Se houvesse coerência, não
poderia haver objecções à fixação do Salário Mínimo Nacional nos 1137 euros em
2020, valor que resulta da aplicação da evolução dos preços e da produtividade
ao ano de 1974.
Tiago Cunha | AbrilAbril |
opinião
O tempo de trabalho e o valor
criado durante esse período são alvo de uma disputa secular entre assalariados
e detentores dos meios de produção. Neste confronto, é o antagonismo dos
interesses e a relação de classes que emergem com toda a crueza, numa época em
que alguns tentam vender a conciliação como meio de substituir a luta dos
trabalhadores para elevarem as suas condições, num mundo do trabalho que
apresentam como essencialmente despojado de contradições e, claro, sem que haja
uns poucos a explorar a grande maioria.
O processo que o Governo encetou
na Concertação Social (CPCS), a sua rápida degeneração para um pacote que tenta
limitar a evolução salarial e contempla um conjunto de contrapartidas para as
empresas, é um exemplo lapidar da exigência da luta, da necessidade de
mobilizar, unir e esclarecer os trabalhadores. Sendo certo que não será à mesa
da CPCS, nem pela força dos melhores argumentos, que o patronato vai abdicar da
sua parcela no produto.
Com a clara intenção de
desmobilizar os trabalhadores, de colocar no campo do impossível a justa
reivindicação de aumento geral dos salários em 90 euros por mês, o grande
capital, as organizações que corporizam os seus interesses e os difusores da
sua opinião, reagem a esta, como a todas as outras exigências de valorização do
trabalho.
Dizem que primeiro é preciso
produzir mais riqueza para depois a distribuir melhor. Num país onde imperam as
desigualdades, este argumento não poderia ser mais falacioso.
O que não dizem é que a maior
desigualdade existente em Portugal tem como principal origem a relação que opõe
o capital ao trabalho, e que é fruto desta contradição – em que o capital
procura aumentar a exploração para degradar ainda mais as condições de trabalho
– da qual emana a mais visível e gritante expressão da desigualdade: a
repartição do rendimento entre o capital e o trabalho.
Analisando aquilo que é produzido
e volta aos bolsos – sob a forma de ordenados e salários – de quem produz a
riqueza e aquilo que é alienado por quem explora a força de trabalho,
verificamos que 41,8% vai directamente para o capital e apenas 34,6% vai para
os assalariados.
Por isso, afirmamos que é
possível hoje aumentar os salários em 90 euros por mês, sem termos de esperar
por mais produção. Basta assumir o combate às desigualdades em todas as suas
dimensões, sem hipocrisias e demagogias, e atacar a sua principal causa, o que
exige uma subida geral dos salários.
Outra linha de ataque passa pela
afirmação de que as empresas não aguentam. Especialmente usada quando se
trata do salário mínimo nacional (SMN), mas não só, este argumento cai por
terra quando verificamos que os custos com pessoal apenas representam, em
média, 14% dos custos totais das empresas no nosso país.
Na verdade, em grupos como a
Jerónimo Martins, SONAE, GALP, EDP e ALTRI, só para referir uns poucos dos mais
conhecidos, aquilo que um aumento geral dos salários pode representar é uma
redução dos dividendos distribuídos.
No Pingo Doce, por exemplo, um
aumento de 200 euros em 2018, teria como único efeito a redução de 188 para 79
milhões de euros de lucro da família Soares dos Santos, ainda assim, uma «pipa
de massa».
Para os trabalhadores do calçado,
um aumento de 90 euros no seu vencimento equivale à venda de quatro pares de
sapatos (tendo por base o preço médio da unidade exportada anunciado pelo
sector); no têxtil e vestuário, só no último ano, o aumento das exportações
permitia um aumento de 128 euros por mês por trabalhador. Em todos os sectores,
em cada empresa, sobram mais exemplos que se somam a estes.
Com a desfaçatez de quem muito
explora, avançam ainda que os salários, e em particular o SMN, devem evoluir
segundo critérios em que se incluem a produtividade e a inflação… Pois bem, se
houvesse coerência, não poderia haver objecções à fixação do SMN nos 1137 euros
em 2020, valor que resulta da aplicação da evolução dos preços e da
produtividade ao SMN conquistado com a revolução de Abril de 1974. Mas não há
coerência porque tais critérios são manipulados ou ignorados para beneficiar os
interesses do capital. Só nas duas últimas décadas, a diferença entre a tal
produtividade e a evolução dos salários é a que se segue, conforme mostram as
contas nacionais.
