Inês Cardoso* | Jornal de Notícias
| opinião
Até que a ciência encontre respostas que nos salvem, a
perversidade da Covid-19 é que tem nos muros a única forma eficaz de prevenção.
O distanciamento social pressupõe um bloqueio físico em relação ao outro, atrás
do qual espreita perigosamente um muro afetivo e social.
Começa com as discussões entre
países e críticas às culpas de cada um (como as mal esclarecidas e
"repugnantes" declarações do ministro das Finanças holandês sobre a
Espanha), depois com desconfianças de uma região em relação a outra, e a certa
altura com a ideia indefinida de que o outro é, indiscriminadamente, uma
ameaça.
Faz-se o cerco a distritos,
concelhos, e para algumas pessoas o ideal seria que se divulgasse o número da
porta de cada infetado, para melhor o podermos vigiar. Como se um doente não
fosse uma vítima, mas um agressor. Claro que alguns falham os deveres impostos,
como pessoas em quarentena obrigatória também falham. Mas para as fiscalizar
estão no terreno as autoridades. Individualmente, devemos controlar os nossos
próprios movimentos e riscos, não disparar energias para o controlo dos outros.
Não temos todo o conhecimento para agir corretamente sobre eles e nesta altura
proliferam convicções e juízos que correm o risco de ser completamente errados.
A fronteira entre os cuidados a
que todos estamos obrigados e a reação epidérmica a tudo o que mexe é ténue e
delicada. É preciso restringir movimentos, mas é igualmente essencial respeitar
a lei. Não é por acaso que a provedora de Justiça já teve de vir a terreiro
alertar para o risco de ilegalidade em ações avulso decididas por autarcas ou
regiões.
O vírus não conhece fronteiras. O
seu combate também não. De nada vale querermos proteger o nosso quintal e não
agirmos concertadamente, porque a propagação em qualquer ponto do Mundo tem
efeitos globais. Veja-se o exemplo da China, que atualmente tem a doença
controlada mas, apesar do máximo rigor das medidas, continua a importar casos.
Todos temos medo do vírus, do que ele possa fazer aos nossos. Mas talvez
devamos ter igual medo da nossa resposta. Da discriminação, desunião e nalguns
momentos insensibilidade em relação à história e solidão do outro.
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