Manuel Carvalho Da Silva*
| Jornal de Notícias | opinião
Estilhaçado o velho "arco da
governação" em 2015, fruto das posições estratégicas novas assumidas pelo
PS e pelos partidos à sua Esquerda, e constituído um apoio parlamentar ao
Governo então empossado, tornou-se claro que a Direita podia ser afastada da governação
do país por um longo período e se poderia gerar na sociedade portuguesa uma
dinâmica transformadora, de progresso social e económico.
Tais perspetivas eram
sustentáveis apesar dos condicionalismos que os tratados e as políticas da
União Europeia impõem a países periféricos como o nosso, da nossa estrutura
económica estar enfraquecida e, ainda, da Administração Pública e o Estado se
encontrarem em acentuado depauperamento.
Será que tais perspetivas se
mantêm viáveis? As relações de forças saídas das eleições do ano passado
inviabilizam esse rumo? Estão em curso retrocessos táticos e estratégicos que
vão conduzir os partidos às suas velhas "zonas de conforto", em
desfavor de um rumo coletivo transformador? As diferenças entre os partidos que
dão corpo à maioria à Esquerda são ultrapassáveis num quadro defensivo, mas não
perante desafios ofensivos?
Quando Cavaco Silva na sua luta
contra a nova solução política impôs aos partidos da Esquerda "união"
de papel passado, contribuiu, não sei se conscientemente, para a formalização
de compromissos que se haveriam de revelar importantes no país e fora dele.
Isso ajudou a vincular o PS que, face à composição parlamentar, não podia
prescindir de nenhum dos partidos à sua Esquerda. Essa "união" não
era uma solução política trabalhada há longo tempo de forma exposta na
sociedade e surgiu da prioridade de afastar a Direita do poder, face ao perigoso
plano inclinado em que o país se encontrava. Os compromissos assumidos não
passaram de uma espécie de carta de mínimos, de execução trabalhosa mas não
impossível.
Ao contrário do que muitas vezes
é propagandeado pela Direita, e também dito por dirigentes do PS, na
legislatura 2015/2019 não se fez uma reposição plena de rendimentos e direitos
perdidos e muito menos se alijou o lastro pesado criado pelas políticas
austeritárias, desde logo nas áreas do trabalho e nas da garantia de direitos
fundamentais. Ora, a continuação de compromissos sólidos à Esquerda depende
inevitavelmente destas reposições e, por outro lado, elas estão associadas ao
desbloqueio de outros obstáculos internos (perfil da economia, distribuição da
riqueza, coesão social e territorial) e europeus (constrangimentos orçamentais
e serviço da dívida) que temos de vencer para nos tornarmos um país mais
desenvolvido e uma sociedade mais avançada.
O PS obteve, nas eleições
legislativas de outubro passado, um resultado que paradoxalmente lhe ampliou o
campo de manobra para fazer pressão sobre os seus "aliados
preferenciais", ao mesmo tempo que tornou o seu Governo mais frágil. O BE
e o PCP precisam de defender-se, mas terão de ser mais convergentes e ofensivos
na definição da agenda desta legislatura, com temas vitais que atrás enunciei.
O PS tem de deixar de fazer de Calimero e empenhar-se em coligações positivas.
Não pode desperdiçar quatro anos numa procura fútil da melhor oportunidade para
desencadear uma crise.
Só assim existirão espaço e
condições para soluções que não matem a justa esperança da esmagadora maioria
dos portugueses.
* Investigador e professor
universitário
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