Aumentar os salários e o SMN para
pôr um ponto final na situação em que um em cada dez trabalhadores empobrece a
trabalhar.
Aumentar os salários e o SMN,
para que os trabalhadores e as suas famílias atinjam um rendimento que lhes
permita ter uma vida digna.
Isso mesmo (quanto é necessário
para se ter uma vida digna) foi o que um grupo de académicos procurou aferir. O
valor a que chegaram, para um agregado familiar composto por dois adultos e
dois dependentes, ou seja, aquele que garante a reposição demográfica no nosso
país, foi o de um salário bruto de 1430 euros por mês, em 2019.
Fica claro que no caso da
demografia, como noutros, mais do que constatar problemas, urge identificar as
suas causas e implementar medidas que as combatam. Todos os inquéritos à
fecundidade apontam a segurança no emprego e os salários como os aspectos a
melhorar para que os jovens concretizem o seu desejo a constituir família.
O aumento geral dos salários em
90 euros por mês, não só é possível, como é necessário para garantir um nível
de vida digno e inverter a tendência para o défice demográfico a que a política
de direita conduziu o nosso país.
Perante a ameaça do capital de
que a economia não aguenta um tão robusto aumento dos salários, lembramos que o
incremento no rendimento disponível das famílias se constitui como uma alavanca
para o aumento do PIB. Foi a recuperação de rendimentos, ainda que limitada, e
de direitos que impulsionou a economia, e vai continuar a ser esta uma
componente determinante para a evolução futura e da qual dependem os micro e
pequenos empresários que têm no mercado nacional e na procura solvente dos que
cá habitam e trabalham a única fonte para a realização do seu negócio.
Em Espanha, o SMN subiu 22,3% no
último ano, para os 900 euros, e o crescimento naquele país terá sido superior
ao de Portugal. Se é errado atribuir a um único factor a evolução da economia,
mais errado é dizer que o aumento geral dos salários contribuiu para o
desequilíbrio, que é o princípio da catástrofe…
Mas a valorização do trabalho e
dos trabalhadores não se faz com o nivelamento por baixo de todas as
profissões, daí que a emergência se coloque não só nos rendimentos mais baixos,
mas nos rendimentos em geral. A contratação colectiva assume, também, aqui, um
papel determinante.
Outro dos efeitos que o aumento
geral dos salários terá, é nas contas públicas e da Segurança Social.
Estimámos o impacto por cada
incremento de 90 euros por mês, em média, para cada assalariado. Ao nível do
IRS e dos impostos ao consumo, a receita fiscal anual poderá aumentar mais de
mil milhões de euros ao ano.
Do lado da Segurança Social, o
potencial para a melhoria das prestações sociais é enorme e poderá ser
fomentado com a diversificação das fontes de financiamento. Ainda assim,
partindo exclusivamente das receitas oriundas dos descontos sobre os
rendimentos do trabalho, o saldo da Segurança Social poderá ser incrementado
1,7 mil milhões de euros ao ano.
1)
Sim, é possível, é necessário e
tem impactos positivos na dinamização da economia e nas contas públicas. O
aumento geral dos salários em 90 euros por mês é uma emergência nacional, pelo
trabalho e a valorização dos trabalhadores, pelo futuro do país.
O aumento geral dos salários como
objectivo da política, mas também como elemento estruturante do
desenvolvimento. Sem prejuízo da importância de avaliar as variáveis económicas
que influenciam a variação dos rendimentos de quem trabalha, a questão fundamental
com que estamos confrontados, na reivindicação do aumento em 90 euros por mês,
é a da luta de classes…
Transportar esta reivindicação
para o seio de cada empresa e sector, convergir na luta, são as tarefas que se
nos colocam. Mobilizar os trabalhadores e dar exemplos concretos que demonstram
que sim, é possível, necessário e urgente avançar no aumento dos salários. É um
caminho que temos de continuar a trilhar.
Nota:
1) - Para a variação dos impostos
sobre o consumo, estimámos uma propensão marginal ao consumo de 70%, ou seja,
por cada 90 euros líquidos de IRS, 51,2€ vão para o consumo e são sujeitos
à taxa média de IVA (17,58%)
Imagem de topo:
Milhares de trabalhadores
responderam ao apelo da CGTP-IN e manifestaram-se em Lisboa, a 10 de Julho de
2019, para pedir a revogação da legislação anti-laboral, o aumento de salários
e a valorização dos trabalhadores, para um Portugal desenvolvido e soberano.
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