Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
O coronavírus está a colocar-nos
desafios imprevistos e ainda imprevisíveis. Por agora exige-se a cada um de nós
rigor nos comportamentos recomendados pelas entidades oficiais.
Muitos dos hábitos e práticas,
individuais e coletivas do dia a dia estão a mudar profundamente. Não sabemos
por quanto tempo e com que efeitos a prazo. Os perigos para a saúde são reais,
mas podemos reduzi-los pela nossa disciplina e solidariedade. Há que vencer
medos e, por outro lado, não permitir que se jogue com a vida das pessoas para
gerar crises económicas ou políticas, ou para fazer da sua gestão um
aprofundamento das injustiças e desigualdades.
Os avanços tecnológicos,
científicos e comunicacionais não alteraram significativamente os
comportamentos humanos e, em alguns aspetos, complicaram o bom exercício do
poder político. Velhas formas de comunicação entretêm-se, em grande medida, a
ampliar medos para obter audiências; e novas formas de comunicar amplificam o
diz que disse, as falsidades, as efabulações e as intrigas. Continuamos a ter
açambarcadores de vários tipos - desde os que açambarcam papel higiénico até
aos açambarcadores globais tipo Trump - que agem como se ao salvarem-se a si,
ou a uma comunidade que esporadicamente representam, ficassem assegurados a
sobrevivência e os interesses de toda a humanidade.
Há uma evidência já consolidada
que importa analisar em múltiplas vertentes: a maneira mais eficaz de lidar com
o Covid-19 consiste no aumento do distanciamento social e consequente redução de
mobilidades. Tais opções provocam fortes efeitos na organização da sociedade e
do trabalho e, no imediato, forçam a redução da atividade económica, que pode
levar a nova crise e a uma recessão global.
Temos de fazer tudo o que estiver
ao nosso alcance para reduzir os impactos deste choque no plano económico, a
uma dimensão conjuntural. Isso será possível se desta vez as prioridades não
forem salvar os bancos, se os trabalhadores e as camadas populares não forem o
sujeito convocado para pagar a fatura, se houver justiça na apropriação da
riqueza. Precisamos de investimento e de crédito que salvaguardem o emprego e
impeçam a redução dos salários; de apoio às empresas que se encontrem
bloqueadas por dificuldades conjunturais de tesouraria, num processo ágil mas
escrutinado. Não se pode adiar mais o financiamento público do sistema de saúde
e da proteção social. Precisamos de caminhos novos para a especialização da
nossa economia, diversificando-a. O afunilamento no turismo é perigoso. Há que
reconstruir redes locais de fornecimentos diversos e novas formas de lidar com
as catedrais do consumo.
É positiva a tomada de
consciência da insustentabilidade dos cada vez maiores e mais incontroláveis
fluxos de capitais, pessoas e mercadorias. Há um rompimento das "tradicionais"
cadeias de valor internacionais e evidencia-se a necessidade de os países
assegurarem sistemas de salvaguarda de bens de suporte de vida. A redução
forçada dos transportes, desde logo os aéreos, e de outras atividades que
provocam enormes emissões de gases com efeito de estufa, evidenciam tópicos de
debate sobre as respostas à crise ambiental global, ou sobre o paradigma do
crescimento ilimitado.
É preciso passar das
experimentações forçadas para mudanças refletidas e consistentes.
*Investigador e professor
universitário
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