O ministro dos Negócios
Estrangeiros de Portugal, proeminente figura do Partido Socialista nos
despachos comuns com o MPLA, tanto com o de Eduardo dos Santos como com o de
João Lourenço, disse hoje que “o (seu) Governo não tem comentários a fazer” às
revelações dos esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos em
Portugal, pois tal é da competência de “dois reguladores independentes do
Governo”.
No final de uma reunião de chefes
da diplomacia da União Europeia em Bruxelas, ao ser questionado sobre se as
revelações da investigação jornalística “Luanda Leaks” beliscam de alguma forma
as autoridades portuguesas, por não terem sido detectadas transacções suspeitas
e esquemas alegadamente fraudulentos com apoio de facilitadores portugueses,
Augusto Santos Silva disse que a resposta é “simples” e lembrou que “o Governo
é independente dos reguladores independentes”.
“À luz da lei portuguesa, as
actividades bancárias são reguladas por uma autoridade chamada Banco de
Portugal (BdP), as actividades relacionadas com o mercado de capitais são
reguladas por uma entidade chamada Comissão de Mercados de Valores Mobiliários
(CMVM). Trata-se de dois reguladores independentes do Governo, portanto o
Governo não tem comentários a fazer”, respondeu.
Santos Silva acrescentou estar
“certo de que quaisquer informações que venham e que contenham indícios de
natureza criminal serão investigadas pelas autoridades judiciais e quaisquer
informações que venham e que tenham indícios de natureza contra-ordenacional
serão investigadas pelas entidades respectivas”.
“A independência vale nos dois
sentidos: são independentes do Governo e o Governo também é independente dos
reguladores independentes”, disse Santos Silva com o brilhantismo petulante que
o caracteriza, seja às ordens de José Eduardo dos Santos, de João Lourenço ou
de qualquer outro que surja.
Questionado sobre se estas
revelações podem prejudicar as relações entre Portugal e Angola, o ministro
comentou que a resposta ainda é “mais fácil”, acrescentando logo que seguida
que a mesma “É: não, de todo, pelo contrário”.
“E, já agora, permitam-me que
aproveite esta oportunidade para dizer que talvez agora se perceba melhor a
insistência do ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, desde pelo menos
Dezembro de 2015, de manter o melhor relacionamento possível com as autoridades
angolanas, de manter o nível de relacionamento entre os dois Estados no mais
alto dos patamares, porque é justamente esse relacionamento que permite que
ambos os países defendam os seus interesses e ambos os países cooperem para que
o relacionamento entre as respectivas economias seja bom, porque claro e
transparente”, comentou.
Por fim, questionado sobre se já
teve oportunidade de falar com o seu homólogo angolano desde a publicação da
investigação “Luanda Leaks”, Santos Silva comentou que “hoje ainda não”,
recordou os contactos regulares que ambos têm e disse que não há necessidade de
falarem especificamente em breve sobre esta matéria.
“Hoje ainda não. Eu estive desde
quarta-feira em Moçambique, depois passei rapidamente por casa para mudar a
roupa e vim para Bruxelas ontem de manhã. Mas devo dizer também que não preciso
[de falar], porque falo com suficiente regularidade, falo com suficiente
profundidade e falo com suficiente franqueza para que as coisas sejam claras
para ambos. Aliás, devo recordar que a última vez que me reuni com as
autoridades angolanas foi acompanhando o Presidente da República de Portugal em
Maputo na passada quarta-feira, aí pelas 4 da tarde locais, e a seguir dei uma
conferência de imprensa conjunta com o meu colega e amigo ministro das Relações
Exteriores de Angola, Manuel Augusto”, concluiu.
Um consórcio de jornalismo
revelou no domingo mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de “Luanda Leaks”, que
detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo,
que estarão na origem da fortuna da família.
O Consórcio Internacional de
Jornalismo, que integra vários órgãos de comunicação social, entre os quais o
Expresso e a SIC, analisou (investigar é outra coisa), ao longo de vários
meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre
1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do
ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.
Durante a leitura desse dossier
foram identificadas mais de 400 empresas (e respectivas subsidiárias) a que
Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155
sociedades portuguesas e 99 angolanas.
As informações recolhidas
detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na
petrolífera estatal (do MPLA), Sonangol, na qual esteve 18 meses, que lhe terá
permitido desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o
Dubai.
Revelam ainda que, em menos de 24
horas, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é
a principal accionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia
seguinte à demissão da empresária.
A ex-eurodeputada socialista Ana
Gomes acusou este domingo o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM) e a Procuradoria-Geral da República de serem “coniventes”
com os esquemas alegadamente fraudulentos da empresária angolana Isabel dos
Santos.
A ex-eurodeputada revelou a
“cumplicidade” das autoridades portuguesas com esta “roubalheira organizada da
cleptocracia que espolia o povo angolano”.
“Obviamente que as autoridades
[portuguesas] não podem continuar não só cegas, mas coniventes, porque é isso
que tem acontecido. Sucessivos governos e governantes, alguns, em particular o
Banco de Portugal e a CMVM, autoridades políticas e judiciais deveriam ter
atuado”, disse Ana Gomes, estendendo as críticas à PGR portuguesa: “Muita desta
informação já se sabia, além das minhas denúncias concretas”.
Folha 8 com Lusa
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