Não há imunidade contra a
possibilidade de JES ser declarante, esclarece jurista. Mas, se o ex-Presidente
de Angola falasse, muita gente ligada ao poder "cairia", desconfiam
analistas. Tudo não passará de um embuste?
Pela primeira vez, José Eduardo
dos Santos (JES) é citado num documento da Justiça em Angola. No despacho
de sentença que determina o arresto dos bens da sua filha Isabel dos
Santos, do genro Sindika Dokolo e do gestor dos seus negócios Mário Leite da
Silva, o ex-Presidente de Angola é várias vezes apontado como aquele que
favoreceu e autorizou transações imorais ou ilegais no contexto de parcerias
público-privadas que terão beneficiado os visados.
Entretanto, José Eduardo dos
Santos está isento de qualquer responsabilização judicial pois goza de
imunidade, segundo a Lei sobre o Estatuto dos Antigos Presidentes da República
de Angola aprovada em 2017.
Mas isso não lhe tira a obrigação
de responder como declarante se for chamado a fazê-lo. De acordo com o jurista
Albano Pedro, "legalmente, ele não está impedido. Nada diz que o
ex-Presidente José Eduardo dos Santos, apesar de ser irreponsável pelos atos
que praticou durante a governação, não possa responder em processo. Não há
imunidade contra a possibilidade dele ser declarante".
"Caso seja necessário,
poderá responder e, claro, o tribunal é soberano. As ordens do tribunal são de
cumprimento obrigatório e o não cumprimento acarreta consequências de natureza
penal, desobediência, que se podem traduzir em crime. Então, ele está legalmente
obrigado a prestar declarações caso seja chamado a fazê-lo", esclarece
ainda o jurista.
E Albano Pedro, que vê com
desconfiança esta celeuma que agita Angola, esboça vários cenários envolvendo
possíveis declarações do ex-estadista: "Não o fazendo, confirmará
a teatralização; fazendo, tendenciosamente também confirmará a teatralização.
[Mas] fazendo, desmascarando o sistema e a forma como o combate à corrupção
está a ser feito, aí sim, terá hipótese de desfazer esse teatro."
Aperto do cerco a José Eduardo
dos Santos?
Como quem come pelas beiradas, a
Justiça angolana começou pelos três filhos mais influentes do antigo chefe de
Estado, mais ou menos por ordem de importância, e, aos poucos, chega, como quem
não quer nada, ao núcleo, a José Eduardo dos Santos.
Qual é a intenção por detrás
desta exposição do ex-Presidente em documentos da Justiça? O sociólogo Paulo
Inglês opina: "Acho que a ideia é legitimar um pouco esta ideia de combate
à corrupção do Presidente João Lourenço, no sentido de que, se o próprio ex-Presidente
José Eduardo dos Santos é exposto, os seus antigos colaboradores ainda [o
são] mais."
Concluindo, o sociólogo acredita
que, "no fundo, é uma mensagem que ele envia a antigos colaboradores que
andam por aí, que se consideram intocáveis. Agora, não sei se o Presidente pode
ir mais longe. Provavelmente não."
E se José Eduardo dos Santos
falasse?
Inglês não é único que acha que a
citação do nome de José Eduardo dos Santos é só "para inglês ver". O
jurista Albano Pedro também não tem fé que uma ação mais contundente contra o
ex-Presidente angolano se concretize, porque muitas "cabeças iriam
rolar" se decidisse abrir a boca.
Albano Pedro entende que as ações
em volta da família dos Santos não passam de atos de uma peça de teatro,
"porque se o pai acaba aparecendo nesses processos, todo esse processo de
combate à corrupção desmorona. Basta uma declaração de José Eduardo dos
Santos para arruinar todo esse processo e pôr muita gente na cadeia, inclusive
gente que hoje está no poder. Claro que essa teatralização tem de criar algumas
vítimas", afirma.
"O que se pretende é enganar
as pessoas"
E, quando a guerra entre o clã
dos Santos e o Presidente João Lourenço atinge o auge, José Eduardo dos Santos
decidiu sair do silêncio sepulcral este fim de semana, para, a partir do
exterior, mandar uma mensagem aos angolanos de fim de ano. Nela deseja também
sucessos ao atual Presidente e ao seu partido, o Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA).
À parte as leituras que se podem
fazer das relações entre os dois, há uma imagem que é percebida por certos
setores, que os leva a vaticinar que a Justiça não será cega para o clã dos
Santos. O jurista Pedro Kaparakata afirma que "não há divórcio [entre José
Eduardo dos Santos e João Lourenço]. É mais ou menos a mesma situação que se
passa no Irão, entre o 'ayatolah' e o Presidente. Portanto, temos o
ex-Presidente JES como a figura moral neste preciso momento, é o nosso
'ayatolah', e temos João Lourenço como o tenente do 'ayatolah'."
Cético, o jurista afirma que
"o que se pretende é enganar as pessoas. Nem vale a pena pensar que a
Procuradoria-Geral da República vai algum dia responsabilziar JES no contexto
atual. Isso é impensável."
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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