Relatório da União Europeia
enumera dezenas de casos de notícias falsas de origem russa sobre a covid-19.
Tática para confundir opinião pública segue o mesmo modelo usado pela União
Soviética na época da Guerra Fria.
A Organização Mundial da Saúde
(OMS) já fala numa "infodemia" em conexão com a crise do coronavírus.
Não apenas o vírus, mas também uma quantidade crescente de informações circula
pelo mundo. No entanto, muitas informações são pura desinformação e são usadas
como um meio de exercer influência política.
A Rússia é particularmente ativa
nessa área. Um relatório da divisão para comunicação estratégica do Serviço
Europeu de Ação Externa (SEAE) divulgado nesta semana relata dezenas de
casos de desinformação em relação ao vírus. Somente entre 22 de janeiro e 19 de
março de 2020, os "caçadores de desinformação" da UE listam mais de
110 casos de notícias falsas de origem russa sobre o coronavírus. Os
autores e as mensagens são sempre as mesmas – e têm uma longa tradição no
sistema russo de interferência no exterior.
Segundo o relatório da UE, a
atual campanha de desinformação russa se concentra em uma coisa: uma suposta
origem artificial do vírus que seria usado para um propósito político menor.
Plataformas como "southfront.org" ou RT e Sputnik são particularmente
citadas pela UE como originadoras e multiplicadoras deste tipo de mensagem.
As versões das notícias falsas
variam. Algumas falam em "elites secretas" que seriam responsáveis
pelo vírus, outras acusam os EUA e a indústria farmacêutica. Mas eles têm uma
característica em comum: sugerem que nada é o que parece ou como
relatado por governos, as autoridades de saúde e mídia.
A UE avalia que os objetivos por
trás disso é criar confusão, enfraquecer a confiança nos governos, na mídia,
nas autoridades e no "sistema", criar desconfiança e discórdia entre
a UE, os Estados-membros ou os EUA. Bem-vindo ao reino das teorias da
conspiração, bem-vindo de volta à propaganda da Guerra Fria!
Não apenas a UE, mas também
cientistas como Thomas Rid, da Universidade John Hopkins, notam que a
interferência russa quase não mudou desde os dias da Guerra Fria. Na crise
atual, isso oferece uma oportunidade para se investigar os mecanismos usados
pelo sistema russo de desinformação.
Basicamente, a máquina de
propaganda da União Soviética usava três tipos de desinformação: branca, cinza
e negra. A "propaganda branca" vinha e vem de canais estatais
reconhecidos abertamente, como o Departamento de Estado, comunicados de
imprensa ou departamentos de informações de instituições estatais. Exemplos de
"propaganda cinza" são a emissora internacional russa RT e o portal
de notícias Sputnik, que são meios regulares de mídia, mas são considerados
porta-vozes não oficiais.
A "propaganda negra" é,
de longe, a mais complicada porque ocorre de forma secreta. Na linguagem
russo-soviética, era chamada de "medidas ativas". Idealmente,
consistem em informações falsas, semiverdadeiras ou distorcidas, lançadas
deliberadamente, sem que a fonte russa da notícia seja visível.
Os organizadores dessas "medidas
ativas" eram e são principalmente serviços secretos. Um grande número de
recursos é disponibilizado: na era analógica, eram criados editoras,
escritórios de informação; jornais, revistas e brochuras eram impressos,
distribuídos ou enviados por correio. No entanto, a forma mais refinada era
espalhar a desinformação por canais secretos, como "agentes de
influência" ou pessoas de contato. Para esse fim, eram recrutadas fontes
da mídia ocidental regular, que depois divulgavam informações do modo desejado pela
fonte russa.
Na era digital, esse método
elaborado e lento de influenciar se tornou menos importante. Em vez disso, por
exemplo, a agência de inteligência doméstica russa FSB conta com "fábricas
de trolls". Em empresas de fachada, são empregados softwares automatizados
de um lado e pessoas, de outro, para "plantar", "curtir",
compartilhar e enviar informações e mensagens no amplo universo da internet.
Desinformação como elemento
estratégico
Sergei Ivanov, ex-chefe do
serviço de desinformação "A" do serviço secreto soviético KGB,
descrevia a implementação de tais "medidas ativas" como uma
"arte". Porque o conteúdo tem que ser adaptado às situações, público
e ao meio. Além disso, a origem soviética tinha que ficar encoberta sob qualquer
circunstância. Somente então, as medidas ativas da KGB não poderiam ser
reconhecidas à primeira vista como desinformação soviética.
Um objetivo importante era
conseguir com que veículos de mídia ou personalidades ocidentais assumissem um
ou mais conteúdos da desinformação. Quando isso funcionava, era possível
apontar a fonte ocidental como uma suposta origem da notícia. Pois propaganda
secreta e aberta eram vistas como uma unidade e se complementavam. Medidas
ativas lançavam mão de conteúdo da propaganda cinza e vice-versa. Desse modo, a
verdadeira autoria era ocultada, as interações eram criadas, e era integrado um
maior número possível de multiplicadores involuntários.
Qual o motivo disso tudo? A
complexidade da desinformação soviética e russa mostra quanto o Kremlin está investindo
neste tipo de política de informação. Muito antes de os termos "guerra
híbrida" ou "guerra da informação" se tornarem conhecidos, as
autoridades de Moscou usavam a desinformação como elemento estratégico de sua
política externa. E nisso ainda parece valer a lógica extrema da Guerra Fria:
já que os interesses da Rússia no mundo sempre são contrários aos dos EUA, da
Otan e da UE, todos os meios são justificados para enfraquecer o inimigo,
confundi-lo e dividir sua sociedade. Disso, também fazem parte fenómenos
apolíticos, como doenças, mesmo que informações incorretas possam custar vidas.
Christopher Nehring (md) |
Deutsche Welle
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