político mais distante da política eleitoral e por constitucionalmente ser o órgão de soberania concebido como “árbitro neutro”. Noutra ocasião analisarei este processo de captura. O que será a democracia brasileira se esta captura se concretizar, seguida das outras que ela tornará possível? Será ainda uma democracia?

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Imagem: Adriano Machado | Reuters

Brasil | Jair Bolsonaro já tomou posse. É o 38.º Presidente do Brasil


Jair Bolsonaro, um dos candidatos mais polémicos às eleições presidenciais do Brasil, e que foi eleito em setembro de 2018, toma hoje posse e torna-se assim o 38.º Presidente do Brasil.

17h17: Está assinado o termo de posse.

17h13: Estão já empossados o presidente e vice-presidente do Brasil para o período compreendido entre o dia 1 de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022.

17h10: Bolsonaro presta juramento. É seguido por Hamilton Mourão. "Prometo manter, defender e cumprir a constituição, observar as leis e promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil", disse Bolsonaro.

17h05: Ouve-se o hino do Brasil.

16h57: Bolsonaro já está no interior do Plenário da Câmara, dentro do prédio do Congresso, onde irá proceder-se ao juramento da Constituição. Faz acompanhar-se pelo vice-presidente eleito, Hamilton Mourão.

16h48: Jair Bolsonaro já está  a caminho do  Congresso Nacional. O desfile faz-se num Rolls-Royce descapotável.

16h20: Centenas de brasileiros estão concentrados na Praça dos Três Poderes, em frente do Palácio do Planalto, em Brasília, onde o clima é de exaltação, entre apoiantes de Bolsonaro, para a posse do Presidente eleito. Evento conta com segurança reforçada.

16h: Horas antes da cerimónia de tomada de posse, Bolsonaro recorreu ao Twitter para deixar uma mensagem aos brasileiros agradecendo o "apoio e a confiança" no seu trabalho para mudar "o destino" do país.

Andrea Pinto | Notícias ao Minuto

Brasil | A democracia há de morrer sem um tiro


A democracia há de morrer sem um tiro, pelo voto livre do povo e o silêncio cúmplice dos democratas

Daniel Oliveira considera que a presença dos chefes de Estado de democracias na cerimónia de possa de Bolsonaro é uma validação do fascismo.

No espaço de comentário que ocupa semanalmente na TSF, "A Opinião", Daniel Oliveira afirmou que o fascismo está bem vivo, em pleno século XXI.

"O ano de 2019 começa com a posse de um fascista", começa por afirmar Daniel Oliveira. O comentador afirma que o novo presidente brasileiro segue a linha de "todos os tiranos que chegaram ao poder pelo voto: disseram ao que vinham, mas poucos acreditaram".

Bolsonaro, que prometeu, durante a campanha, "expulsar e prender os seus adversários políticos". Que defendeu "a tortura, o fuzilamento de opositores e a execução sumária de bandidos". Que "disse que, se batermos nos nossos filhos, eles não se tornarão homossexuais".

"Foi eleito contra a corrupção, apesar de ter assumido que o partido de que fez parte recebia subornos e que ele próprio fugia a todos os impostos que podia. Foi eleito contra o clientelismo, apesar de ter dito que se quisesse contratar a sua mãe para o seu gabinete, ninguém tinha nada a ver com isso. Foi eleito pela sua fé, apesar de citar a Bíblia para defender a pena de morte. Venceu democraticamente as eleições, apesar de ter dito que nada mudaria no Brasil através do voto", constatou Daniel Oliveira.

"Os cegos dizem que Bolsonaro não é um fascista e os fascistas dizem que ele é um herói", declara. Ao homem a quem os seus apoiantes chamam de "mito", Daniel Oliveira chama "inútil fanfarrão, simulacro de macho e de militar".

Na cerimónia de posse de Jair Bolsonaro estarão 12 chefes de Estado e vários primeiros-ministros, incluindo o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa. Presenças que são condenadas pelo comentador. "A companhia de democratas não transforma o fascista em democrata, apenas o normaliza", criticou Daniel Oliveira.

"É assim que a democracia há de morrer, sem um tiro: pelo voto livre do povo e o silêncio cúmplice dos democratas", atirou.

Daniel Oliveira alerta que este não é apenas um fenómeno brasileiro. "É o Brasil, é a Hungria, é a Itália, é a Polónia, são as Filipinas, são os Estados Unidos e, mais dia, menos dia, será a França", profetiza. "A maioria acredita que o fascismo não pode acontecer agora, em pleno século XXI. Só que está mesmo a acontecer, lentamente, sem que ninguém resista."

Texto: Rita Carvalho Pereira | TSF | Foto Reuters

Velhos - ir embora, partir, libertados da esperança

Morte, o paraíso do imaterialismo

Da paz? Em que planeta?


2019, mais uma voltinha, mais uma viagem, mais do mesmo

Não se trata de ser desmancha prazeres nas ilusões que dizem chamarem-se sonhos, mas sim de olhar à volta, pelo mundo, e concluir que as perspetivas de "ano novo, vida nova" é pura ilusão - a não ser que essa tal "vida nova" signifique pior ano vindouro.

Em tempos, nas feiras, nos carrinhos de choque e nos carroceis, era anunciado "mais uma voltinha, mais uma viagem". Na realidade neste "mais um ano" que começa o que podemos esperar na melhor das hipóteses é mais do mesmo...

Olhemos em redor. Que se passa? Não vêem? (PG)

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