Marisa Matias* | Diário de Notícias
| opinião
Passou praticamente despercebida
a notícia de que a União Europeia colocou nesta semana as ilhas Caimão na lista
dos paraísos fiscais. A razão foi o Brexit, e a leitura não poderia ser mais
clara. A União Europeia protege e continuará a proteger os seus paraísos
fiscais, o que significa que nada mudará nas chamadas políticas de
"otimização fiscal" por muito que se acumulem casos atrás de casos.
As ilhas Caimão jogaram um papel fundamental nos escândalos associados aos
Panama Papers, mas como ainda eram território europeu nada foi feito. Este é um
sinal muito importante da falta de vontade em atuar contra o crime financeiro.
Se dúvidas houvesse, o recente caso do Luanda Leaks aqui estaria para
desfazê-las. É por demais evidente o papel que teve o offshore de
Malta, um dos paraísos fiscais europeus, e as consequências são, para já,
nulas.
Há cerca de um ano, o Parlamento
Europeu aprovou um importante relatório em que ficava a claro a identificação
dos paraísos fiscais europeus e a recomendação para alterar profundamente as
suas práticas fiscais. Não se trata apenas de localizações como as ilhas
Caimão, em pertença do Reino Unido, mas de países inteiros a funcionar como
paraísos fiscais. Malta é um desses países paraísos fiscais, a que se juntam
mais quatro: Chipre, Irlanda, Luxemburgo e Países Baixos. Muito perto das
práticas verificadas nestes países estão ainda a Bélgica e a Hungria. Sobre
estes nada se fez. Mas as propostas não diziam apenas respeito aos regimes que
se configuram como paraísos fiscais, considerando também as práticas fiscais
agressivas e perigosas, como é o caso dos vistos gold.
Os impactos da fraude fiscal, da
evasão de capitais, das práticas prejudiciais e do branqueamento de capitais
nas sociedades europeias são enormes. São, na prática, os grandes bloqueadores
à criação de sociedades mais justas e de economias mais fortes. Veja-se o caso
dos vistos gold em Portugal. Os dados mais recentes mostram que foram
já atribuídas 8288 autorizações de residência associadas a vistos gold e
que 90% estão relacionadas com a compra de imóveis, ao passo que o critério de
criação de dez postos de trabalho ou mais correspondeu apenas à atribuição de
17 vistos. A juntar a estas foram ainda atribuídas 14 154 autorizações de
residência a familiares reagrupados.
Estas práticas que se baseiam em
tudo permitir a quem tiver dinheiro para "investir", e que já várias
vezes foram sujeitas a recomendação de extinção por parte da União Europeia,
seguem com todo o fôlego. Ainda no último Orçamento do Estado, PS e PSD votaram
a sua continuação juntando apenas algumas limitações geográficas que em nada
limitam o seu carácter pernicioso.
A transparência que falta na
legislação fiscal europeia não parece faltar nos critérios que a definem. Se a
consideração de paraíso fiscal depende do código postal, a autorização de
residência depende do dinheiro no bolso. Não espanta, por isso, que a colocação
das ilhas Caimão na lista negra tenha passado desapercebida. É a simples
conotação de que o crime financeiro continua a compensar na Europa.
*Eurodeputada do Bloco de
Esquerda
Imagem: Reinaldo Rodrigues /
Global Imagens
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